segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

O que pensa a mídia - Editoriais /Opiniões

EDITORIAIS

Constitucionalização da infâmia

O Estado de S. Paulo.

A ideia de que a subversão da ordem jurídica e o abandono da âncora fiscal eram indispensáveis para ajudar os pobres é falsa, e os pobres pagarão por isso

O Congresso promulgou parte da PEC dos Precatórios. Convenientemente, foi deixada de fora a emenda aprovada pelo Senado que vincula os espaços fiscais adicionais exclusivamente a gastos sociais. O heterodoxo “fatiamento” coroa a manobra que nasceu antirrepublicana não só nos meios, como nos fins.

Consolidou-se, não apenas no Planalto e no Congresso, mas em parte da opinião pública, a ideia de que o teto de gastos era um fetiche liberal insustentável. Ironicamente, posicionar-se contra a PEC do presidente que outrora vilanizava sistematicamente os programas de assistência social equivaleria a ser antipobre. Era preciso escolher o mal menor: ou o calote e a pedalada ou o abandono de milhões à miséria. Essa narrativa foi desmentida reiteradas vezes pelos especialistas em contas públicas.

Não é apenas que o governo tenha negligenciado desde o princípio promessas obtusas da campanha que poderiam ter aliviado os pobres ou gerado espaço fiscal, como a implementação de uma tributação mais progressiva ou uma reforma administrativa que tornasse a máquina pública mais eficiente e menos onerosa. Nem que tenha ignorado propostas parlamentares projetadas para compatibilizar novos gastos sociais com a sustentação do arcabouço fiscal, como a PEC 182/19 ou o Projeto de Lei de Responsabilidade Social.

O fato é que mesmo depois da pandemia, o governo ignorou pelo menos quatro alternativas sugeridas por sua própria equipe econômica para viabilizar o Auxílio Brasil sem furar o teto: revisar as despesas com abono salarial, com o seguro-defeso, com o seguro-desemprego ou com subsídios fiscais.

A Instituição Fiscal Independente do Senado apontou que seria possível dobrar o valor dos auxílios fixados na proposta do Orçamento de 2022 com cortes nas despesas de custeio, a correção da contabilização dos precatórios do Fundef/fundeb e o direcionamento de metade das emendas parlamentares para o social.

Os senadores José Aníbal (PSDB-SP), Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentaram emendas que garantiriam R$ 99 bilhões ao social, podendo beneficiar 21 milhões de brasileiros com R$ 400 por mês.

Há gente séria pensando no País. Todas essas propostas permitiram robustecer expressivamente os gastos sociais ao abrigo do teto. Mas justamente esse era o inconveniente. O teto foi projetado para forçar a arena política a debater e a avaliar sistematicamente os gastos públicos. Mas isso atenta contra os propósitos do governo e seus aliados fisiológicos: ampliar despesas sem economizar um centavo.

Ao contrário, a pretexto de ajudar os pobres, o dinheiro dos cofres públicos e aquele “poupado” com o calote aos credores dos precatórios servirão para bancar, em ano eleitoral, mais emendas parlamentares (algumas tão escusas que chegaram a ser suspensas pelo STF), fundos partidários e eleitorais, benefícios corporativos (como bolsa-caminhoneiro) ou aumentos ao funcionalismo. Com o teto despedaçado, o céu é o limite.

A PEC constitucionalizou não só o descumprimento de sentenças judiciais, mas, como disse o senador José Serra, o princípio do “orçamento-ficção”. Com a nova regra de cálculo da inflação (de janeiro a dezembro), o limite de gastos anual será determinado com base em estimativas. Os Orçamentos passarão a ser aprovados ao sabor de especulações. A cada ano, uma nova bomba fiscal.

Ao constitucionalizar a subversão da ordem jurídica e consagrar a irresponsabilidade fiscal, a PEC impacta a credibilidade e a segurança jurídica do País, hipotecando seu futuro. A fatura não tardará a chegar e parte já está sendo paga. A bola de neve dos precatórios pode criar um passivo de R$ 850 bilhões até 2026. O custo para o Tesouro tomar empréstimos do mercado crescerá cada vez mais. Os juros previstos para os próximos 10 anos já estão em 12% ao ano. As chances de crescimento derretem a olhos vistos e uma crise social prolongada se desenha no horizonte.

A amarga ironia é que justamente os pobres, que serviram de pretexto para toda essa patranha, serão os mais penalizados.

Governos ruins temem a realidade

O Estado de S. Paulo

O que se pretende com a criação da Secretaria Especial de Estudos Econômicos é, em português cristalino, subjugar o IBGE e o Ipea

O ministro da Economia, Paulo Guedes, não tem poder para alterar os dados da realidade que desmentem um Brasil inventado sob medida para suas palestras e entrevistas, no qual só ele parece acreditar. Ao invés de assumir o cargo de uma vez por todas e trabalhar para tornar perceptível para os brasileiros aquele país fiscalmente responsável, que não para de crescer e gerar empregos, Guedes, ao contrário, parece disposto a insistir na fantasia. É o que se conclui do anúncio de criação de uma nova secretaria especial do Ministério da Economia que tem tudo para servir de fonte oficial dos chamados “fatos alternativos”.

