terça-feira, 23 de novembro de 2021

Andrea Jubé - Os tucanos no divã

Valor Econômico

Moro vai bem nos 100 metros, mas completa a maratona?

Depois que esgotarem as reuniões sobre tecnologia e por que falhou o aplicativo de votação pelo celular, os caciques do PSDB deveriam se revezar no divã para analisar por que insistem na autossabotagem, um dos obstáculos para a almejada volta ao poder.

Seria hora de ouvir Sigmund Freud (1856-1939), que se dedicou ao tema em ensaio de 1916, com o sugestivo título “Os que fracassam no triunfo”. Numa síntese breve e imperfeita, o pai da Psicanálise analisa neste texto exemplos de personagens que sentem alívio se o objeto de desejo não é alcançado. Porque se atingissem o sucesso, não saberiam o que fazer com aquilo.

O partido que controlou a inflação e estabilizou a moeda com o Plano Real, e governou o país por oito anos, está se embrenhando cada vez mais num labirinto de problemas.

A pane no aplicativo de votação é a ponta do iceberg ante situações mais dramáticas. As trocas de acusações em tom cada vez mais elevado entre os postulantes à vaga de presidenciável - os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que polarizaram a disputa -, testam a capacidade do partido de se unir no final.

E se o partido não se unir, não será capaz de liderar o centro democrático na corrida por uma vaga no segundo turno, caso não se desfaça a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Enquanto tucanos se engalfinham nas prévias, outros próceres da sigla veem com inquietação a ascensão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro nas pesquisas sobre a sucessão presidencial.

Levantamento do Paraná Pesquisas divulgado ontem mostrou que o ex-juiz, recém filiado ao Podemos, desponta com percentuais que variam em torno de 11% em diferentes cenários. Foi o primeiro nome da terceira via a bater a marca dos dois dígitos.

Um tucano com a ficha de filiação assinada há mais de 15 anos, vê com perplexidade Moro avançar sobre território do PDSB. Um de seus principais aliados é o senador Álvaro Dias (Podemos-PR), que foi o líder mais longevo da bancada tucana na função. Moro também recrutou para a equipe o economista Edmar Bacha, um dos idealizadores do Plano Real.

“Na corrida de 100 metros Moro está bem, mas é preciso ver se ele completa a maratona”, desafiou este tucano, aliado de Leite. Alega que Moro tem alta rejeição em vários segmentos do eleitorado, assim como Bolsonaro, Lula, e Doria. Enquanto Leite, por ser menos conhecido, é pouco rejeitado.

Recostando-se no divã, este líder tucano diz que uma das mazelas do PSDB é a insistência em impor uma espécie de “supremacia paulista”, associada à “falta de humildade” e “diálogo” com o restante do país.

A disputa fratricida ora protagonizada por Doria e Leite remonta à escolha dos presidenciáveis da legenda desde a sucessão de Fernando Henrique Cardoso em 2002, a partir de quando o diretório paulista teria operado, reiteradamente, para impor suas escolhas para a eleição presidencial.

Com exceção de 2014, nos pleitos anteriores, os postulantes tucanos à Presidência foram egressos do diretório paulista: José Serra em 2002 e 2010, Geraldo Alckmin em 2006 e 2018. As reclamações dos outros diretórios são de que, a partir de 2006, a legenda já dispunha de outros nomes competitivos, como o ex-governador do Ceará Tasso Jereissati, e o então governador de Minas Gerais, Aécio Neves.

A ironia nesse processo seria de que o tucano que bateu na trave da vitória não foi um paulista, e sim o mineiro Aécio Neves. Mesmo assim, ele só conseguiu a vaga de presidenciável porque se elegeu presidente do PSDB em 2013, e assumiu as rédeas do partido.

Em 2014, ele obteve 48,3% dos votos válidos contra 51,6% da petista Dilma Rousseff, perdendo por pouco mais de 3 milhões de votos (dados do Tribunal Superior Eleitoral).

Antes de Aécio, o melhor desempenho dos tucanos na polarização contra o PT havia sido de José Serra contra Dilma em 2010. O paulista alcançou 43,9% dos votos válidos, contra 56% da petista. Nos pleitos de 2002 e 2006, os presidenciáveis tucanos não alcançaram sequer 40% dos votos. Em 2018, ante o tsunami Bolsonaro, Geraldo Alckmin amargou 4,76% dos votos válidos.

A derrocada de Alckmin coroou uma fase de revezes do PSDB que remonta a 2017, quando denúncias de corrupção atingiram Aécio Neves, e teve como epílogo as duas prisões de outro líder do partido, o ex-governador do Paraná Beto Richa em 2019.

Enquanto trocam bicadas e se esfacelam em público, os tucanos deveriam voltar para seus ninhos, fazer uma pausa para autorreflexão, e avaliar uma mudança de rota. A sucessão de erros sugere que o caminho de volta ao poder é para o outro lado. Ou senão, Freud explica.

Lula

Além de se reunir com chefes de Estado e de governo da Espanha, França e Alemanha na última semana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou com pesos pesados do PIB europeu. Na sexta-feira, Lula reuniu-se com CEOs de empresas espanholas que investem no Brasil, como Santander, Telefónica, Mapfre, e Iberdrola, da área de gás e energia elétrica. O evento ocorreu na sede da confederação das empresas espanholas (CEOE).

Segundo fontes do PT, Lula ouviu mais do que falou. Os executivos espanhóis relataram preocupação com a escalada inflacionária, a complexidade tributária e a insegurança jurídica no Brasil, e reafirmaram que a vulnerabilidade da Amazônia compromete novos investimentos no país. Lula, por sua vez, teria relembrado realizações de seu governo, e o seu compromisso em combater a fome, gerar empregos e recuperar a imagem do Brasil no exterior.

Antes, na quarta-feira (17), Lula esteve com executivos da Renault e da Dassault na solenidade em que foi homenageado pela revista Politique Internationale, no hotel George V, em Paris.

 

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