O Globo
Não vai ter golpe, nem impeachment. E
talvez nem candidato único como terceira via. Assim como as multidões que
estiveram nas ruas no 7 de Setembro apoiando Bolsonaro não impediram que ele
fosse derrotado — tanto que teve de recuar —, a falta de pessoas em número
expressivo nas manifestações do fim de semana não quer dizer que ele tenha
maioria, como insinuou.
Bolsonaro teve uma máquina de organização muito afiada — parecia o PT nos
áureos tempos, com o sindicalismo mobilizando as massas. Mas as próximas
pesquisas de opinião provavelmente mostrarão Bolsonaro caindo para o que pode
ser seu chão, cerca de 20% de apoiadores.
As manifestações não foram um fracasso, mas sinal de que não há condições
políticas para o impeachment. Também foi um erro convocá-las pouco tempo depois
do êxito das em favor de Bolsonaro. A carta que o ex-presidente Michel Temer
negociou e essa demonstração fraca de apoio ao impeachment mostram que
Bolsonaro ainda tem algum fôlego para seguir adiante.
Se ele não fizer alguma grande loucura, poderá chegar ao final do governo em
campanha, com as vantagens que a estrutura do governo oferece na reeleição. Mas
sua situação eleitoralmente continua frágil, embora esteja difícil conseguir um
nome que una todos os lados na terceira via, o que poderá acontecer durante a
campanha, que irá descartando candidaturas que não tenham força popular.
Só assim poderá surgir uma alternativa a Lula e a Bolsonaro. Sem essa alternativa da terceira via consistente, será uma campanha complicada, violenta e negativa, para ver quem é o menos ruim. A ideia de que uma campanha fragmentada em várias candidaturas pode levar à polarização entre Bolsonaro e Lula, apesar dos pesares, parece lógica, mas há um exemplo recente de que a fragmentação pode levar a uma vitória do centro.
Na eleição para a Presidência da França, no primeiro turno, Emmanuel Macron teve 24,01%; Marine Le Pen, 21,30%; François Fillon, 20,01%; Jean-Luc Mélenchon,19,58%. No segundo turno, Macron foi eleito com 66,10%. Embora tenham explicitado o que já se pressentia, uma centro-direita dividida, as manifestações do fim de semana mostraram também uma esquerda isolada em torno do ex-presidente Lula.
MDB, PSDB, Cidadania, DEM, quatro dos principais partidos não engajados com o PT, estão organizando um seminário intitulado “Um novo rumo para o Brasil”, que discutirá em seu painel principal amanhã a crise institucional e a democracia, reunindo três ex-presidentes — José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer — como debatedores e, como expositor, o ex-ministro da Defesa e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim. O encontro, coordenado pelo ex-ministro e ex-governador do Rio Moreira Franco, terá a presença dos presidentes dos partidos organizadores.
Diversos temas serão abordados nos painéis até o dia 27, tendo como base a democracia: “Crise fiscal, crescimento econômico e democracia”; “Desigualdade social, educação e democracia”; “Segurança pública e democracia” e assim por diante. Embora já estivesse marcado há algum tempo, coincidir com as recentes manifestações é um acaso feliz, pois mostra que é possível unir partidos distintos num esforço comum de busca de caminhos para o país.
As coisas, no entanto, andam tão atabalhoadas que eventos repentinos unem, depois separam, figuras públicas como Michel Temer e Bolsonaro. Chamado a ajudar a resolver a crise institucional em que Bolsonaro envolveu o país, o ex-presidente sacou do bolso do colete uma declaração à nação que deu um alívio à crise, até que o presidente atual volte a ser ele mesmo.
Ao mesmo tempo, Temer saiu do episódio vitorioso, a ponto de haver cartaz pedindo sua volta ao poder na manifestação da oposição e de ser aplaudido num restaurante paulistano. Fossem bolsonaristas arrependidos, fossem oposicionistas, o fato é que ele já se enxerga como uma potencial terceira via.
Pode ser que a eleição seja uma repetição dos nossos erros mais recentes. No filme “Feitiço do tempo”, o personagem central é levado a repetir o mesmo dia várias vezes, até conseguir transformar-se em outra pessoa, melhorada. Será que teremos de repetir os mesmos erros até acertarmos?
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