O Globo
Você leu a excelente reportagem de Natália
Portinari neste GLOBO, no último domingo? Tinha por chamada, na capa:
“Alcolumbre fez do Amapá líder de verbas do orçamento secreto”; com o que se
evoca o trabalho referencial de outro grande repórter, Breno Pires, do Estadão,
aquele cuja investigação puxou o fio do controle — discricionário e oculto — de
bilhões do Orçamento da União por e para poucos parlamentares. (Aliás: por onde
andará o senador Marcio Bittar, relator-geral do Orçamento de 2021?)
Destaque-se o tempo verbal aplicado ao
“fazer” na manchete: fez. Alcolumbre, então presidente do Senado, fez de seu
estado, em 2020, a unidade da Federação com maior repasse proporcional de
verbas oriundas das emendas do relator. Só que aquele ano acabaria e, com ele,
o biênio do jovem coronel na presidência do Congresso.
Rei morto, rei posto.
Mas o rei morto é valente. Não se entrega.
E usa prerrogativa do Senado — manipula a concertação que dá equilíbrio aos
Poderes — para ir à forra. Quem paga a conta do bezerro desmamado, ableitado
porém brioso, de súbito sem a derrama do orçamento secreto, ofendido para além
da morte, rei morto e ainda — a desonra maior — deserdado? André Mendonça, cuja
cadeira no Supremo depende de aval do Senado.
Eis o título da matéria de Portinari, à
página 4: “Orçamento secreto é pano de fundo para trava de Alcolumbre à
sabatina de Mendonça ao STF”.
Mendonça paga. E nada de arguição na
Comissão de Constituição e Justiça. Coroné Alcolumbre não quer. Plantou até que
seria ato de resistência, em defesa da democracia, contra o golpismo de
Bolsonaro. Um esculacho. Não deixa, contudo, de reagir a um golpe. Levou
rasteira dos antigos sócios. Tiraram-lhe a propriedade sobre destinos de
dinheiros públicos.
Rei morto, rei posto.
Mas o rei morto é intrépido e cedo aprendeu a explorar a privatização sem limites das prerrogativas de senador. É o presidente da CCJ. Mexeram com o patrimonialista errado. Paga Mendonça. Pagaria qualquer um, até um que estivesse à altura de guardar a Constituição.
Paga a conta pelo personalismo
vingativo-chantagista de Alcolumbre — isto, sim — a República. Porque o rei
morto, tendo feito sucessor no comando do Congresso, pensou que pudesse ser
príncipe e manter a gestão de bilhões sob a máscara das emendas do relator. Pensou.
E pensou erradamente. Passou o trono. A fonte secou. Ficou bravo. Diz-se que
retalia o governo, que decerto traiu acordos. Bolsonaro é traidor. Sem dúvida.
Todos corretos uns sobre os outros. Ok.
Acrescente-se, entretanto, nova linha à
trama. Uma obviedade. Coroné Alcolumbre se vinga também — e não se fala a
respeito — de Rodrigo Pacheco, o rei posto, cuja presidência do Senado é
atrapalhada pelo engessamento da CCJ.
É preciso falar sobre o rei posto, o novo
Juscelino. Ou não estará posto? Há um passivo na mesa. E a conta não fecha sem
inocência. O rei morto destinou, no ano passado, quando rei vivo, pelo menos R$
320 milhões — em emendas do relator, a fachada para a circulação do orçamento
secreto — ao Amapá.
E o rei posto? Nada? Tem nada com as emendas
do relator? É rei desinteressado? Ou será somente reservado? (Como Pacheco se
relaciona com o sumido Bittar, o relator?) Porque, de repente, parece que o
orçamento secreto saiu do Senado com Alcolumbre da presidência. Ou que a
engrenagem continua girando na Casa, mas sem patrono. Orçamento discreto?
Orçamento secreto automático?
Saiu Alcolumbre, o guloso, e então Pacheco
abriu mão de controlar a grana? O rei posto não reina? Abdicou de reinar? O rei
desapegado. E aceitamos bem essa versão? Ou terá delegado?
Vinga-se Alcolumbre do governo, porque lhe
tomou o poder das distribuições. Mas não de juscelino Pacheco, herdeiro natural
dessa mão? Hum...
O estadista Pacheco, em rara união com o
patriota Arthur Lira, não tardou a se manifestar — em defesa da autonomia do
Legislativo — contra a liminar que suspendeu a execução das emendas do relator.
Nenhum interesse pessoal no protesto. Tudo pela separação entre Poderes. Daí
por que seja um dos articuladores — sempre em defesa das prerrogativas do
Parlamento, como Alcolumbre — de uma resolução do Congresso por meio da qual se
daria publicidade, nome aos bois, a deputados e senadores solicitantes das
emendas do relator.
Um sentido que encaminharia a solução para
o problema — ante o qual o STF exerceu o controle de constitucionalidade — da
transparência. Mas que não cuidaria da corrupção da isonomia, da
discricionariedade, essencialmente antirrepublicana, afronta à Constituição,
como bilhões do Orçamento têm sido movimentados para beneficiar os que votam
com o governo e os liras.
De modo que, do Rodrigo Pacheco em que se
tenta acreditar, um independente, o esperado seria um pronunciamento pela
restituição das emendas do relator a sua natureza técnica original: um recurso
para a promoção pontual de correções em erros materiais na Lei Orçamentária
Anual. Que tal?
É o que o mundo da fantasia espera do
presidenciável de Gilberto Kassab.
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