O Estado de S. Paulo
No ambiente criado por Bolsonaro, não há a
menor possibilidade de avançar com as reformas.
Winston Churchill costumava referir-se a
Clement Attlee, líder trabalhista, por meio dessa versão modificada da
conhecida expressão “lobo em pele de cordeiro”. A alcunha ajeita-se
perfeitamente ao perfil do presidente Jair Bolsonaro. Ele não governa a partir
de um ideário e de um plano construído com o Congresso Nacional, como se espera
no modelo presidencialista vigente. Planta o caos, cria canais diretos com seus
seguidores mais radicais, ignora a importância do equilíbrio institucional e,
quando julga ter passado do tom, volta atrás. Neste ambiente, não há a menor
possibilidade de o País avançar na agenda de reformas. A direção simetricamente
oposta é a mais provável: retroceder nas áreas tributária, social, econômica e
fiscal.
A famigerada carta veiculada após as manifestações do 7 de setembro não é senão um recuo, mas com prazo de validade. Enquanto isso, o País padece em meio à inflação de 10%, ao desemprego e à ausência de rumo em todas as áreas. Perde-se tempo e vidas continuam sendo ceifadas pela pandemia e pela crise econômica e social. Entretanto, o que importa ao chefe do Poder Executivo e a seus auxiliares é plantar tempestades para, então, acenar com uma aparente diástole. Ocorre que essa instabilidade não passa incólume. A economia vai crescer abaixo de 2% no ano que vem. No segundo semestre de 2021, deve ficar estacionada, no melhor dos cenários – isto é, se não houver uma crise energética e hídrica, como muitos já preveem.
O argumento de que o Supremo Tribunal
Federal (STF) ou mesmo o Congresso impediriam o presidente de executar seus
projetos para o País não tem fundamentação lógica ou empírica. As instituições
trabalham dentro das suas atribuições, de modo que o fracasso retumbante na
economia, na área social, na saúde, nas contas públicas, na política ambiental
e na política externa é do governo. O centrão apoia Bolsonaro, mas a agenda é
tão mal-ajambrada que nenhum tema relevante proposto pelo Executivo avançou.
Quando conseguiu aprovar uma PEC, como no caso da Emenda 109, foi para piorar o
regramento do teto de gastos. Para ter claro, a regra a acionar medidas de
ajuste fiscal simplesmente não tem como ser ativada. Gastou-se capital
político, é claro, e agora restou apresentar um Orçamento fake para 2022.
No lugar de preocupar-se com entregar
resultados à população, a preferência é por conduzir o País em toada
beligerante, alimentando o ódio à corrupção (dos outros) como combustível para
segurar-se na corda bamba da baixa popularidade. Não adianta. No fim do dia, o
que importa para as pessoas é se conseguirão voltar ao mercado de trabalho,
botar comida na mesa, enfim, ter o mínimo para viver com dignidade.
A súcia de destemperados que foi às ruas no
feriado da Independência, em sua maioria, nem sabia o que estava fazendo lá.
Bradava palavras de ordem para um Bolsonaro que já não existe ou, melhor
dizendo, que nunca existiu. Mas o Brasil real – expressão de Machado de Assis
que também Darcy Ribeiro e Ariano Suassuna utilizavam – sofre e imagina, um
dia, poder melhorar sua situação econômica. As pessoas, no fundo, querem ser
felizes.
Os arroubos de autoritarismo do presidente
da República já não encontram o mesmo eco no mercado. Os donos do poder
financeiro perceberam que não haverá progresso com alguém que, cotidianamente,
deixa em aberto o futuro. Sobe ao palanque para atacar o ministro Alexandre de
Moraes num dia, para, então, elogiá-lo logo depois. Em qual Bolsonaro depositar
confiança?
A ameaça golpista é real, mas até o momento
não encontrou respaldo na sociedade civil e no seio das instituições, sobretudo
das Forças Armadas. Bolsonaro tenta o improvável e, sim, há uma chance de
conseguir. Esbarra, contudo, na realidade de um governo anódino, que não
prospera e não faz prosperar. O resultado é muito direto: o vaivém do discurso
e a paralisação decisória, incluída aí a incompetência para lidar com o
Congresso, a política e os diversos setores representativos da sociedade.
É possível arguir tratar-se de um lobo,
mesmo, em pele de ovelha. Mas isso requereria certa sofisticação do mandatário
ou, ao menos, de seus assessores próximos, além de algum tipo de planejamento,
de visão de país e de mundo. Bolsonaro não os tem. Continua a ser o deputado
apagado que ganhou adeptos pendurando fotografias de ex-presidentes militares no
gabinete e exaltando Brilhante Ustra. Aquele mesmo que passou quase três
décadas no Congresso e nada aprendeu. Pior, nada de bom produziu. Chegou ao
posto máximo da República na esteira de uma insatisfação geral com “tudo isto
que aí estava”.
O presidente é um lobo solitário perigoso,
potencialmente, mas, até agora, um cordeiro em pele de cordeiro. Cabe às forças
democráticas, de lado a lado, espantar os abutres do meio de campo e garantir
uma arena possível para o pleito do ano que vem.
*Diretor-Executivo da IFI, vencedor do
prêmio Jabuti, em 2017, com o livro ‘Finanças Públicas: da Contabilidade Criativa
ao Resgate da Credibilidade’ (Record, 2016).
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