EDITORIAIS
Fracasso das prévias do PSDB é trágico para
a democracia
O Globo
É difícil encontrar palavras publicáveis para descrever o que ocorreu neste domingo nas prévias do PSDB. Papelão, vergonha ou incompetência são termos fracos, dados a relevância da iniciativa para a democracia brasileira e o papel de protagonista que o PSDB já teve na história recente. O fracasso traduz de modo trágico uma das maiores mazelas do Brasil: a distância entre as exigências de um mundo e de uma economia a cada dia mais dependentes de conhecimento técnico e a ignorância dos líderes que tomam decisões sobre temas essenciais para o êxito de suas empreitadas.
Um partido que fala em políticas públicas
baseadas em evidências, que tenta fugir a rótulos ideológicos defendendo o
diálogo, que quer ser a via do meio entre os extremos, que tem vínculos
históricos com o meio intelectual e acadêmico e que deveria, por isso, estar na
vanguarda, esse mesmo partido se revela incapaz de cumprir o item mais básico
da atividade partidária: uma votação para resolver sem sobressalto a disputa
interna. Que moral resta agora para reclamar de alquimias econômicas do PT ou
do desprezo pela ciência e pelo conhecimento no governo Bolsonaro?
É preciso entender que não existe dificuldade técnica nenhuma em desenvolver um sistema de apuração de votos confiável, robusto e auditável. Uma eleição em que algo como 45 mil votantes têm de escolher entre três alternativas é, do ponto de vista computacional, um problema trivial, tamanha a capacidade de processamento e transmissão de dados disponível hoje.
Mais que isso, há diversos sistemas no
mercado capazes de desempenhar a tarefa, muitos deles gratuitos, de código
aberto e auditável por programadores. Várias universidades e institutos de
pesquisa brasileiros usam tais sistemas em suas eleições internas, sem que haja
notícia de problemas maiores. Havia, enfim, a alternativa mais óbvia, que,
sabe-se lá por que, foi desprezada: usar as urnas eletrônicas do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), cuja simplicidade garante há 25 anos eleições limpas
e sem registro de fraude no país.
Em vez disso, os tomadores de decisão no
PSDB caíram num engodo clássico no mundo digital, encantados por uma solução
técnica na superfície mais avançada, mas na realidade não submetida aos testes
necessários. Ao longo das últimas semanas, não faltou aviso de que era
temerário confiar nela. Foram todos desdenhados, no clima tenso que tomou conta
da disputa.
Os efeitos serão sentidos primeiro no
embate que fratura há tempos um partido outrora indispensável à cena política
brasileira, dificultando ainda mais a união interna — condição sine qua non
para o PSDB assumir a liderança entre as candidaturas alternativas a Luiz
Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro e ter alguma chance de se recuperar da
decadência. Mas não só. Também, e sobretudo, os tucanos deixarão de dar um
exemplo positivo que outros partidos poderiam seguir, popularizando no Brasil a
prática democrática das eleições internas para escolher candidatos à
Presidência.
A melhor notícia para a democracia
brasileira teriam sido prévias bem-sucedidas, capazes de incentivar outros
partidos a adotar o modelo consagrado noutros países, por tornar mais
transparente a escolha dos candidatos. Pois foi exatamente o contrário do que
aconteceu.
Chile e Venezuela revelam nas urnas o
mal-estar democrático do continente
O Globo
Chilenos e venezuelanos foram às urnas
neste domingo em eleições que terão impacto na saúde da democracia na América
do Sul. Nos dois países, os eleitores foram chamados a escolher representantes,
mas o Chile é uma democracia; a Venezuela, não. O caso chileno, o mais
relevante por envolver a escolha de presidente, foi marcado pela alta abstenção
e pela disputa entre José Antonio Kast, da direita radical, e Gabriel Boric, da
esquerda radical. O segundo turno acontecerá em 19 de dezembro. O resultado é
mais uma evidência da desilusão dos chilenos com a classe política e da
polarização que flagelam o país.
