O Globo
O ano se encerra com mais uma das
melancólicas polêmicas entre o negacionismo e a ciência. O tema, estimulado
pela variante Ômicron, é a exigência de um passaporte sanitário para a entrada
de estrangeiros no Brasil.
Bolsonaro é contra e disse que a Anvisa
queria fechar o espaço aéreo brasileiro, uma conclusão absurda diante de um
conselho mais que sensato. O ministro da Saúde foi mais longe com sua frase
bombástica: “É melhor perder a vida do que a liberdade”.
Não dá para argumentar com pessoas tão fora
da realidade. São tão malucos que diziam no princípio que o passaporte
sanitário era ruim para a economia.
Acham que os turistas preferem mesmo os lugares onde não há preocupações sérias com a segurança. Supõem que a maioria das pessoas prefere viajar num mesmo avião com passageiros não vacinados e compartilhar hotéis, restaurantes, passeios com esses mártires da liberdade, que, na verdade, preferem morrer a se vacinar.
A solução econômica que encontraram é
determinar quarentena de cinco dias para quem não for vacinado. Ao cabo desse
período, eles podem não ter o vírus, mas continuarão não vacinados; portanto,
vulneráveis, aumentando o risco coletivo.
Se fôssemos argumentar com o mesmo grau de
absurdo, deveríamos lembrar as intensas campanhas que o Brasil fez contra a
prostituição infantil. O país dizia claramente nos cartazes e na própria
atuação da PF que era uma prática condenável, passível de cadeia. Os
estrangeiros que vinham para o Nordeste fazer turismo sexual não eram
bem-vindos. Era um tipo de liberdade que violava as leis nacionais. E os
eventuais dólares que gastavam aqui não justificam nenhum nível de tolerância
com suas práticas.
Quem recusa a vacina não entra em choque
com a lei. Mas precisa assumir as consequências de sua decisão. Não é racional
a frase de Queiroga, creio que ele dá uma banana para a racionalidade, que
condena a discriminação aos não vacinados.
Bolsonaro diz que é Flamengo, algo em que
não acredito, pois é apenas um caçador de votos. Se quiser visitar o clube de sua
hipotética predileção, será justamente barrado. Ali, a norma é a aceitação de
vacinados.
Dentro desse delírio negacionista, Onyx
Lorenzoni queria impedir as empresas de exigir a vacinação de funcionários.
Todas essas bobagens são ditas em nome da liberdade.
Existe a possibilidade de a variante
Ômicron não ser tão pesada assim. Mas é necessário lembrar que no Hemisfério
Norte ainda há ondas de contágio. Estão entrando no inverno e, possivelmente,
veio da lá a influenza que se propaga rapidamente no Rio.
Talvez seja a última batalha do
negacionismo, essa do passaporte. Bolsonaro tentou desacreditar a vacina,
investiu contra a CoronaVac, insinuou que a Pfizer nos transformaria em jacaré.
Apesar de todo o esforço negacionista, a
enxurrada de fake news na rede, a vacinação no Brasil tem sido um sucesso.
Jornais da Alemanha mencionam esse êxito.
Derrotados em todas as linhas, os homens do
governo investem contra o passaporte sanitário. A fórmula que encontraram para
aceitar não vacinados pelo menos encarecerá em mais ou menos US$ 300 a estadia
no Brasil, pois devem ficar isolados cinco dias.
No fundo, Bolsonaro e Queiroga sabem que,
ao transferir o controle da quarentena para os municípios, o controle será
missão impossível. Importante que seus turistas não vacinados não acreditem
nisso. Suponhamos que algumas prefeituras se dediquem realmente à tarefa de
controle. Voltarão arrependidos.
Aliás, os mais espertos perceberão que um
governo que luta até a morte pela sua liberdade não é assim tão fanático, ao
propor uma semana de prisão num quarto de hotel. Bolsonaro e seu ministro da
Saúde simplesmente se enrolam na própria teimosia, são incapazes de ver o rumo
da luta contra a pandemia no mundo.
Bolsonaro merecidamente deveria ser
escolhido o idiota do ano. E nem poderia reclamar, pois é um título ainda suave
para descrever sua performance.
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