O Estado de S. Paulo
Na transição energética, por causa da grave
crise do clima, falta de energia limpa deve ser vista como estrutural
O aquecimento do planeta pode parecer o
problema de fundo, mas quase todas as discussões sobre o clima se concentram
sobre o principal: escassez de energia limpa.
Até quando se fala em mercado de crédito de
carbono, a questão ainda é produção de energia. Desmatamento é coisa séria, mas
não é o tema mais importante quando se produzem conferências e mais
conferências sobre a grave crise do clima.
A disparada dos preços do petróleo e do gás natural (veja gráfico) está sendo atribuída a problemas aleatórios ou localizados, um de cada vez. Foram ventos fracos que reduziram a produção de energia eólica e obrigaram ao aumento da utilização de energia térmica a gás. Foi a disparada do calor no último verão do Hemisfério Norte que aumentou o consumo de energia elétrica para refrigeração dos ambientes. Foi o desestímulo dado à produção de gás de xisto pela nova política ambiental do presidente Joe Biden que paralisou os investimentos no setor. Foi a suspensão da produção causada no Golfo do México pelo furacão Ida. Foi a retomada da atividade econômica depois da pandemia que passou a exigir mais energia. Foi a crise hídrica, como a que atingiu em cheio o Brasil, que exigiu mais geração de energia de fontes térmicas. Enfim, no mundo os preços da energia estão disparando, turbinando a inflação e colocando em risco o crescimento econômico global.
Embora com aparência fortuita, essa
escassez deve ser vista como estrutural. Ainda nesta quarta-feira, o
secretário-geral da Opep+, Mohammad Barkindo, advertiu que a transição
energética está desorganizando a oferta de gás natural. Tudo se passa como se
todo o sistema global de produção de energia estivesse vulnerável.
Um dos mais importantes debates, que
coincide com os da Cúpula do Clima da ONU (COP 26), a ser realizada em novembro
na Escócia, gira em torno de saber se a substituição dos combustíveis fósseis
por energia limpa não está sendo rápida demais; ou, em outras palavras, se a
geração global de energia sustentável, embora já atrasada, não está dando conta
do aumento da demanda. Não é o tipo do problema que muitos ecologistas
gostariam de discutir, porque para eles não há urgência maior do que deter o
aquecimento do planeta.
Por toda a parte, os governos estão impondo
metas cada vez mais rígidas para descarbonização ou encurtando os prazos para
substituição dos veículos a combustíveis fósseis por veículos elétricos. Mas
tais metas não vêm sendo cumpridas. E o ritmo da produção de energia elétrica,
que move os motores dos carros elétricos, está lento demais em relação ao
pretendido.
Os investimentos em energia eólica e solar
dos quais depende o combustível do futuro, o hidrogênio verde – cuja produção,
por sua vez, exige alto consumo de energia elétrica –, são muito altos e até
agora apenas incipientes.
Uma das sugestões recorrentes dos
ambientalistas é a de que não é mais possível crescer ao ritmo das últimas décadas
e que, portanto, seria preciso mudar o paradigma, reduzir substancialmente o
consumo e viver menos perdulariamente. Uma forte redução do ritmo de
crescimento econômico seria perfeitamente possível, mas cobrará certos preços:
aumentaria o desemprego; retardaria o desenvolvimento dos países mais pobres; e
aumentaria o risco de crises políticas, como a dos movimentos autoritários.
Bastou que espocasse a crise da
megaconstrutora Evergrande, que detém um passivo de US$ 300 bilhões apenas em
operações financeiras – estão fora dessa conta as dívidas a fornecedores –,
para que imediatamente os mercados e as autoridades ao redor do mundo temessem
pela desaceleração do crescimento global.
Foi graças ao avanço vertiginoso da
atividade econômica na China e nos chamados tigres asiáticos que cerca de 1
bilhão de pessoas foram resgatadas da pobreza absoluta. Mas também foi esse
crescimento que exigiu mais energia e obrigou o governo da China a recorrer às
suas reservas de carvão mineral e a ser o país recordista em emissões de gás
carbônico na atmosfera.
Enfim, a menos que grande esforço de
investimentos aconteça a tempo, a transição para fontes sustentáveis de energia
pode estar prejudicada.
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