A lista das explicações inclui o
descontentamento com a desigualdade crescente, o caráter quase dinástico de
elites políticas e empresariais e regras eleitorais que incentivaram a
fragmentação. É possível que a explicação mais próxima da realidade leve em
conta todos esses e outros fatores. As forças políticas tradicionais e
moderadas foram fragorosamente derrotadas. O Chile vive sua era dos extremos.
A polarização não está programada em nosso
cérebro, nem estamos condenados a agir como se vivêssemos em tribos, mas os
“empreendedores da polarização” se beneficiam da fragmentação social. Kast,
como Donald Trump ou Jair Bolsonaro, faz isso com maestria. Apologista da
política da “mano dura”, louva os tempos de Augusto Pinochet. Caso vença, o
maior risco são conflitos entre as forças de segurança e os jovens que tomaram
as ruas nos últimos anos. É incerto como será sua relação com a Constituinte,
onde a esquerda predomina.
Boric está no campo democrático, mas não
tem experiência na vida pública, tem o Partido Comunista em sua base de apoio,
planeja elevar a carga tributária e ampliar a participação do Estado na
economia. Será preciso acompanhar a movimentação dos partidos tradicionais. Se
apoiarem um dos dois e conseguirem influenciar os planos de governo, é possível
que a radicalização perca um pouco da força. Do contrário, o retrocesso será
inevitável.
Claro que o Chile continuará como exemplo
positivo perto do que acontece na Venezuela, onde a eleição foi para a
comunidade internacional ver — e os observadores europeus até o momento nada
viram de errado. Mesmo que o resultado refletisse o sentimento do eleitor, o
país continuaria a atravessar uma depressão duas vezes mais profunda que a
americana nos anos 1930. É um desvario achar que os responsáveis pela tragédia
poderiam se manter no poder com eleições limpas.
Preocupado com a investigação do Tribunal Penal Internacional, Nicolás Maduro tentou dar um ar de normalidade, incentivando a volta de uma oposição em frangalhos. A eleição confirmou o que todos sabiam antes de serem abertas as urnas. O chavismo foi o vencedor. Não parece haver boas notícias para a democracia no continente.
Vale persistir
Folha de S. Paulo
Fiasco nas prévias do PSDB não deveria
demover siglas de ampliar o instrumento
Em episódio anedótico de suas dificuldades
para recuperar unidade interna e protagonismo na cena nacional, o PSDB não
conseguiu levar a cabo no domingo (21) as
prévias para a escolha de seu candidato à Presidência da
República.
Após meses de discussões de regras, que ora
pareciam favorecer um competidor, ora outro, os tucanos enfim deveriam apontar
o nome a ser referendado em convenção no próximo ano.
Foi uma trapalhada. O aplicativo contratado
pelo partido para que filiados votassem a distância não suportou nem uma hora
de uso. À mazela tecnológica somou-se o bate-boca político, em que os dois
favoritos da disputa, os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS),
trocaram acusações e se desentenderam quanto ao que fazer.
Será precipitado, contudo, desqualificar o
processo por sua falha. Ao contrário, as prévias se mostram instrumento valioso
para a democratização e para a transparência do debate eleitoral.
Como lembrou o terceiro e figurativo rival na disputa tucana, Arthur Virgílio, ex-prefeito de Manaus, é preciso começar por algum ponto para chegar ao nível das primárias americanas.
As duas prévias presidenciais de relevo
anteriores, do PT em 2002 e do PMDB em 2006, tiveram respectivamente o caráter
de um referendo e de uma farsa. No caso dos tucanos, o processo incluiu debates
e, para surpresa do grupo do líder paulista, o crescimento do gaúcho como um
rival viável.
Na teoria, a adoção do polêmico app de voto
remoto também vai na direção correta de ampliar o acesso dos filiados da sigla
ao certame.
O problema, como está evidente, foi a falta
de confiabilidade do programa usado. Como dizia relatório de segurança feito
por empresa privada sobre o software, seria necessário ter um plano B à mão
para evitar toda a confusão.
Aí a conta fica para o açodamento das
campanhas das prévias, uma queda de braço que ao fim contribuiu para o triste
espetáculo.
Como procedimento, contudo, as prévias são
um avanço ante o tradicional conchavo de meia dúzia de caciques —quando não
menos.
