O Estado de S. Paulo
Revisão do projeto do IR é imprescindível.
Não há justificativa para não tributar os investimentos em offshore
Independentemente do desfecho, a polêmica
aberta pela revelação dos investimentos mantidos em offshores pelo ministro da
Economia, Paulo Guedes, e pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos
Neto, torna imprescindível a revisão imediata do projeto de lei que altera o
Imposto de Renda.
O projeto original do governo previa a
tributação dos ganhos obtidos no exterior pelas pessoas físicas com
investimento em contas abertas em paraísos fiscais. Nesses países, a tributação
é zero ou quase nenhuma.
A medida foi retirada pelo relator do projeto na Câmara, deputado Celso Sabino. Essa e todas as outras do “pacote antielisão fiscal” que a Receita Federal incluiu no projeto para melhorar o combate de práticas de planejamento tributário, feitas pelos contribuintes para pagar menos imposto.
O sumiço desse pacote foi um banho de água
fria para a Receita, que há anos trabalhava no plano BEPS da OCDE e dos países
do G-20 de medidas de enfrentamento do problema global de transferências de
lucros para os países de baixa tributação. Exsecretário da Receita, Jorge
Rachid lamenta que tenha sido uma oportunidade perdida. Ele conta que elas
estavam no radar desde 2015 para atender às recomendações de organismos
internacionais.
A retirada do pacote foi a primeira mudança
feita pelo relator, antecipada, inclusive, em entrevista ao Estadão, pouco
tempo depois da apresentação da proposta de reforma na legislação do Imposto de
Renda ao Congresso pelo governo. Sabino argumentou na época que as medidas eram
acessórias.
Com a polêmica instalada, Sabino nega que
tenha havido qualquer pedido de Guedes e da equipe econômica para retirar a
taxação de recursos em paraísos fiscais. Diz que não faz o menor sentido a
narrativa que está sendo feita em torno do caso. Até agora, porém, não foi
apresentada nenhuma justificativa plausível para a sua exclusão do texto.
A verdadeira resposta era a de que elas
estavam atrapalhando o acordo para a votação do projeto, uma demanda geral dos
super-ricos que têm contas no exterior. O grande temor desse grupo
exclusivíssimo sempre foi menos com a tributação daqui para frente e mais com o
risco de taxação do estoque do passado.
A realidade que se impõe é que não há
justificativa alguma para não tributar os investimentos em offshore. Não é só
uma medida antielisiva. É uma questão também elementar de tratamento não
isonômico de carga tributária. Pela regra atual, os ganhos dos investimentos de
pessoas físicas no exterior só são tributados se o contribuinte trouxer o
dinheiro para o Brasil.
Os recursos podem ficar no exterior,
rendendo por décadas e fugindo da tributação, numa realidade muito diferente da
do brasileiro que mantém seu dinheiro aplicado no Brasil. Nos demais países,
esses investimentos são tributados, o que evita o fenômeno indesejado da dupla
não tributação.
A pedido da coluna, a economista Grazielle
David, especialista no assunto, listou sete medidas para reduzir as brechas que
dão margem à evasão fiscal e que saíram do projeto, entre elas a tributação do
ganho de capital na transferência indireta de ativos brasileiros no exterior, o
aumento de capital na sociedade estrangeira a valor de mercado se maior do que
o custo, o fim da amortização fiscal do ágio para aquisições após 31 de
dezembro de 2021 (as novas regras em reorganizações societárias) e a
indedutibilidade do valor pago em ações para executivos.
Os termos são técnicos e complexos, mas
acoluna preferiu citara lista para que o leitor tivesse a dimensão do problema
que ganhou luz com os Pandora Papers, revelados por um consórcio internacional
de jornalistas investigativos.
Alvos da polêmica, Guedes e Campos Neto
deveriam ser os primeiros a propor a volta dessas medidas ao projeto quando
forem dar explicações ao Congresso sobre as suas aplicações. Ao relator do
projeto no Senado, Angelo Coronel, só cabe propor o retorno das medidas ao
texto. Sem pensar duas vezes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário