Valor Econômico
Polarização nasceu do mensalão e acirrou-se
na gestão Dilma
O fracasso do governo da presidente Dilma
Rousseff (2011-maio de 2016), responsável por jogar a economia numa das mais
longas e profundas recessões de nossa história, diminuiu em amplos setores da
sociedade brasileira a resistência à adoção improvável e inédita de uma agenda
liberal no país. A forte e improvisada intervenção de Dilma na atividade
provocou o colapso da confiança tanto dos consumidores quanto dos empresários
na economia. Para tentar reanimá-la, o governo da presidente partiu para uma
forma de populismo fiscal que não se via por aqui desde o início do Plano Real.
O resultado daquela experiência foi a
destruição da razoável situação fiscal deixada pelas duas gestões anteriores, a
volta dos déficits primários nas contas públicas (conceito que exclui do
cálculo apenas os gastos com juros), o crescimento explosivo da dívida do
Tesouro Nacional e das taxas de juros administradas pelo Banco Central (BC), o
baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e, o pior dos males - porque
"as consequências vêm depois", como costumava dizer o político
pernambucano Marco Maciel, citando o Barão de Itararé -, o aumento sem
precedentes da taxa de desemprego.
Nos 16 anos anteriores à ascensão de Dilma Rousseff à Presidência da República, durante os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), o país viveu sob a égide de um consenso tanto na política quanto na economia. Na política, ambos reconheceram rapidamente que seria impossível governar este imenso país apenas com o apoio de seu próprio partido, mesmo somando os votos de aliados tradicionais. Isoladamente, suas legendas não contavam nem 20% dos votos da Câmara dos Deputados.
Na economia, a ênfase de FHC e Lula foi,
antes de mais nada, em assegurar a estabilidade de preços. Além disso, nos oito
anos de cada um dos presidentes os objetivos centrais foram: reduzir (ainda que
sem radicalismo) o tamanho do Estado na economia, melhorar gradativamente a
situação fiscal (reduzindo o desequilíbrio das contas), realizar algumas
reformas institucionais (a da Previdência foi promovida pelos dois presidentes),
respeitar os contratos, cultivar boas relações com credores e investidores
internacionais e projetar o Brasil no exterior como um ator relevante.
Na política, o pragmatismo imperou. FHC e
Lula fizeram alianças à esquerda e à direita, inclusive, com ex-adversários do
campo distinto ao deles. O PSDB do tucano aliou-se preferencialmente ao antigo
PFL (rebatizado depois para DEM e, desde ontem, se o TSE aprovar a fusão com o
PSL, União Brasil) de Marco Maciel (PE), Antônio Carlos Magalhães (BA) e Jorge
Bornhausen (SC). Mas, o arco de alianças foi muito além disso.
O maior aliado do PT, o mais forte no
Congresso, foi o PMDB de Michel Temer (SP), Renan Calheiros (AL), Moreira
Franco (RJ), Sérgio Cabral (RJ) e Eunício de Oliveira (CE). No entanto, além do
PMDB e das siglas de esquerda que sempre estiveram com Lula (PSB e PC do B, por
exemplo), os petistas abrigaram em seus governos o PTB de Roberto Jefferson
(RJ) e o PP de Paulo Maluf (SP).
“Que atire a primeira pedra quem nunca
pecou.” Esta passagem dá Bíblia se aplica à perfeição quando petistas e tucanos
acusam uns aos outros quanto ao caráter de suas alianças à direita. Dizer que
FHC e Lula formaram coalizões ou que governaram sob o escopo do chamado
"presidencialismo de coalizão" é discutível.
Num artigo publicado na "Revista
Brasileira de Ciência Política", três cientistas políticos da Universidade
de Brasília (UnB) _ Lucas Couto, Andéliton Soares e Bernardo Livramento _
discutem o tema, com o objetivo de conceituar teoricamente o "presidencialismo
de coalizão".
Em tese, diz-se que há coalizão quando
partidos se juntam em torno de um programa comum e, defendendo-o como seu
receituário, são eleitos para governar o país. Geralmente, coalizões são
formadas em países com regime parlamentarista. No exercício do mandato, o
primeiro-ministro _ o líder do partido que elege o maior número de
parlamentares _ governa de acordo com o programa resultante da coalizão de
forças formada para comandar aquela nação. Coalizões são muito comuns em
momentos de crise política ou econômica aguda, que ameaçam a manutenção da
própria democracia.
Mencionando autores como Sérgio Abranches
(pioneiro no estudo desse tema) Octávio Amorim Neto, Couto, Soares e Livramento
mencionam duas definições de coalizão antes de ampliar a discussão dessa
matéria em seu artigo:
1. "Considera-se que há a formação de
uma nova coalizão quando um presidente inaugura o seu mandato adotando um pacto
interpartidário de distribuição de ministérios em troca de apoio legislativo;
2. E quando ocorre alguma mudança
partidária na composição do gabinete ao decorrer do termo presidencial. Desse
modo, o quadro cobre desde governos que só tiveram uma coalizão durante todo
seu mandato, como o caso das coalizões uruguaias, até os casos brasileiros, em
que o governo Lula II chegou a formar seis coalizões diferentes em um único
mandato.
Sem ironia, o titular desta coluna vê nas
coalizões nacionais a formação, na verdade, de frentes anti-impeachment. Lula
passou por seis coalizões porque, no mensalão, percebeu que, mesmo fazendo um
governo, no primeiro mandato, que representava continuidade do segundo termo de
FHC, ainda que com ênfases distintas, as elites financeiras e empresariais
desejaram apeá-lo do poder.
Naquele momento (meados de 2005), o petista
trouxe os sindicalistas para postos-chave da administração e começou a
flexibilizar a ortodoxia econômica seguida até aquele momento. Reprimiu
qualquer possibilidade de privatização _ havia planos prontos para desestatizar
o IRB e a gestão de aeroportos, por exemplo _ e de continuidade do processo de
reformas. Ao acenar para a esquerda, não o fez apenas simbolicamente porque, na
política real, isso não existe. Não se tenha dúvida que foi naquele momento que
a semente da polarização política que impera no país foi plantada.
Dilma rompeu com os dois consensos firmados
por FHC e Lula. Na política, brigou com aliados de seu partido e de seu maior
apoiador - o PMDB. Na economia, implodiu o arcabouço macroeconômico herdado.
Assim, contribuiu para acirrar a polarização e abrir caminho para a vitória do
impensável Jair Bolsonaro.
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