Se elas expõem um partido trincado, a culpa
é da tibieza da sigla, não da prévia. De quebra, sua sistematização também
poderia ter o condão de aprofundar o contato entre agremiação e filiados.
Na forma atual, as listas de filiação são
ficcionais, com números cumulativos não depurados pelo Tribunal Superior
Eleitoral. Assim, não é surpresa que dos supostos 1,3 milhão de tucanos, apenas
45 mil tenham se credenciado para votar.
O desfecho da discussão no PSDB ainda está
em aberto, mas ele não deveria demover outros partidos de buscar o mesmo
caminho.
Injustiça virtual
Folha de S. Paulo
Audiências de custódia a distância
desvirtuam metas e não atenuam encarceramento
Criada em 2015 para garantir os direitos de
presos, inclusive os de não sofrer tortura e não ser submetido à prisão ilegal,
a audiência de custódia consiste em apresentar a pessoa encarcerada ao juiz em
no máximo 24 horas desde o flagrante ou o mandado.
Pela lei, o magistrado pode manter a
prisão, convertê-la em preventiva, optar por medidas cautelares ou mesmo pela
libertação.
Na prática, as alternativas têm sido pouco
utilizadas: dados sobre 2.774 casos ocorridos de abril a dezembro de 2018 em 13
cidades de nove estados do país apontam que menos de 1% das audiências resulta
em que o acusado possa responder ao processo em liberdade sem cumprir medidas
cautelares.
Tampouco o ambiente em que tais procedimentos
ocorrem permite que um dos seus principais objetivos seja realizado —o relato
de eventuais maus-tratos e tortura.
Conforme relatório elaborado em 2019 pelo
Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), em parceria com o Conselho
Nacional de Justiça, em quase todos os casos acompanhados (96%) havia agentes
de segurança na sala, além do uso indiscriminado de algemas.
É nesse contexto que se inserem as
audiências de custódia virtuais, realizadas durante a pandemia, conforme
permissão do ministro Luiz Fux, presidente do CNJ.
Criticadas por especialistas por não
permitirem a avaliação presencial das condições físicas da pessoa presa, elas
agravaram as violações já praticadas antes da Covid-19.
O número de procedimentos caiu de 222 mil
em 2019 para 66 mil no ano passado. A maioria não segue os protocolos
estabelecidos pelo CNJ, segundo levantamento do próprio conselho em outubro.
Em mais da metade (52,9%) dos
estabelecimentos onde se realizam audiências em 25 capitais, não há câmeras que
permitem que se veja toda a sala, e um percentual idêntico dos locais não conta
com câmeras externas —duas exigências para garantia de privacidade.
Para serem eficazes, esses encontros não
podem ser meras formalidades. É urgente que, à medida que a situação pandêmica
dê indicativos de melhora, o Judiciário os tome presenciais, adotando regulação
mais estrita no sentido de assegurar melhores condições.
Sem essas e outras garantias legais, o
sistema penitenciário brasileiro —já sobrecarregado, brutal e injusto— perpetuará
suas distorções, mesmo diante de instrumentos que deveriam reduzi-las.
Lula em sua melhor forma
O Estado de S. Paulo
Em entrevista ao ‘El País’, ex-presidente debocha dos fatos, da memória da população e do regime democrático. Até comparou Daniel Ortega a Angela Merkel
Ex-presidente debocha dos fatos e da
memória da população.
Uma recente entrevista de Luiz Inácio Lula
da Silva ao jornal El País confirma que o líder petista não mudou nada:
continua achando que pode impor sua realidade paralela, com a pretensão de que
tudo, rigorosamente tudo, deve se sujeitar a seus interesses. Sem qualquer
constrangimento, debochou dos fatos, da inteligência alheia e do regime
democrático. Quem julga merecer o voto de seus concidadãos não pode se esconder
em um mundo imaginário, regido pela irresponsabilidade e pela mendacidade.
