Valor Econômico
Reviravolta sobre Lula em 1994 anima a
terceira via
A articulação por uma alternativa de fôlego
à polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva na sucessão presidencial aguçou a criatividade dos estrategistas
políticos.
A novidade é a apropriação de um termo da
economia, da mitologia grega - e, por que não, da literatura brasileira - para
designar a próxima eleição presidencial, caso o postulante da terceira via
ultrapasse Lula e Bolsonaro, e numa espécie de duplo twist carpado, vença o
pleito, ou pelo menos, garanta uma vaga no segundo turno.
Essa possibilidade, considerada ainda
remota entre raposas políticas e analistas experientes, passou a ser chamada em
algumas rodas em Brasília de “eleição-unicórnio”.
Na economia, o termo foi criado pela investidora do Vale do Silício Aileen Lee para batizar as startups que atingem a marca de US$ 1 bilhão em valor de mercado.
Em artigo publicado em 2013, Lee admitiu
que o termo não seria perfeito já que essas criaturas “aparentemente não
existem”. Mas seria aplicável à hipótese porque empresas emergentes que num
curto espaço de tempo alcançam tal valorização representam “algo extremamente
raro e mágico”, assim como os unicórnios.
Uma declaração do ministro da Economia,
Paulo Guedes, poderia assustar a terceira via. “O Brasil está virando uma
fábrica de unicórnios”, comemorou em julho, em entrevista sobre a reforma
tributária, defendendo que o setor de tecnologia seja preservado.
Em contrapartida, os dados atestam a
raridade do fenômeno. No Brasil, os unicórnios correspondem a menos de 1% das
empresas emergentes. Segundo a associação que representa o segmento, até
agosto, de um universo de 12,7 mil startups, apenas 16 haviam se transformado
em unicórnios.
Desta forma, adaptando-se a alcunha
econômica à esfera política, o conceito de “raro” seria contemplado na
“eleição-unicórnio” em duas circunstâncias.
Se Bolsonaro não estancar a queda de sua
popularidade, e acabar derrotado no primeiro turno, ou não chegar à segunda
rodada do pleito, essa configuração permitiria ao candidato da terceira via avançar
para o primeiro ou segundo lugar da disputa.
Seria um feito inédito porque, desde que
entrou em vigor a emenda da reeleição, em 1998, o presidente da República no
exercício do cargo venceu o pleito. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso
naquele ano; com Lula em 2006; e Dilma Rousseff em 2014.
Entretanto, aliados do presidente não
descartam a recuperação econômica no ano que vem, favorecendo uma reviravolta.
O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e um grupo de ministros da ala
política ouviram, recentemente, de consultores internacionais que Bolsonaro tem
chance de se reeleger com 56% dos votos no segundo turno, se largar no ano que
vem de um patamar mínimo de 40% da preferência do eleitorado.
O segundo cenário que configuraria a
“eleição-unicórnio” seria o PT não despontar como a primeira ou segunda força
eleitoral, algo inédito desde 1989. O PT disputou o segundo turno da sucessão
presidencial nos oito pleitos desde a redemocratização. De lá pra cá, os
petistas venceram quatro eleições e perderam outras quatro.
Uma singularidade é que o PT nunca
arrebatou a vitória no primeiro turno, proeza só alcançada nesse período pelo
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
A ausência de público nos protestos
convocados pelo Movimento Brasil Livre (MBL) - originalmente, com o mote “Nem
Lula nem Bolsonaro” -, contribuiu para reforçar a tese do improvável resultado
com a terceira via vencendo a eleição ou chegando à reta final.
Um dos articuladores dos atos deste
domingo, o vice-presidente do PSL, deputado Júnior Bozella (SP), ressalvou em
conversa com a coluna que essa bandeira foi alterada posteriormente para
permitir que a esquerda se unisse ao grupo.
“Sempre defendi uma reedição dos
caras-pintadas, ou algo similar às Diretas Já. Insisti na frente ampla, de
baixarmos bandeiras de todos os lados”, argumentou.
Bozella ponderou que nos últimos protestos,
bolsonaristas e petistas construíram palanques políticos para seus candidatos.
Acrescentou que no caso de Bolsonaro, ele ainda contaria com a força da máquina
pública, ampliando o poder de mobilização. Ele cobra mais “desprendimento” da
esquerda.
Em outra frente, um deputado petista
questionou à coluna: “Como o PT iria para a [Avenida] Paulista protestar ao
lado daquele boneco?” Um grupo ligado ao MBL ergueu um boneco inflável gigante
com a imagem de Lula abraçado a Bolsonaro.
No entanto, a despeito da conjuntura
adversa para a terceira via, falta um ano para o embate eleitoral e nenhum
cenário pode ser descartado.
Uma liderança tucana recorda que, em 1994,
Lula liderou as pesquisas sobre a sucessão presidencial até cinco meses antes
do pleito. Um levantamento do Datafolha divulgado em 27 de maio de 1994, mostrou
o candidato petista com 40% das intenções de voto e Fernando Henrique muito
atrás, com 17%.
Entretanto, o jogo virou com o apogeu do
Plano Real em 1º de julho, quando a nova moeda começou a circular. Estava
consolidado o cenário de prosperidade econômica, com melhora dos índices de
inflação e do poder de compra da população, o que contribuiu para inflar a
popularidade do tucano, que conduziu a reforma econômica no cargo de ministro
da Fazenda. No fim, o tucano elegeu-se no primeiro turno, com 54,3% dos votos,
contra 27,1% de Lula.
Em outro exemplo lembrado pelos entusiastas
da terceira via, ninguém acreditava na vitória de Bolsonaro antes do evento
trágico de 6 de setembro - por ironia, véspera de um outro 7 de setembro. O
episódio estimulou a comoção popular em favor do capitão e livrou-o dos debates
incômodos.
Unicórnios inspiraram os gregos, os
economistas e os escritores. A transgressora Hilda Hilst parafraseou na novela
“O unicórnio” a “Metamorfose” de Franz Kafka. “Ser um unicórnio é... não sei, a
espécie já está quase extinta e tenho medo”, escreveu. A dúvida é se, a um ano
do embate, a terceira via ganhará fôlego para virar a zebra eleitoral.
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