Folha de S. Paulo
A certeza de que política e corrupção são
unha e carne é disseminada entre os brasileiros
O forte sentimento de repulsa à corrupção
foi central na crise que irrompeu em 2013 e desembocou na eleição de Bolsonaro
daí a cinco anos. Cabe agora perguntar se terá algum papel nas urnas de 2022.
Décadas atrás, o pensador americano Theodore Lowi observou que o tema decerto tinha menos a ver com a presumível multiplicação das falcatruas —coisa difícil de medir— do que com a sua serventia como arma política em disputas acirradas. Argumentou ainda que, nessa condição, por não exprimir um compromisso permanente de partidos ou líderes, mais parecia uma sequência de ondas fadadas a perder força depois de arrebentar.
No Brasil, a bandeira anticorrupção foi
quase sempre empunhada pela direita. Carlos Lacerda e a UDN (União Democrática
Nacional) contra Getúlio Vargas nos anos 1950; Jânio Quadros com sua
vassourinha contra a "bandalheira", na campanha de 1960; os golpistas
de 1964 contra João Goulart; Fernando Collor contra os "marajás" em
1989. A exceção foi o PT quando, nos anos 1990, ensaiou substituir o discurso
classista pela defesa da moralidade política, ensejando o apelido "UDN de
macacão".
Mais uma vez, a retórica da luta contra a
corrupção, ingrediente essencial do impeachment de Dilma Rousseff e da vitória
de Bolsonaro, perdeu vigor. A mais clara evidência disso foi o destino de
Sergio Moro, herói e algoz da Operação Lava Jato, ao colocá-la a serviço do
populismo de extrema direita. Pesquisa do Ipesp mostra que, entre janeiro de
2020 e agosto de 2021, o ex-juiz perdeu 50% das intenções de voto para a
Presidência da República. Nenhum dos outros possíveis presidenciáveis dá
prioridade ao enfrentamento da corrupção. A onda passou, sem deixar legado
institucional algum.
Fora da agenda dos partidos e dos
candidatos, a certeza de que política e corrupção são unha e carne é
disseminada entre os brasileiros. Reforça a percepção de que a economia
funciona em benefício dos mais ricos e de que os políticos não ligam para o
povo, alimentando a esperança numa solução personificada em um líder forte.
Esse é um dos achados do estudo da Ipsos
Global Advisor intitulado "O Sentimento do Sistema Roto 2021" —que
abrangeu 25 países. Colômbia, Brasil e Peru se destacam entre aqueles onde a
corrupção percebida se enlaça fortemente com a sensação de que o sistema
político se rompeu e não funciona para os cidadãos.
Enquanto assim for, o populismo de direita
poderá ser vencido nas urnas --o que provavelmente acontecerá em 2022--, mas as
suas raízes continuarão fortes na sociedade descrente. Cedo ou tarde, tornará a
envenenar a vida política brasileira.
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