A título de defender a permanência
ilimitada no poder de autocratas esquerdistas latino-americanos, seus amigos do
peito, teve a audácia de compará-los a líderes de inquestionáveis credenciais
democráticas que governaram por mais de uma década. Questionado sobre as escandalosamente
fraudulentas eleições na Nicarágua, que serviram para manter o governo
ditatorial de Daniel Ortega, Lula comparou o tirano, pasme o leitor, à premiê
alemã, Angela Merkel: “Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e
Daniel Ortega não?”, perguntou o petista – que, convicto de que o leitor é
mesmo um cretino, foi além: “Por que Margaret Thatcher pôde ficar 12 anos no
poder, e (Hugo) Chávez não?”.
Lula acrescentou que não pode “interferir
nas decisões de um povo”, desconsiderando que o povo a que ele se refere não
pôde tomar decisão nenhuma, já que as “eleições” na Nicarágua e na Venezuela
são apenas cenográficas, como sabem os governos de países civilizados que
contestam seus resultados.
A respeito da proibição de manifestações em
Cuba, Lula não teve pudor em relativizar mais essa incontestável violação de
direitos humanos, tratando como coisa corriqueira, comum em todos os lugares.
“Essas coisas não acontecem só em Cuba, mas no mundo inteiro. A polícia bate em
muita gente, é violenta. (...) Precisamos parar de condenar Cuba e condenar um
pouco mais o bloqueio dos Estados Unidos”, disse o líder petista.
É realmente impressionante a devoção de
Lula a um regime violento e opressor. Estamos em pleno século 21, não há
nenhuma dúvida sobre o caráter autoritário do Estado cubano e mesmo assim o
líder petista segue em absurda subserviência. Sempre foi vergonhosa a atitude
do PT em relação a Cuba; no momento atual, é estupidez negacionista em sua face
mais desumana.
Como gosta de se dizer perseguido pela
Justiça, Lula deveria ao menos ter alguma empatia por presos políticos de
outros países; afinal, são pessoas que, em tese, estariam em situação similar à
sua. Mas não. Lula não tem qualquer apreço pelos cidadãos perseguidos, por
exemplo, por Daniel Ortega. “Não posso julgar o que aconteceu na Nicarágua. Eu
fui preso no Brasil. Não sei o que essas pessoas fizeram. Só sei que eu não fiz
nada”, disse o petista, sugerindo que os presos políticos na Nicarágua talvez
tenham feito por merecer o calabouço.
Além de indiferença com os direitos humanos
e de explícita simpatia por ditadores, Lula mostrou, na entrevista, ideias bem
peculiares sobre o funcionamento de uma democracia. “O problema da democracia
em Cuba não será resolvido instigando os opositores a criar problemas para o
governo”, disse o líder petista.
A mensagem é clara. Lula não quer ver
ninguém criando problema para governos que são seus amigos. Nesses casos, cabe
à oposição apenas colaborar com o governo. E se não houver essa gentil
parceria, os opositores perseguidos não devem esperar solidariedade de Lula ou
do PT. Afinal, não fizeram a sua parte.
Tal proposta, por si só, avilta a ideia de
democracia e pluralidade. Feita por Lula – que sabotou todos os governos a quem
fez oposição – é pura desfaçatez.
Na entrevista, Lula defende Hugo Chávez,
Daniel Ortega e a ditadura cubana, mas, ora vejam, não se encontra uma mínima
defesa de Dilma Rousseff. Está claro que o líder petista não deseja falar
daquela que lhe sucedeu no Palácio do Planalto. Compreende-se: é um tema
difícil, que remete à brutal crise social e econômica que o PT legou ao País.
Melhor falar do bloqueio americano a Cuba.
Brasil, muito longe da liderança
O Estado de S. Paulo
O Brasil se destaca internacionalmente por
baixo crescimento econômico, inflação acelerada e desemprego muito alto
Maior economia da América Latina, o Brasil
se destaca no cenário econômico mundial, neste momento, principalmente por
fatos negativos, como alto desemprego, preços em disparada, desordem das contas
públicas, baixo potencial de crescimento e pela destruição ambiental. O
discurso oficial aponta o País como um dos mais dinâmicos, mas seu desempenho
em 2022 será um dos piores, segundo projeções conhecidas no mercado
internacional. Entre 12 grandes emergentes, o Brasil ficará em último lugar em
expansão, de acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de
5 grandes consultorias e instituições financeiras citadas pelo
Estadão/broadcast.
