O Globo
O presidente Bolsonaro chegou a uma
encruzilhada na sua relação com a base parlamentar, em especial com os partidos
do Centrão, mas também com o PSD de Gilberto Kassab, que trabalha para montar
um partido tão forte que seja impossível ignorá-lo na composição de um futuro
governo, que, ele garante, não será de Bolsonaro.
Um exemplo recente do desentendimento com o presidente da Câmara, deputado
Arthur Lira, ainda está na retórica, mas pode ser pólvora no relacionamento.
Lira foi a um seminário em Lisboa organizado pelo Instituto Brasileiro de
Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), idealizado pelo ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, e aderiu à tese do semipresidencialismo,
que Gilmar defende há muito tempo.
Nesse tipo de governo, o presidente da República, eleito pelo voto direto,
compartilha o governo com o primeiro-ministro, eleito pelo Congresso. Disse
Lira numa palestra: “A previsão de uma dupla responsabilidade do governo, ou de
uma responsabilidade compartilhada do governo, que responderia tanto ao
presidente da República quanto ao Parlamento, pode ser a engrenagem
institucional que tanto nos faz falta nos momentos de crises políticas mais
agudas”.
Na primeira afirmativa, não houve a definição de um marco temporal para a
eventual adoção do novo sistema de governo, e Bolsonaro sentiu cheiro de
queimado. Lira, mais adiante, contemporizou, explicando que, se aprovado, o
semipresidencialismo só poderia entrar em vigor na eleição presidencial de
2026. Nem precisava, pois já passou o prazo de um ano antes da eleição para
mudar regras eleitorais.
Mas Bolsonaro não engoliu e até hoje reclama. Disse a seus seguidores ontem: “É uma coisa tão idiota que não dá nem para discutir”. Mas estava tão irritado com a ideia, mesmo para seu sucessor, que a comparou a “jogar fora das quatro linhas” e ameaçou combater os defensores da ideia, “o mesmo grupo de interesseiros de sempre”, na mesma medida, isto é, fora da Constituição.
O episódio, mesmo sem consequências concretas, demonstra que o presidente é refém do Centrão, em especial do presidente da Câmara, Arthur Lira, que faz o que quer. As críticas que Bolsonaro recebe são de outras vias — a sociedade protesta, a imprensa denuncia —, mas os políticos estão todos alinhados. Com o Centrão majoritário, Bolsonaro não tem lugar de fala, tem de aceitar o que o grupo quer e recebe favores quando os interesses coincidem.
O Congresso está muito independente do governo, não no sentido de defender teses e de se posicionar autonomamente em relação aos grandes temas nacionais, mas no de ter decisões próprias em vários assuntos. A situação piorou com a atuação mais destacada do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, potencial candidato a presidente do PSD de Kassab.
Agora, Bolsonaro nomeou um ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Raimundo Carreiro, para a embaixada em Portugal, abrindo no tribunal uma vaga para a indicação do Senado. Bolsonaro quer um aliado a mais no TCU e pretende nomear seu líder do governo, Fernando Bezerra. Mas o presidente do Senado tem outro candidato, o senador mineiro do PSD Antonio Anastasia. A senadora Kátia Abreu, do PP, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, também está na disputa, mas Bolsonaro não quer nenhum dos dois.
O presidente, no entanto, não controla esse processo, assim como não consegue obrigar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) a sabatinar André Mendonça, seu indicado para o STF. Pacheco, que pressionava o presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre, a marcar a sabatina, agora tem uma razão também para boicotar Bolsonaro, que realmente está refém de deputados e senadores.
Sempre o governo controlou o Congresso por meio dessas verbas secretas e otras cositas más. Mas, com as emendas impositivas, inclusive as de relator, o Congresso faz uma espécie de autogestão. Mesmo que ele esteja bem posicionado nas pesquisas eleitorais, a expectativa de poder de Bolsonaro vem caindo na visão dos políticos. Por isso, a dificuldade para conseguir a décima legenda é grande. Ele faz exigências como se fosse o Bolsonaro de 2018, mas o de 2022, no momento, não está bem na foto.
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Na coluna de domingo, sobre a diversidade na Academia Brasileira de Letras, não citei um registro histórico importante: entre 2016 e 2017, a ABL teve seu segundo presidente negro, o professor e escritor Domício Proença Filho.
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