Valor Econômico
Câmara desconvocou Braga Netto mas
confirmou Guedes
A publicidade da conta em paraíso fiscal da
principal autoridade econômica do país era tudo o que os dirigentes do PP que
trabalham pela filiação do presidente da República poderiam almejar. A filiação
traz otimismo para as ambições da legenda, que passam pelo cargo do ministro da
Saúde, Marcelo Queiroga, mas se concentram mesmo é no Orçamento de 2022. O
constrangimento do ministro da Economia vem num momento tão propício que, não
fosse a independência cristalina da fonte das informações que vieram à lume,
daria pra pensar que foram encomendadas.
A retaguarda governista na comissão que
aprovou o requerimento de convocação de Paulo Guedes era tão frágil que a
defesa do ministro coube a um deputado do Novo que nem da base do presidente é.
Da leitura do requerimento de convocação até sua aprovação, por 12 votos a 8,
passaram-se duas horas, tempo suficiente para uma articulação capaz de transformá-la
em convite, como no Senado, adiá-la ou cancelá-la, mas isso não aconteceu.
Até num governo de base mais frágil, como o da ex-presidente Dilma Rousseff, o então presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), foi capaz de anular a convocação de um ministro, Antonio Palocci, acusado, em 2011, de acumular um vertiginoso crescimento de sua consultoria. O atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi ágil o suficiente para encontrar firula regimental capaz de anular a convocação do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, em abril deste ano, para explicar a picanha superfaturada na Defesa.
Guedes, porém, não teve a mesma sorte. Lira
viajou para Roma enquanto todos os caminhos do ministro o levavam para o
labirinto. Sua convocação foi aprovada em plenário por mais do que o dobro dos
votos. O líder do PP foi o primeiro a aderir à oposição.
Nada melhor para uma Câmara que quer
destelhar o Orçamento do que ter um ministro da Economia na berlinda. Não que
lhe faltem pecados. Todos serão abundantemente expostos na campanha. Darão
trabalho à única Pasta que funciona no governo, a da comunicação.
Nem se Jim Carville viesse comandar a
campanha do presidente Jair Bolsonaro daria conta da exposição do eleitor, cuja
renda é corroída por inflação de dois dígitos, às reservas financeiras
protegidas do titular da política econômica. No limite, poderia recriar a
máxima da campanha de Bill Clinton: não é crime, estúpido, é escárnio.
Mas qual seria mesmo o interesse do PP em
colocar Guedes na berlinda? O mesmo que impera sobre a aliança. As políticas
lideradas pelo partido têm conduzido o país a um buraco fiscal sem fim, mas o
PP passa bem. Pode se manter como uma das maiores bancadas da Câmara em 2023 e
reeleger Lira à presidência, desde que disponha de recursos para tanto.
Não está fácil. Tome-se, por exemplo, as
dificuldades da MP 1055, que imporia uma conta de R$ 33 bilhões para o
consumidor de energia em benefício de um único empresário. Muitos daqueles que
votaram a privatização da Eletrobras o fizeram, sob desgaste, sabendo que a
fatura viria. Se resistem agora a dar continuidade ao despautério é porque o
modelo de repartição está em crise.
À medida que se aproxima a eleição aumenta
também a cobrança de promessas não cumpridas junto à base parlamentar. Por
isso, o inferno de Guedes é, no momento, a canção do paraíso. Nem que o espaço
a ser conquistado no Orçamento se dê em detrimento do país. Os parlamentares
ouviram de uma autoridade econômica que há U$ 13 trilhões que hoje rendem zero
de juro e não vêm para o Brasil pela turbulência. A publicidade dos Pandora
Papers deu ainda mais veracidade ao relato.
Do que os aliados de Bolsonaro precisam? No
PP, por exemplo, calcula-se que um fundo eleitoral num total de R$ 4 bilhões, o
dobro do atual, permitiria ao partido reservar até R$ 50 milhões de sua cota
apenas para abrigar Bolsonaro sem desfalcar as campanhas proporcionais.
Mas as ambições extrapolam o fundo
eleitoral. Se sobem o preço para realizar seus desejos é porque os
parlamentares apostam na solvência do credor - o governo -, o que não significa
que esta se estenda ao eleitor.
O combustível do embate
A primeira solução apresentada por Lira
para a redução no preço dos combustíveis, a de uma subvenção financiada pelo
Petrobras, esbarrou na resistência do general Joaquim Luna e Silva, que se
mantém prestigiado, a abrir um novo rombo na estatal.
Sobrou a mudança no cálculo do ICMS dos
combustíveis que deixaria de ser sobre o preço dos últimos 15 dias para incidir
sobre o dos últimos dois anos - um puxadinho à altura dos tempos em que se
vive.
A fartura das emendas jogou no passado
remoto o tempo em que governador tinha bancada. Agora os parlamentares comandam
o jogo. A ponto de quererem mexer nos impostos estaduais sem alteração
constitucional.
A saída ainda colide com o Senado, que
avança numa reforma tributária para mexer nisso tudo. Sua relevância não está
na chance de que prospere mas no apoio de governadores, prefeitos e até de
Guedes, num movimento contrário ao da Câmara.
Não se confrontam apenas duas Casas
legislativas em defesa de suas prerrogativas. PP, PL e Republicanos constituem
o núcleo duro da base bolsonarista, dominam a Câmara e privilegiam, acima de
tudo, a formação de bancada para manter o presidente sob permanente sequestro.
O PSD, por outro lado, partido em torno do
qual gira o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), mantém-se próximo
da sigla que emergirá da fusão DEM-PSL e, assim, também cultiva a ambição de
formar um bloco de poder. Mas vai além. É hoje um dos partidos mais aplicados
na montagem de palanques estaduais. Está ancorado na expectativa de ocupar
espaços na federação que extrapolam a sucessão presidencial.
Agora vai
A indicação do ex-advogado-geral da União,
André Mendonça, ao Supremo voltou a respirar, ainda que por aparelhos. A
indicação completa três meses. E nada de sabatina. As vagas preenchidas pelos
ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso ficaram seis meses em aberto. A do
ministro Luiz Edson Fachin, oito. Mas nesses casos o que demorou foi a
indicação. Desta vez, a escolha foi oficializada quatro dias depois da saída do
ex-ministro Marco Aurélio Mello. A demora é do Senado. O Congresso terá sessão
dedicada ao Orçamento depois do feriado. O oxigênio de André Mendonça volta
junto com a perspectiva de empenho das emendas.
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