Renda familiar, consumo e oportunidades de
emprego devem ser temas muito importantes na campanha eleitoral do próximo ano.
O presidente Jair Bolsonaro tentará pelo menos alguma política de transferência
de renda, mas isso dependerá de arranjos orçamentários ainda incertos. A equipe
econômica, chefiada pelo ministro Paulo Guedes, tentará atender à demanda
presidencial, mesmo encenando, como tem feito com frequência, algum compromisso
com a gestão responsável das contas públicas. De toda forma, o País continua
carente de uma política econômica de verdade, com rumos, etapas e meios
definidos com alguma clareza. Isso nunca existiu nestes quase três anos de
mandato presidencial.
As projeções sinistras para 2022 são um
desdobramento dos fracassos acumulados pela administração federal desde 2019.
As estimativas de crescimento das cinco grandes instituições – Bradesco,
Goldman Sachs, Capital Economics, Fitch e Nomura – para o próximo ano ficaram,
segundo informou o
Estado, entre 0,8% e 1,9%. O Fundo
Monetário Internacional anunciou em outubro uma expectativa de 1,5% para o
Brasil e de 5,1%, em média, para os emergentes. Mas alguns bancos e
consultorias já divulgaram previsões negativas ou pouco acima de zero. No
mercado, a mediana das projeções deste ano chegou a 4,80% e a de 2022 diminuiu
em uma semana de 0,93% para 0,70%, segundo a pesquisa Focus publicada nesta
segunda-feira pelo Banco Central (BC).
Também têm piorado as expectativas de
inflação. Já se projetam taxas de 10,12% para este ano, 4,96% para o próximo,
3,42% para 2023 e 3,10% para 2024, de acordo com a mesma pesquisa. Todos esses
números estão acima das metas oficiais fixadas para esses anos. Maiores
aumentos de preços devem ser acompanhados de novas altas da taxa básica de
juros, ferramenta usada pelo BC na política anti-inflacionária. As estimativas
apontam, para os quatro anos, juros de 9,25%, 11,25%, 7,75% e 7%.
Ao baixo potencial de crescimento serão,
portanto, somados, de acordo com as projeções, dois fatores negativos – a
corrosão da renda familiar pelos preços em rápida ascensão e o entrave
representado pelo crédito mais caro.
Tudo isso combina com perspectivas muito
ruins para o emprego. O desemprego no Brasil, 13,2% da força de trabalho no
trimestre móvel encerrado em agosto, foi o quarto maior num conjunto de 44
países desenvolvidos e emergentes, segundo levantamento da agência de
classificação de risco Austin Rating noticiado pelo G1. Nos 38 países da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a taxa média de
desocupação recuou de 6% em agosto para 5,8% em setembro, de acordo com informe
da instituição publicado neste mês.
O Brasil iniciou e encerrou 2020, primeira
fase da pandemia de covid-19, com desemprego superior às médias da OCDE e do
Grupo dos 20 (G-20), formado pelas 19 maiores economias do mundo e pela União
Europeia.
A escassa geração de empregos no Brasil tem
ocorrido principalmente no mercado informal, com baixo rendimento para os
trabalhadores. Esses dados são parte de uma retomada econômica frágil, com
recuo já confirmado na atividade no segundo trimestre e sinais de um desempenho
negativo no terceiro. Pode ter ocorrido, portanto, mais uma recessão,
caracterizada por dois trimestres consecutivos de queda. Mas o ministro da
Economia insiste em falar de um Brasil na liderança do crescimento.
Auxílio reduziu desigualdade e agora está
em encruzilhada
Valor Econômico
A questão do combate à pobreza estrutural
é complexa e não deveria ser limitada por interesses eleitoreiros
Enquanto o governo se debate para abrir
espaço no Orçamento para financiar o Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa
Família a partir deste mês, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) acaba de divulgar informações que jogam luz sobre a importância da
concessão de benefícios sociais em uma sociedade desigual como a brasileira,
especialmente durante a pandemia do novo coronavírus. A concessão do Auxílio
Emergencial, distribuído para 66 milhões de pessoas, contribuiu não só para
apoiar os milhões que perderam o emprego com a pandemia, mas também reduziu a
pobreza e a desigualdade no país.
