Valor Econômico
A forte alta da inflação mudou radicalmente
o panorama para os juros, o que terá consequências importantes para a atividade
econômica e para o custo da dívida pública
A economia brasileira entrou em 2021 com juros básicos de 2% ao ano e chegou a dezembro com a Selic em 9,25%. Nos primeiros meses de 2022, a taxa continuará a subir, podendo alcançar um nível próximo a 12%. A forte alta da inflação, devido a fatores externos e domésticos, mudou radicalmente o panorama para os juros, o que terá obviamente consequências importantes para a atividade econômica e para o custo da dívida pública no ano que vem - e também para os anos seguintes, caso o próximo governo não adote um programa fiscal crível, que enfrente o crescimento das despesas obrigatórias.
Em 2022, um ano eleitoral, os juros mais
altos deverão afetar o ritmo já fraco da economia, que recuou 0,4% no segundo
trimestre deste ano e 0,1% no terceiro, na comparação com o trimestre anterior.
Os números evidenciam uma economia estagnada. Como ressaltam os economistas do
Bradesco em relatório, “a economia brasileira perdeu tração antes mesmo da
manifestação dos efeitos da política monetária”. O ponto é que os efeitos de
mudanças nos juros ocorrem com defasagem de alguns meses -a Selic começou a ser
elevada em março.
“A perda
de fôlego da economia tem a ver com a piora da renda disponível em função da
aceleração da inflação”, observam os analistas do banco, que revisaram na
sexta-feira o crescimento para 2021 de 5,2% para 4,7% e mantiveram a projeção
para 2022 em 0,75%, mas reconhecendo que os riscos para o PIB no ano que vem
são para baixo. O Itaú Unibanco e o Credit Suisse esperam retração de 0,5% em
2022.
Os juros mais elevados vão encarecer
empréstimos e financiamentos. Com isso, empresas e famílias tenderão a ser mais
cautelosas em suas decisões de investimento e consumo, que já serão afetadas
pelas incertezas de um ano eleitoral. No caso dos consumidores, há o problema
adicional do alto nível de endividamento. Nesse cenário, um Auxílio Brasil com
um benefício médio de R$ 400 e que atinja um número maior de famílias do que o
Bolsa Família não deverá compensar o efeito negativo sobre a atividade de juros
altos, inflação ainda elevada e uma mercado de trabalho em recuperação lenta.
Mesmo o Bradesco, que está menos pessimista
que outros bancos e consultorias, vê um desempenho muito pior para o consumo
privado e o investimento no ano que vem. Para o primeiro, o banco estima uma
expansão de apenas 0,7%, bem abaixo dos 3,5% esperados para este ano. No caso
da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e
equipamentos, construção civil e inovação), a estimativa do Bradesco é de um
recuo de 6,6% em 2022, após um avanço de 15,5% neste ano.
A Selic mais alta terá um custo fiscal
pesado para o setor público. O Itaú Unibanco, que espera elevação da taxa até
11,75%, estima que as despesas com juros fiquem em 5,5% do PIB neste ano e em
8,2% do PIB no que vem, como se deduz a partir das previsões do banco para o
resultado primário (que não inclui gastos com juros) e o resultado nominal (que
inclui esses gastos). São números bem maiores que os 4,2% do PIB de 2020 e os
3,5% do PIB registrados nos 12 meses até junho deste ano. As despesas
financeiras do setor público já subiram para 4,48% do PIB nos 12 meses até
outubro, o equivalente a R$ 378,3 bilhões. Considerando o PIB nominal esperado
pelo Itaú Unibanco em 2022, de R$ 9,241 trilhões, os gastos com juros no ano
que vem, de 8,2% do PIB, equivalem a R$ 757,7 bilhões.
Mais despesas com juros e um crescimento menor
da economia vão contribuir para nova piora da trajetória do endividamento
público. A dívida bruta deve fechar 2022 em 86% do PIB, nas previsões do Itaú
Unibanco, depois de encerrar 2021 em 82,1% do PIB. Para a dívida líquida, que
exclui ativos como as reservas internacionais, a projeção do banco é que o
indicador vai terminar o ano que vem em 65,1% do PIB, acima dos 59,5% do PIB
deste ano. Em dezembro de 2020, o endividamento bruto ficou em 88,8% do PIB e o
líquido em 62,17% do PIB. A queda dos dois indicadores em 2021 se deveu em
grande parte à inflação mais alta, que aumentou a arrecadação e inflou o PIB em
termos nominais. Como se vê, essa melhora deve ficar para trás em 2022, dado o
cenário de juros maiores e desempenho pior da atividade.
A inflação mais alta neste ano se deve a
fatores como o aumento dos preços do petróleo e das commodities agrícolas, além
da energia elétrica mais cara, consequência da crise hídrica, e da retomada do
setor de serviços, com o avanço da vacinação. Problemas nas cadeias de produção
decorrentes da pandemia também pressionaram os preços, um fator global. O
governo, porém, também contribui para a inflação mais elevada. As incertezas
fiscais e políticas levam a um câmbio mais desvalorizado, impedindo que um real
mais forte atenue o impacto de commodities mais caras. Essa combinação fez a
inflação avançar com força, superando 10% no acumulado em 12 meses. Com a
elevada inércia inflacionária da economia brasileira, isso vai pesar sobre os
índices de preços em 2022.
Na visão da maior parte dos analistas, cortes da Selic tendem a ficar para o fim de 2022 ou começo de 2023. Para que a taxa possa cair para níveis mais baixos de modo sustentado, será fundamental a ajuda da política fiscal. Sem isso, a tarefa de controlar o custo de vida ficará apenas nas costas do Banco Central (BC). Na ausência de um arcabouço crível para as contas públicas, o BC terá mais trabalho para manter a inflação numa trajetória compatível com as metas definidas para os próximos anos, que apontam para um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cadente, de 3,75% em 2021, 3,5% em 2022, 3,25% em 2023 e 3% em 2024. Em futuros ciclos de baixa da Selic, a queda da taxa será limitada, se não houver mecanismos claros para conter a expansão das despesas públicas. A credibilidade do teto de gastos foi por terra com as manobras promovidas pelo governo de Jair Bolsonaro e pelo Congresso para elevar o valor do Auxílio Brasil, adiar o pagamento de parte dos precatórios e garantir um volume expressivo de emendas parlamentares. A partir de 2023, será preciso uma âncora fiscal que enfrente o avanço dos gastos obrigatórios e abra espaço para alguma recuperação do investimento público. Sem isso, o país não terá juros de um dígito de modo sustentado, o que terá repercussões negativas duradouras para a economia.
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