terça-feira, 14 de setembro de 2021

Carlos Andreazza - O tamanho do impeachment

O Globo

As manifestações de 12 de setembro foram pequenas. Expressaram o tamanho atual da mobilização pelo impeachment de Jair Bolsonaro. Atenção para o recorte: expressaram o tamanho não do “Fora Bolsonaro”, que tem uma dimensão eleitoral influente, mas das possibilidades de impeachment hoje.

Claro que é uma fotografia. Sabe-se que o ritmo do que se pretende capturar é dinâmico. Há também a memória de como se iniciou, com volume modesto de gentes nas ruas, o movimento que resultaria na queda de Dilma Rousseff. A leitura do retrato de domingo, porém, não deixa dúvida: o espaço é pequeno e vai encaixotado.

Se os atos golpistas de 7 de Setembro tiveram o tamanho de Bolsonaro, os do último domingo expressaram a dimensão das chances correntes de o impedimento do presidente prosperar. Será intelectualmente desonesto, contudo, comparar os dois eventos. Um era o populista por inteiro, com seus limites, mas empurrado pelo espírito personalista do tempo. O outro, uma ideia — com sua impessoalidade e outros limites. O maior deles: a véspera do ano eleitoral — corrida já deflagrada.

A manifestação bolsonarista foi produto de longa jornada de divulgação, com coordenação profissional, centralizada em Bolsonaro e difundida por ele desde o Planalto, alçada mesmo à condição de agenda de governo, e com muito dinheiro. Parte de um programa desdobrado desde 2019, considerado que o presidente nunca teve outra atividade, uma vez empossado, senão operar, à margem da política, por continuar na cadeira. Um conjunto — incluídos os atos golpistas — que compõe a campanha por ficar no poder, não necessariamente por meio de eleição, tocada sob a linguagem do populismo autoritário, a do 7 de Setembro permanente, e dedicada ao culto do mito.

Ali se mobilizou tudo o que Jair Bolsonaro tem, contando a caneta de presidente, para colocar povo na rua. Ali era Bolsonaro e sua plataforma: o cultivo do caos, em busca de conflagrações, por meio da forja artificial de inimigos.

A manifestação do dia 12 tinha uma proposta, um conceito conhecido, o impeachment — mas veio desprovida de uma cara, na contramão do espírito do tempo. E a pregação pelo impeachment, per se, como bandeira sem rosto, engaja pouco. Há um cansaço relativamente ao tema, alguma prevenção, quiçá preguiça; talvez ainda muito viva a lembrança dos sobressaltos por ocasião do impedimento de Dilma, de que derivaram as instabilidades que resultariam em Bolsonaro.

O impeachment, como mobilizador das ruas, não atrai. Hoje: não agrega; sendo mais provável que aguce ressentimentos. O domingo mostrou essa baixa capacidade de magnetizar, o que ao mesmo tempo corrobora e fortalece a indisposição de Arthur Lira para disparar o processo. O tamanho do impeachment, medido nas ruas, facilita a vida de Lira, sócio do governo, um tipo cujos negócios não são afetados pelo golpismo bolsonarista — que não “degola todo mundo”, que sabe que “não existe mais país isolado”. Está bom para ele.

E há o aspecto eleitoral. O calendário é implacável. Estamos a quase um ano da eleição. (Era 2015 — faltavam três anos até a disputa — quando o empenho contra Dilma pegou tração; e ela, fator relevante, não poderia disputar novo mandato.) A campanha pela Presidência é o que está nas ruas e é o que põe gentes nas pistas, ainda que embalada por estandartes como o do golpismo bolsonarista — linguagem incorporada à gramática eleitoral — e do “Fora Bolsonaro” lulopetista.

Quem põe gente nas ruas hoje: Bolsonaro e Lula. São as personas, estúpido! Sem o que — sem uma face catalisadora —, o impeachment será só mais uma expressão do anti. E vão muito reduzidas as margens para um anti — o anti puro — que não se abrigue mais confortavelmente em Bolsonaro ou Lula.

O impeachment, para ser factível, dependeria — obrigatoriamente — da adesão da esquerda lulopetista. Parece improvável. O PT, de natureza hegemônica, faz cálculo legítimo. Arriscado, se pensarmos no processo contínuo de desconstrução da ordem republicana despachado — contra o sistema eleitoral, ressalte-se — pelo bolsonarismo, mas legítimo. Avalia que suas melhores chances de vencer — e as pesquisas sustentam a projeção — estão em enfrentar Bolsonaro. Por que quererá, sob análise objetiva, tirar do páreo o adversário preferencial?

A perspectiva eleitoral, pois, é a outra parede a espremer — a encaixotar — o impeachment. O “Fora Bolsonaro”, hoje, é mais forte como extração das urnas. Estamos em campanha. Sob esse aspecto, o dia 12 também exibiu a fraqueza — a inexistência, para ser preciso — do que se chama de terceira via, refém de conjugar o nem-nem.

E, no jogo do nem-nem, Bolsonaro tem Lula, Lula tem Bolsonaro. Esse arranjo se basta. Enraíza um segundo turno por inércia. Não desprezo que haja demanda por alternativa. Há. Reconheço que Ciro Gomes — goste-se ou não do que propõe — tem um projeto, mas também ele vai amassado entre um eleitorado de esquerda, que se inclina a Lula, e as dificuldades atuais do impeachment; que, sem avançar, obrigaria um tipo volumoso de eleitor, que votou em Bolsonaro e ora o despreza, a testar a flexibilidade do sentimento antilulista.

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