segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Brasil: um país que anda para frente

Valor Econômico

País viveu nos últimos 50 anos um incrível processo de reformas estruturais tanto na economia como na estrutura social

Tenho procurado nas minhas colunas para o Valor equilibrar uma análise crítica dos problemas que enfrentamos na economia com uma visão construtiva sobre as mudanças estruturais que ocorrem há várias décadas e que têm permitido ao Brasil superar suas crises sequenciais. Nos últimos meses este exercício tem sido muito difícil pois vivemos um Zeitgeist ultra negativo principalmente entre os agentes do mercado financeiro e parte da imprensa especializada.

Tenho maturidade e experiência suficiente para entender a razão deste comportamento crítico sobre as coisas da economia. Ele está associado a uma rejeição muito forte à forma de governar do presidente Bolsonaro e, de seu “alter ego” na economia, o ministro Paulo Guedes. O então todo poderoso Posto Ipiranga parece, no momento, um fantasma acuado pelo fracasso de sua gestão da economia neste final de mandato presidencial.

Seu erro inicial foi ter criticado seus antecessores ao dizer que iria mostrar à sociedade como deve agir um ministro da Economia reformista e compromissado com o pensamento liberal. Sua afirmação que mais o desmoralizou foi a crítica radical às chamadas privatizações tucanas e a promessa de obter mais de US$ 1 trilhão em uma nova rodada de privatizações. Mas vamos deixar o ministro Paulo Guedes vagar solitário em seus domínios no Ministério da Economia em Brasília e voltar ao tema central de minha coluna de hoje.

Vivemos pela primeira vez, depois do período da ditadura militar, a experiência de um governo reacionário e que pretende impor seus valores de ódio e radicalização a uma sociedade plural e democrática como a brasileira. Seu discurso na campanha eleitoral contra a política tradicional, identificada por ele como responsável pela corrupção no Brasil, traz claramente a marca do engodo e da mentira depois de sua associação com o chamado Centrão.

Não por outra razão o apoio ao governo está hoje restrito a menos de um quarto da população que divide com Bolsonaro os valores de uma direita antidemocrática e radical nos seus costumes. Não preciso ser pitonisa para afirmar que o período Bolsonaro terá sido apenas um sonho ruim que será esquecido. Por isto tenho ressaltado o caráter ainda funcional e inovador da nossa economia e, diferentemente da opinião de muitos, que ela vai sobreviver e voltar ao nosso histórico de crescimento.

Talvez para mim essa leitura mais otimista seja mais fácil pois vivi os últimos cinquenta anos - seja como observador seja como protagonista - um incrível processo de reformas estruturais tanto na economia como na estrutura social. Os economistas mais jovens não viveram momentos sequenciais de grande pessimismo, mas que foram seguidos por vitórias sempre incríveis como o Plano Cruzado. Olhando apenas para o curto prazo, por exemplo, não conseguem valorizar as reformas pontuais do passado para se chegar à nova e extremamente liberal legislação cambial.

Da mesma forma receberam como “sem nenhuma relevância” a decisão recente do STF em reconhecer como constitucional a legislação sobre o investimento privado na área do saneamento, encerrando o monopólio de décadas das prefeituras neste setor. Posso adicionar ainda a este meu roteiro a manchete do Estadão da última sexta feira, destacando que a nova legislação do setor ferroviário vai permitir o investimento privado depois de mais de cem anos. Ou mesmo a recente, mas já esquecida, independência formal e operacional do Banco Central, luta de várias gerações de economistas e que nem mesmo a ditadura militar teve coragem de implementar.

Mesmo a grande questão que fundamenta o pessimismo atual - as mudanças nas regras do chamado Teto de Gastos - precisa de uma melhor qualificação para evitar ser apenas uma histeria ideológica. Procurei fazer isto na minha coluna no Valor de outubro passado, mas sem ter conseguido grande êxito pois o assunto continua a fazer parte do dia a dia de entrevistas e colunistas especializados. Mas continuo convencido de que estou certo e vou levar esta luta adiante, via minhas postagens no Twitter.

Para encerrar este nosso encontro quero confessar minha grande fonte de preocupação com o futuro: o sistema político brasileiro que tem andado nos últimos anos - diferentemente da economia - para trás e que se deteriorou ainda mais no período Bolsonaro. Temos uma democracia totalmente disfuncional pois os partidos políticos que devem representar todos nós - com pouquíssimas exceções - são apenas grupelhos de indivíduos que buscam para si e para seus companheiros interesses menores.

A funcionalidade do sistema representativo piorou muito desde a Constituinte de 1988 na medida em que líderes formados na luta pela redemocratização foram saindo de cena e sendo substituídos por políticos sem ideologia e formados na manipulação de setores da opinião pública. O que mantém ainda este sistema é um erro terrível de leitura que está na Constituição e que faz uma leitura errada da representatividade e liberdade política em uma sociedade democrática com o exercício totalmente livre da atividade política por um grupo de pessoas.

Esta característica disfuncional do Parlamento chega ao Executivo via necessidade da construção de uma base parlamentar forte para aprovar as ações de governo e, no limite, evitar o impeachment que virou nos últimos anos um instrumento de ação política. Certamente vamos ter que enfrentar proximamente esta questão, mas para ter algum êxito terá que ser liderada por um presidente da República legitimamente eleito, forte e comprometido com uma reforma política que nos liberte do Centrão e outros grupamentos políticos semelhantes.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. 

 

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