O Estado de S. Paulo
Mas os caciques enxergam a chance de ocupar
de vez o Executivo, pela via eleitoral
O parlamentarismo com dois
primeiros-ministros é o mais novo evento político “jabuticaba”, aquilo que só
existe no Brasil. Os presidentes das duas casas legislativas é que estão
lidando diretamente com dois assuntos de enorme e imediato impacto sobre o
bolso de todos e de ampla repercussão política: preços dos combustíveis e
tamanho dos impostos.
A taxa de sucesso até aqui é baixa. As duas
operações lidam com assuntos terrivelmente técnicos e complexos, afetados pelos
naturais conflitos de interesses entre os mais variados segmentos, e dependem
ainda do entendimento precário entre os entes da Federação, problemão por
último evidenciado na pandemia. Mas o fato político expressivo é que a agenda
política está nas mãos dos dois primeiros-ministros.
Sim, o ministro da Economia – sofrendo evidente desgaste político por conta de sua offshore – compareceu a reuniões com os dois primeiros-ministros que incluíam ainda representantes de municípios, Estados e Receita Federal. Pelo menos formalmente o Executivo estava lá, mas os presidentes da Câmara e do Senado deixaram bem claro ao público que são eles os condutores de todos os processos. São eles que se dirigem à população dizendo como e quando pretendem resolver os problemas.
O Executivo tem noção clara do que precisa
– arrumar um jeito de sustentar programas assistenciais que, fora o
indiscutível mérito de mitigar a miséria de milhões de pessoas, são também
ferramentas políticas no esforço de Jair Bolsonaro em se reeleger. Mas ainda
não disse exatamente como realizar esses programas, numa exibição espetacular
da dificuldade em estabelecer prioridades: é para resolver primeiro o Bolsa
Família ou o preço da gasolina?
Tudo está subordinado a esse eufemismo
chamado de “espaço fiscal”, que, por sua vez, é função direta de rearranjo de
impostos (para não falar em reforma ampla), propostas de emendas
constitucionais que tratem de pagamentos de dívidas (os tais precatórios) e
intrincadas negociações sobre o próximo orçamento. Os dois primeiros-ministros
perceberam que, no fundo, trata-se da velha questão do ovo ou a da galinha.
Para escapar desse falso dilema, os dois
primeiros-ministros teriam de puxar um fio da meada, ou seja, proceder ao que o
Executivo mostrou-se incapaz de fazer: estabelecer claramente prioridades e
arranjar-se com as várias forças políticas e os vários interesses setoriais. É
a queixa recorrente de relatores de todo tipo de matéria demandando coordenação
e articulação dentro e fora do Legislativo: não entendem muito bem o que
pretende o Palácio do Planalto.
Neste ponto, o da agenda política, Arthur
Lira e Rodrigo Pacheco são atrapalhados não só por desentendimentos causados
por diferentes objetivos políticos pessoais. Ocorre que os dois
primeiros-ministros são, ao mesmo tempo, operadores e vítimas daquilo que o
sociólogo Bolívar Lamounier chama de sistema político do “pluricorporativismo”
(mascarado de pluripartidarismo), por meio do qual se propaga e se reforça a
capacidade “extrativa” das mais diversas corporações.
Podemos chamar isso também de “sistema do
Centrão”, que está claramente se consolidando na fusão gigante de DEM e PSL, e
na busca dentro dessas forças políticas da alternativa eleitoral ao embate
Bolsonaro-lula. A despeito do que possam dizer as pesquisas de opinião sobre o
momento, dando conta do amplo favoritismo eleitoral de Lula, na visão desses
operadores políticos a força e o sentido do eleitorado apontam para o que se
chamaria de tendência de “centro-direita” – daí a dificuldade em costurar
acordo com o PT.
Bolsonaro teve um pouco atrás a
possibilidade de “caminhar para o centro” e ser abraçado eleitoralmente pelo
Centrão. Essa oportunidade parece ter sido jogada fora por ele mesmo, que hoje
não sabe se receberá um tapinha nas costas pelo fato de ter aberto uma chance
inédita de consolidação do poder a esses caciques, agora enxergando a
possibilidade de tomar conta eles mesmos do Executivo, e pela via eleitoral.
Ou se receberá desses caciques um chute nos glúteos, dependendo das circunstâncias.
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