Folha de S. Paulo
Notícia que confirma visão de mundo do
leitor é aceita de pronto, enquanto a que a contradiz irrita
Para que um debate público minimamente
realista e produtivo ocorra, é preciso que as pessoas sejam alimentadas com
informações corretas.
No passado, uma estrutura cara —e imperfeita— composta de checagem, treinamento
profissional, códigos de conduta e reputação dava uma garantia de qualidade
mínima à informação veiculada pela imprensa. As grandes empresas que dominavam
o mercado faziam um trabalho de filtragem do que chegava ou não chegava ao
grande público.
Hoje, os meios de divulgação, antes caros, se tornaram triviais. Qualquer
pessoa com acesso à internet pode fazer perfis gratuitos nas redes sociais e
veicular suas ideias. Qualquer um com conhecimento básico de edição de texto e
imagem pode criar suas “notícias”, verdadeiras ou falsas, e difundi-las. O poder de
filtragem da imprensa —cuja estrutura continua cara— caiu por
terra.
O mercado é excelente para entregar às pessoas o que elas querem, sem juízos de
valor, de comida a notícias. Num mercado de livre concorrência, os milhares ou
milhões de fornecedores competirão para entregar notícias, opiniões e ideias
que melhor satisfaçam o desejo dos consumidores. Isso significa que as melhores
ideias vencerão? Será o mercado de ideias, por si mesmo, o melhor filtro para
separar o verdadeiro do falso?
Isso aconteceria se o principal objetivo das pessoas ao consumir informação fosse conhecer a realidade. Infelizmente, sabemos que não é assim. O desejo de pertencer a um grupo e de confirmar as próprias crenças e valores muitas vezes fala mais alto.
A notícia que confirma a visão de mundo do
leitor é aceita de pronto —dá até vontade de sair compartilhando por aí antes
mesmo de checar—, já a que a contradiz o deixa irritado, exige de sua mente o
esforço necessário para explicar, descontar ou desqualificar aquela informação
que agride sua psique.
Como nenhum lado é dono da verdade, sempre haverá dados da realidade que
contradizem o que gostaríamos que fosse verdade, seja qual for nosso grupo.
Sendo assim, qualquer jornal sério irá fatalmente desagradar todos os leitores
em algum momento.
Já o jornalista amador que mistura
reportagem com opinião e sempre dá um jeito de dizer que um lado está certo e
de atribuir as piores intenções aos adversários, esse terá clientela
satisfeita. Com cada lado do espectro se fechando ao redor de suas fontes
favoritas, o resultado é o fim progressivo de um chão comum de informações que
possibilite o debate público. Sobram apenas as mostras de força.
Bolsonaro foi, no Brasil, o primeiro a explorar as
potencialidades das redes sociais e aplicativos de mensagens (algo
que o PT já ensaiara na época dos blogs, mas com muito menos penetração) para
criar seu mundo paralelo. Ele não é, contudo, a causa do problema. Movimentos e
políticos muito diferentes dele poderão ter a mesma proficiência das redes no
futuro. Assim como nas drogas e nas junk foods, o problema está na demanda.
O gosto sem freios dos consumidores no setor da alimentação gerou a obesidade
generalizada. Aos poucos criamos normas e promovemos conscientização para uma
alimentação mais saudável. Algo similar é necessário na produção e consumo de
informação.
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