O Globo
As manifestações de 12 de setembro foram
pequenas. Expressaram o tamanho atual da mobilização pelo impeachment de Jair
Bolsonaro. Atenção para o recorte: expressaram o tamanho não do “Fora
Bolsonaro”, que tem uma dimensão eleitoral influente, mas das possibilidades de
impeachment hoje.
Claro que é uma fotografia. Sabe-se que o
ritmo do que se pretende capturar é dinâmico. Há também a memória de como se
iniciou, com volume modesto de gentes nas ruas, o movimento que resultaria na
queda de Dilma Rousseff. A leitura do retrato de domingo, porém, não deixa
dúvida: o espaço é pequeno e vai encaixotado.
Se os atos golpistas de 7 de Setembro
tiveram o tamanho de Bolsonaro, os do último domingo expressaram a dimensão das
chances correntes de o impedimento do presidente prosperar. Será
intelectualmente desonesto, contudo, comparar os dois eventos. Um era o
populista por inteiro, com seus limites, mas empurrado pelo espírito
personalista do tempo. O outro, uma ideia — com sua impessoalidade e outros
limites. O maior deles: a véspera do ano eleitoral — corrida já deflagrada.
A manifestação bolsonarista foi produto de longa jornada de divulgação, com coordenação profissional, centralizada em Bolsonaro e difundida por ele desde o Planalto, alçada mesmo à condição de agenda de governo, e com muito dinheiro. Parte de um programa desdobrado desde 2019, considerado que o presidente nunca teve outra atividade, uma vez empossado, senão operar, à margem da política, por continuar na cadeira. Um conjunto — incluídos os atos golpistas — que compõe a campanha por ficar no poder, não necessariamente por meio de eleição, tocada sob a linguagem do populismo autoritário, a do 7 de Setembro permanente, e dedicada ao culto do mito.
Ali se mobilizou tudo o que Jair Bolsonaro
tem, contando a caneta de presidente, para colocar povo na rua. Ali era
Bolsonaro e sua plataforma: o cultivo do caos, em busca de conflagrações, por
meio da forja artificial de inimigos.
A manifestação do dia 12 tinha uma
proposta, um conceito conhecido, o impeachment — mas veio desprovida de uma
cara, na contramão do espírito do tempo. E a pregação pelo impeachment, per se, como bandeira sem rosto,
engaja pouco. Há um cansaço relativamente ao tema, alguma prevenção, quiçá
preguiça; talvez ainda muito viva a lembrança dos sobressaltos por ocasião do
impedimento de Dilma, de que derivaram as instabilidades que resultariam em
Bolsonaro.
O impeachment, como mobilizador das ruas,
não atrai. Hoje: não agrega; sendo mais provável que aguce ressentimentos. O
domingo mostrou essa baixa capacidade de magnetizar, o que ao mesmo tempo
corrobora e fortalece a indisposição de Arthur Lira para disparar o processo. O
tamanho do impeachment, medido nas ruas, facilita a vida de Lira, sócio do
governo, um tipo cujos negócios não são afetados pelo golpismo bolsonarista —
que não “degola todo mundo”, que sabe que “não existe mais país isolado”. Está
bom para ele.
E há o aspecto eleitoral. O calendário é
implacável. Estamos a quase um ano da eleição. (Era 2015 — faltavam três anos
até a disputa — quando o empenho contra Dilma pegou tração; e ela, fator
relevante, não poderia disputar novo mandato.) A campanha pela Presidência é o
que está nas ruas e é o que põe gentes nas pistas, ainda que embalada por
estandartes como o do golpismo bolsonarista — linguagem incorporada à gramática
eleitoral — e do “Fora Bolsonaro” lulopetista.
Quem põe gente nas ruas hoje: Bolsonaro e
Lula. São as personas, estúpido! Sem o que — sem uma face catalisadora —, o
impeachment será só mais uma expressão do anti. E vão muito reduzidas as
margens para um anti — o anti puro — que não se abrigue mais confortavelmente
em Bolsonaro ou Lula.
O impeachment, para ser factível,
dependeria — obrigatoriamente — da adesão da esquerda lulopetista. Parece
improvável. O PT, de natureza hegemônica, faz cálculo legítimo. Arriscado, se
pensarmos no processo contínuo de desconstrução da ordem republicana despachado
— contra o sistema eleitoral, ressalte-se — pelo bolsonarismo, mas legítimo.
Avalia que suas melhores chances de vencer — e as pesquisas sustentam a
projeção — estão em enfrentar Bolsonaro. Por que quererá, sob análise objetiva,
tirar do páreo o adversário preferencial?
A perspectiva eleitoral, pois, é a outra
parede a espremer — a encaixotar — o impeachment. O “Fora Bolsonaro”, hoje, é
mais forte como extração das urnas. Estamos em campanha. Sob esse aspecto, o
dia 12 também exibiu a fraqueza — a inexistência, para ser preciso — do que se
chama de terceira via, refém de conjugar o nem-nem.
E, no jogo do nem-nem, Bolsonaro tem Lula,
Lula tem Bolsonaro. Esse arranjo se basta. Enraíza um segundo turno por
inércia. Não desprezo que haja demanda por alternativa. Há. Reconheço que Ciro
Gomes — goste-se ou não do que propõe — tem um projeto, mas também ele vai
amassado entre um eleitorado de esquerda, que se inclina a Lula, e as
dificuldades atuais do impeachment; que, sem avançar, obrigaria um tipo
volumoso de eleitor, que votou em Bolsonaro e ora o despreza, a testar a
flexibilidade do sentimento antilulista.
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