Valor Econômico
Juro maior restringe investimento, diz
Rafaela Vitória
O Ministério da Economia está em uma
verdadeira batalha de expectativas com o mercado em torno do cenário para o
Produto Interno Bruto (PIB) para o ano que vem. Enquanto o time do ministro
Paulo Guedes fez uma tímida revisão em sua previsão de crescimento, de 2,5%
para 2,1% em 2022, a mediana coletada no Focus já caiu para 0,7% e muitos
enxergam risco de recessão no ano eleitoral.
O momento lembra o que ocorreu em meados do
ano passado, quando o boletim Focus migrou para projeções de quedas maiores que
6%, enquanto o bloco P da Esplanada dos Ministérios sustentava que a queda
seria de 4,7%. A área econômica levou a melhor e o PIB fechou 2020 com recuo de
4,1%.
É notório que o nível de atividade está
perdendo ritmo. Assim, a questão é o tamanho da desaceleração daqui para frente
e se haverá recessão. A resposta certa vale muito, mas ninguém sabe com certeza
o que vem adiante.
No Ministério da Economia, o cenário positivo é baseado em três fatores. O principal deles é a expectativa de que, como a pandemia está ficando para trás no Brasil, há tendência de retomada da economia informal, sobretudo no setor de serviços, que representa 63% do PIB.
Subsecretário de Política Econômica, Fausto
Vieira destacou à coluna que a taxa de participação no mercado de trabalho
(quantas pessoas trabalham ou procuram emprego) está bem abaixo da média
histórica, por causa do choque pandêmico. Na visão dele, como o Brasil é um
país relativamente pobre, o cenário básico é de que esse indicador deve ir se
normalizando e ajudando a aumentar o PIB.
“Esse é um dos motores que estamos vendo.
Mesmo com produtividade mais baixa que o formal, a retomada do emprego informal
significa aumento de produção”, afirmou Vieira, reforçando a projeção de que
nos próximos 12 meses serão criados 3,5 milhões de postos informais e mais 1,5
milhão de formais.
Outro fator que o governo aposta é o
aumento nos investimentos, por fatores como concessões de saneamento e outras
de infraestrutura, leilão de 5G, entre outros. O ministério, no entanto, não
diz qual o volume de investimentos esperados para o ano que vem, que é o que
afetará o PIB. O terceiro fator é o bom desempenho da balança comercial,
reflexo de um cenário externo ainda positivo.
Ainda que reconheça a incerteza que há no
cenário e fatores que jogam contra o crescimento, Vieira não acredita na
hipótese de recessão no resultado do ano nem mesmo a “recessão técnica”,
marcada por dois trimestres consecutivos de queda, como algumas casas no
mercado já sinalizam. “Temos fatores favoráveis, amarras estão sendo retiradas.
Além disso, o mundo deve crescer 4%, como a gente cresce zero? Não faz
sentido”, disse.
Outra fonte do alto escalão da Economia
destaca que a visão de crescimento da pasta já leva em conta o aperto de juros
e a alta da inflação, que prejudicam a atividade no curto prazo. Sem isso, no
entender dessa fonte, a economia poderia rodar acima de 3% no ano que vem, dado
o nível de ociosidade.
A economista-chefe do Banco Inter, Rafaela
Vitória, reconhece que o ambiente é de elevada incerteza. “É difícil falar quem
está certo e quem está errado”, disse. Para ela, os números do governo soam
como muito otimistas até para quem tem viés mais positivo. Ela trabalha com uma
alta do PIB de 0,5% e concorda que o mercado de trabalho, por meio do setor de
serviços, é um dos principais motores de expansão.
Além disso, destaca a demanda global
robusta, que, se por um lado mantém a pressão na inflação, por outro acaba impulsionando
a economia local.
Segundo Rafaela, o principal motivo de
cautela é a trajetória dos investimentos. Ainda que alguns setores devam ter
boa performance, já começa a haver postergação de projetos com o quadro
macroeconômico mais adverso, devido à alta dos juros. “O juro maior vai
restringir o investimento e em parte o consumo das famílias, por mais que a
renda tenha recuperação com o mercado de trabalho.”
Ela pondera ainda que, mesmo com algum
crescimento, a “sensação térmica” no país tende a ser mais negativa, pois
enquanto setores como serviços devem crescer, indústria, varejo e outros devem
cair.
O presidente do Conselho Federal de
Economia (Cofecon) e professor da PUC-SP, Antônio Corrêa de Lacerda, trabalha
com um resultado zero para o PIB de 2022. “Apesar dos argumentos da equipe
econômica, não há vetores para a economia crescer”, disse, destacando a
fraqueza do mercado de trabalho, com inflação alta e queda na renda.
“Nos investimentos, a subida dos juros
complica mais o cenário”, afirmou, lembrando que ainda há fechamentos de
empresas, encarecimento do crédito e outros problemas. “Há também um quadro de
grande incerteza, com crise institucional e confusão de declarações. Tudo isso
limita o crescimento da economia, que também não terá ajuda de efeito
estatístico como ocorreu em 2021”, completou. Ele lembra também que o setor
público não vai ajudar, com os investimentos nas mínimas.
Professor da Universidade Federal do ABC,
Fabio Terra considera que a previsão de alta do PIB pelo governo mostra um excesso
de otimismo que não tem correspondência, em especial pelo lado da demanda. Ele
lembra que a renda da população está fragilizada e boa parte só consegue
dinheiro por transferências do Estado, o que prejudica o consumo.
Para ele, a expectativa de criação de 5
milhões de postos de trabalho soa exagerada. “Dificilmente o país consegue
fazer isso só pela melhora na capacidade de oferta [com a abertura do
pós-pandemia]. Além disso, mesmo que haja esse aumento de oferta de serviços, é
preciso que seja validado pela demanda”, disse, listando outras dificuldades,
como o aumento no custo do crédito.
O economista também aponta que os
investimentos são prejudicados pela forte alta dos juros, além de fatores como
a incerteza eleitoral e discussões ainda indefinidas, como o Auxílio Brasil.
“Acho que a economia caminha para alguma estagnação e até ligeira recessão.”
Mesmo que as projeções da SPE estejam
certas e os demais economistas errados, a realidade é de se lamentar. Um
crescimento de 2,1% é insuficiente para um país mergulhado na pobreza e aquém
da capacidade produtiva. Como melhorar essa situação e sustentar um desempenho
mais forte do PIB por anos segue sendo o principal desafio do país.
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