A pesquisa “Pnad Contínua 2020 - Rendimento
de Todas as Fontes” mostrou o impacto da pandemia na redução da renda da
população e a importância do Auxílio. O número de pessoas com rendimento de
trabalho caiu de 92,8 milhões em 2019 para 84,7 milhões em 2020, ou de 44,3%
para 40,1% da população. Perderam o trabalho 8,1 milhões de pessoas, entre as
quais os mais vulneráveis, como os informais, sem carteira assinada, e os que
trabalhavam no setor de serviços.
Houve aumento do peso do “rendimento de
outras fontes”, que foi registrado por 59,7 milhões de pessoas, ou 28,3% da
população, acima dos 49,5 milhões, ou 23,6%, de 2019. O aumento mais
significativo foi do grupo que sobreviveu com “outros rendimentos”, entre os
quais o Auxílio Emergencial, que praticamente dobrou, de 16,4 milhões para 30,2
milhões de pessoas. Pela primeira vez, desde 2012, o grupo dos “outros rendimentos”
superou o das pessoas que receberam aposentadoria e pensão (26,2 milhões ou
12,4%).
Na média, porém, todos ficaram mais pobres.
O rendimento médio mensal real domiciliar per capita caiu 4,3% em 2020 na
comparação com 2019, para R$ 1.349. Mas, nos domicílios que receberam
benefícios sociais, o rendimento per capita aumentou 12,2% no período, passando
de R$ 688 para R$ 772. Em consequência, houve redução da desigualdade. Em 2020,
o 1% das pessoas melhor remuneradas recebeu 34,9 vezes o que receberam os 50%
com os menores rendimentos. Em 2019, esta razão era de 40 vezes, maior valor da
série. Esta relação entre o rendimento médio dos mais pobres e os mais ricos
mostrou trajetória de redução de 2012 (38,3 vezes) até 2014 (33,5 vezes). A
partir de então voltou a crescer até alcançar o pico da série, em 2019.
O índice de Gini, que mede a concentração
de renda e vai de zero a 1 - quanto mais perto de zero menor é a concentração
de renda - caiu de 0,506 em 2019 para 0,500 em 2020, o que significa dizer que
a desigualdade de renda diminuiu, levando em conta o rendimento médio mensal
real habitualmente recebido de todos os trabalhos. Segundo o IBGE, entre 2012 e
2015, o índice de Gini diminuiu de 0,504 a 0,499, e para 0,498 em 2016, patamar
em que se manteve em 2017. Mas subiu a 0,506 em 2018 e em 2019, aprofundando a
desigualdade.
Não é preciso esperar o próximo
levantamento do IBGE para se concluir que esse quadro mudou radicalmente. O
Auxílio Emergencial deixou de ser pago no fim de 2020 e só voltou em abril, em
valores mais baixos e com um universo bem menor de beneficiados; e o Bolsa
Família terminou neste mês. Em seu lugar, começou a ser pago o Auxílio Brasil
com benefício médio 18% acima do Bolsa Família e a promessa de chegar a R$ 400,
assim que o governo viabilizar seu financiamento. Ele só está garantido até o
fim de 2022, ou seja, até as próximas eleições, apesar de o mercado de trabalho
seguir muito fraco, com uma taxa de desemprego acima de 13%.
A mudança de regras já causou comoção nesta
virada de mês, provocando filas de pessoas nas agências do governo em busca de
informação. Calcula-se que 22 milhões de pessoas vão deixar de receber o
benefício. O caráter temporário do Auxílio Brasil aumenta a insegurança da
população vulnerável. A vinculação da discussão de sua fonte de financiamento a
temas controversos como o calote dos precatórios e as verbas para os deputados
federais torna o quadro mais nebuloso e instável.
Fica de lado a discussão sobre os novos
mecanismos de funcionamento do benefício, que deveriam incluir propostas para
combater a pobreza estrutural sem perpetuar a dependência do auxílio. Além
disso, é necessário garantir a sustentabilidade do financiamento do auxílio uma
vez que a perspectiva de baixo crescimento econômico do país torna necessária a
manutenção do benefício. A questão é complexa e não deveria ser limitada por
interesses eleitoreiros.
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