Valor Econômico
País viveu nos últimos 50 anos um incrível
processo de reformas estruturais tanto na economia como na estrutura social
Tenho procurado nas minhas colunas para
o Valor equilibrar
uma análise crítica dos problemas que enfrentamos na economia com uma visão
construtiva sobre as mudanças estruturais que ocorrem há várias décadas e que
têm permitido ao Brasil superar suas crises sequenciais. Nos últimos meses este
exercício tem sido muito difícil pois vivemos um Zeitgeist ultra negativo
principalmente entre os agentes do mercado financeiro e parte da imprensa
especializada.
Tenho maturidade e experiência suficiente
para entender a razão deste comportamento crítico sobre as coisas da economia.
Ele está associado a uma rejeição muito forte à forma de governar do presidente
Bolsonaro e, de seu “alter ego” na economia, o ministro Paulo Guedes. O então
todo poderoso Posto Ipiranga parece, no momento, um fantasma acuado pelo
fracasso de sua gestão da economia neste final de mandato presidencial.
Seu erro inicial foi ter criticado seus antecessores ao dizer que iria mostrar à sociedade como deve agir um ministro da Economia reformista e compromissado com o pensamento liberal. Sua afirmação que mais o desmoralizou foi a crítica radical às chamadas privatizações tucanas e a promessa de obter mais de US$ 1 trilhão em uma nova rodada de privatizações. Mas vamos deixar o ministro Paulo Guedes vagar solitário em seus domínios no Ministério da Economia em Brasília e voltar ao tema central de minha coluna de hoje.
Vivemos pela primeira vez, depois do
período da ditadura militar, a experiência de um governo reacionário e que
pretende impor seus valores de ódio e radicalização a uma sociedade plural e
democrática como a brasileira. Seu discurso na campanha eleitoral contra a
política tradicional, identificada por ele como responsável pela corrupção no
Brasil, traz claramente a marca do engodo e da mentira depois de sua associação
com o chamado Centrão.
Não por outra razão o apoio ao governo está
hoje restrito a menos de um quarto da população que divide com Bolsonaro os
valores de uma direita antidemocrática e radical nos seus costumes. Não preciso
ser pitonisa para afirmar que o período Bolsonaro terá sido apenas um sonho
ruim que será esquecido. Por isto tenho ressaltado o caráter ainda funcional e
inovador da nossa economia e, diferentemente da opinião de muitos, que ela vai
sobreviver e voltar ao nosso histórico de crescimento.
Talvez para mim essa leitura mais otimista
seja mais fácil pois vivi os últimos cinquenta anos - seja como observador seja
como protagonista - um incrível processo de reformas estruturais tanto na
economia como na estrutura social. Os economistas mais jovens não viveram
momentos sequenciais de grande pessimismo, mas que foram seguidos por vitórias
sempre incríveis como o Plano Cruzado. Olhando apenas para o curto prazo, por
exemplo, não conseguem valorizar as reformas pontuais do passado para se chegar
à nova e extremamente liberal legislação cambial.
Da mesma forma receberam como “sem nenhuma
relevância” a decisão recente do STF em reconhecer como constitucional a
legislação sobre o investimento privado na área do saneamento, encerrando o
monopólio de décadas das prefeituras neste setor. Posso adicionar ainda a este
meu roteiro a manchete do Estadão da última sexta feira, destacando que a nova
legislação do setor ferroviário vai permitir o investimento privado depois de
mais de cem anos. Ou mesmo a recente, mas já esquecida, independência formal e
operacional do Banco Central, luta de várias gerações de economistas e que nem
mesmo a ditadura militar teve coragem de implementar.
Mesmo a grande questão que fundamenta o
pessimismo atual - as mudanças nas regras do chamado Teto de Gastos - precisa
de uma melhor qualificação para evitar ser apenas uma histeria ideológica.
Procurei fazer isto na minha coluna no Valor de outubro passado, mas sem ter conseguido
grande êxito pois o assunto continua a fazer parte do dia a dia de entrevistas
e colunistas especializados. Mas continuo convencido de que estou certo e vou
levar esta luta adiante, via minhas postagens no Twitter.
Para encerrar este nosso encontro quero
confessar minha grande fonte de preocupação com o futuro: o sistema político
brasileiro que tem andado nos últimos anos - diferentemente da economia - para
trás e que se deteriorou ainda mais no período Bolsonaro. Temos uma democracia
totalmente disfuncional pois os partidos políticos que devem representar todos
nós - com pouquíssimas exceções - são apenas grupelhos de indivíduos que buscam
para si e para seus companheiros interesses menores.
A funcionalidade do sistema representativo
piorou muito desde a Constituinte de 1988 na medida em que líderes formados na
luta pela redemocratização foram saindo de cena e sendo substituídos por
políticos sem ideologia e formados na manipulação de setores da opinião
pública. O que mantém ainda este sistema é um erro terrível de leitura que está
na Constituição e que faz uma leitura errada da representatividade e liberdade
política em uma sociedade democrática com o exercício totalmente livre da
atividade política por um grupo de pessoas.
Esta característica disfuncional do
Parlamento chega ao Executivo via necessidade da construção de uma base
parlamentar forte para aprovar as ações de governo e, no limite, evitar o
impeachment que virou nos últimos anos um instrumento de ação política.
Certamente vamos ter que enfrentar proximamente esta questão, mas para ter
algum êxito terá que ser liderada por um presidente da República legitimamente
eleito, forte e comprometido com uma reforma política que nos liberte do
Centrão e outros grupamentos políticos semelhantes.
*Luiz Carlos Mendonça de
Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi
presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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