terça-feira, 14 de setembro de 2021

Andrea Jubé - A eleição-unicórnio

Valor Econômico

Reviravolta sobre Lula em 1994 anima a terceira via

A articulação por uma alternativa de fôlego à polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sucessão presidencial aguçou a criatividade dos estrategistas políticos.

A novidade é a apropriação de um termo da economia, da mitologia grega - e, por que não, da literatura brasileira - para designar a próxima eleição presidencial, caso o postulante da terceira via ultrapasse Lula e Bolsonaro, e numa espécie de duplo twist carpado, vença o pleito, ou pelo menos, garanta uma vaga no segundo turno.

Essa possibilidade, considerada ainda remota entre raposas políticas e analistas experientes, passou a ser chamada em algumas rodas em Brasília de “eleição-unicórnio”.

Na economia, o termo foi criado pela investidora do Vale do Silício Aileen Lee para batizar as startups que atingem a marca de US$ 1 bilhão em valor de mercado.

Em artigo publicado em 2013, Lee admitiu que o termo não seria perfeito já que essas criaturas “aparentemente não existem”. Mas seria aplicável à hipótese porque empresas emergentes que num curto espaço de tempo alcançam tal valorização representam “algo extremamente raro e mágico”, assim como os unicórnios.

Uma declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, poderia assustar a terceira via. “O Brasil está virando uma fábrica de unicórnios”, comemorou em julho, em entrevista sobre a reforma tributária, defendendo que o setor de tecnologia seja preservado.

Em contrapartida, os dados atestam a raridade do fenômeno. No Brasil, os unicórnios correspondem a menos de 1% das empresas emergentes. Segundo a associação que representa o segmento, até agosto, de um universo de 12,7 mil startups, apenas 16 haviam se transformado em unicórnios.

Desta forma, adaptando-se a alcunha econômica à esfera política, o conceito de “raro” seria contemplado na “eleição-unicórnio” em duas circunstâncias.

Se Bolsonaro não estancar a queda de sua popularidade, e acabar derrotado no primeiro turno, ou não chegar à segunda rodada do pleito, essa configuração permitiria ao candidato da terceira via avançar para o primeiro ou segundo lugar da disputa.

Seria um feito inédito porque, desde que entrou em vigor a emenda da reeleição, em 1998, o presidente da República no exercício do cargo venceu o pleito. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso naquele ano; com Lula em 2006; e Dilma Rousseff em 2014.

Entretanto, aliados do presidente não descartam a recuperação econômica no ano que vem, favorecendo uma reviravolta. O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e um grupo de ministros da ala política ouviram, recentemente, de consultores internacionais que Bolsonaro tem chance de se reeleger com 56% dos votos no segundo turno, se largar no ano que vem de um patamar mínimo de 40% da preferência do eleitorado.

O segundo cenário que configuraria a “eleição-unicórnio” seria o PT não despontar como a primeira ou segunda força eleitoral, algo inédito desde 1989. O PT disputou o segundo turno da sucessão presidencial nos oito pleitos desde a redemocratização. De lá pra cá, os petistas venceram quatro eleições e perderam outras quatro.

Uma singularidade é que o PT nunca arrebatou a vitória no primeiro turno, proeza só alcançada nesse período pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

A ausência de público nos protestos convocados pelo Movimento Brasil Livre (MBL) - originalmente, com o mote “Nem Lula nem Bolsonaro” -, contribuiu para reforçar a tese do improvável resultado com a terceira via vencendo a eleição ou chegando à reta final.

Um dos articuladores dos atos deste domingo, o vice-presidente do PSL, deputado Júnior Bozella (SP), ressalvou em conversa com a coluna que essa bandeira foi alterada posteriormente para permitir que a esquerda se unisse ao grupo.

“Sempre defendi uma reedição dos caras-pintadas, ou algo similar às Diretas Já. Insisti na frente ampla, de baixarmos bandeiras de todos os lados”, argumentou.

Bozella ponderou que nos últimos protestos, bolsonaristas e petistas construíram palanques políticos para seus candidatos. Acrescentou que no caso de Bolsonaro, ele ainda contaria com a força da máquina pública, ampliando o poder de mobilização. Ele cobra mais “desprendimento” da esquerda.

Em outra frente, um deputado petista questionou à coluna: “Como o PT iria para a [Avenida] Paulista protestar ao lado daquele boneco?” Um grupo ligado ao MBL ergueu um boneco inflável gigante com a imagem de Lula abraçado a Bolsonaro.

No entanto, a despeito da conjuntura adversa para a terceira via, falta um ano para o embate eleitoral e nenhum cenário pode ser descartado.

Uma liderança tucana recorda que, em 1994, Lula liderou as pesquisas sobre a sucessão presidencial até cinco meses antes do pleito. Um levantamento do Datafolha divulgado em 27 de maio de 1994, mostrou o candidato petista com 40% das intenções de voto e Fernando Henrique muito atrás, com 17%.

Entretanto, o jogo virou com o apogeu do Plano Real em 1º de julho, quando a nova moeda começou a circular. Estava consolidado o cenário de prosperidade econômica, com melhora dos índices de inflação e do poder de compra da população, o que contribuiu para inflar a popularidade do tucano, que conduziu a reforma econômica no cargo de ministro da Fazenda. No fim, o tucano elegeu-se no primeiro turno, com 54,3% dos votos, contra 27,1% de Lula.

Em outro exemplo lembrado pelos entusiastas da terceira via, ninguém acreditava na vitória de Bolsonaro antes do evento trágico de 6 de setembro - por ironia, véspera de um outro 7 de setembro. O episódio estimulou a comoção popular em favor do capitão e livrou-o dos debates incômodos.

Unicórnios inspiraram os gregos, os economistas e os escritores. A transgressora Hilda Hilst parafraseou na novela “O unicórnio” a “Metamorfose” de Franz Kafka. “Ser um unicórnio é... não sei, a espécie já está quase extinta e tenho medo”, escreveu. A dúvida é se, a um ano do embate, a terceira via ganhará fôlego para virar a zebra eleitoral.

 

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