Folha de S. Paulo
2,7 bilhões de pessoas se desesperaram sem
ele; mas,
Na segunda (4), dia do apagão do Facebook e derivados, meu telefone fixo não tocou mais que o de sempre. Continuou a tocar pouco. Meu email também não recebeu mais mensagens que o normal. Só o bastante para me manter razoavelmente conectado ao planeta. E ninguém me bateu à porta em desespero por uma xícara de açúcar. Como a maioria de meus amigos e conhecidos sabe que não pertenço a redes sociais nem troco mensagens por WhatsApp e sequer possuo celular, as pessoas não tiveram de se rebaixar àqueles meios primitivos para se comunicar comigo —não mais que o de costume, o que fazem achando graça.
Donde o caos que se instaurou na Terra e
infernizou a vida de 2,7 bilhões de pessoas, dizem, não me afetou.
Nem a mim nem aos 5,1 bilhões que também não usam esses apetrechos —soube por
informações de cocheira que o mundo, naquele dia, tinha 7,8 bilhões e quebrados
de habitantes. Eis uma ideia que me reconforta: a de que não estou sozinho no
atraso.
Imagino que muitos dos 5,1 bilhões ainda
carentes desses dispositivos não tenham escolha. Devem ser pessoas no mais
triste patamar da escala, como os refugiados afegãos, os imigrantes haitianos e
os brasileiros que brigam por ossos nos lixões. Nessas condições, nem lhes
passa pela cabeça possuir um smartphone. No meu caso, é uma opção mesmo, e por
bom motivo: tenho medo de ficar dependente.
Já fui dependente de outros produtos e sei
como acontece. É algo de que, pelo uso continuado, torna-se fisicamente
impossível passar sem, mesmo ante a perspectiva da morte. Talvez a agonia de
não se poder ficar cinco minutos sem o Facebook não leve à morte física, mas
mata algo também fundamental: a capacidade de exercer a sua vontade.
“Ferramentas” hoje cômicas como o telefone,
o email e até o torpedo ainda me oferecem toda a comunicação de que preciso. Se
Joe Biden quiser falar comigo, terá de ser por uma delas.
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