No dia 3 passado, Guedes anunciou que pretende criar “em breve” o que chamou de “think tank” para produzir relatórios, estudos e dados para o governo. Trata-se de uma nova secretaria especial da pasta – chamada de “Secretaria Especial de Estudos Econômicos”, a cargo do atual secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida – que abrigará sob uma mesma estrutura administrativa o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a atual Secretaria de Assuntos Econômicos, além de incorporar o departamento de estudos microeconômicos da Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade (Sepec). O ministro ainda não disse como pretende viabilizar a união desses órgãos do ponto de vista legal.

Dado o histórico de Paulo Guedes no Ministério da Economia, uma espécie de Midas às avessas, a medida tem tudo para dar errado, a começar pelo objetivo de fundo que a inspira. É evidente que a intenção de Guedes com a nova secretaria especial não é outra senão intervir diretamente na produção do IBGE e do Ipea, hoje duas usinas de más notícias para o governo federal. Guedes é um notório crítico de instituições que publicam dados que desagradam a ele ou ao presidente da República. No entanto, o ministro não compreende – ou não quer compreender – que se há dados negativos para o governo federal é porque o próprio governo os produz aos borbotões.

Há muitas décadas, tanto o IBGE como o Ipea são centros de excelência na produção de relatórios, estudos e dados que ajudam a compreender o Brasil e que servem de material fidedigno para a formulação de políticas públicas nas mais variadas áreas. Os relatórios do IBGE, por exemplo, fornecem informações relevantíssimas nos campos da demografia, do trabalho, da saúde, da educação, do comércio e da indústria, entre outros. Qualquer debate sério no País sobre desigualdade e distribuição de renda passa, necessariamente, pelos estudos elaborados pelos economistas do Ipea. Nem durante o período da ditadura militar houve intervenções nestes dois órgãos para moldar o resultado de seus estudos aos interesses de ocasião do governo federal. No pior dos casos, os dados eram “apenas” ignorados.

Como se vê, não faz sentido o ministro Paulo Guedes defender a criação de uma “fábrica de ideias e estudos”, pois ela já existe. O governo do qual faz parte é que não gosta das ideias e dos estudos que a “fábrica” produz. Portanto, o que o governo do presidente Jair Bolsonaro pretende é muito diferente. Pouco a pouco, Bolsonaro está convertendo – ou tentando converter – órgãos de Estado e de governo em estruturas próprias para o atendimento de seus interesses particulares. Foi assim com a Procuradoria-Geral da República, foi assim com a Polícia Federal, foi assim a Agência Brasileira de Inteligência, entre tantos outros órgãos vinculados a Ministérios. O que se pretende com a criação da Secretaria Especial de Estudos Econômicos é, em português cristalino, subjugar o IBGE e o Ipea.

A mera intenção de fazê-lo já diz muito sobre este governo que aí está. Contudo, trata-se de uma medida de difícil implementação no prazo de um ano, tempo que falta para o término do mandato de Bolsonaro. Caso o presidente não seja reeleito, é muito provável que a nova secretaria especial deixe de existir ou sirva a melhores propósitos. Já se Bolsonaro for reeleito o País tem muito mais a temer.

Dólar livre

Folha de S. Paulo

Projeto que abre o câmbio merece a sanção, mas regulamentação inspira cuidados

Mesmo considerando a necessidade de regulamentação cautelosa de alguns mecanismos, é em geral positivo o projeto de modernização do mercado de câmbio aprovado pelo Congresso, que segue agora para a sanção presidencial.

A nova legislação consolida uma série de regras dispersas, elaboradas ao longo de décadas em que o país viveu num regime de escassez de capital estrangeiro e de crises recorrentes nas contas externas, condições que levaram a um progressivo fechamento do mercado.

A liberalização iniciada nos anos 1990 foi profunda, e agora o processo tem novo avanço. Essencialmente, as novas normas buscam simplificar as transações em moeda estrangeira e facilitar as operações com reais no exterior.

Um ganho importante é a maior flexibilidade para o uso de receitas com exportações, hoje restrito ao pagamento de obrigações do próprio exportador ou investimentos. Nos últimos anos já havia caído a obrigação de repatriar os recursos, mas agora ficam permitidas finalidades como empréstimos.

Também fica autorizada a abertura de contas em reais em bancos no exterior, tornando possível cumprir ordens de pagamento de modo mais eficiente. Embora a demanda por moeda nacional dependa em ultima instância da qualidade da gestão econômica doméstica, abre-se um espaço promissor.

Não procedem as críticas de que haverá menor transparência nas transações, que continuam a ser fiscalizadas pelo Banco Central.

Crucialmente, permanece a exigência de que todas as operações transitem pelas instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio, sendo vedada a compensação privada de créditos ou valores entre residentes e não residentes.

Um tema que merece mais reflexão é o risco de dolarização da economia, que pode decorrer de duas inovações do projeto. Uma delas é a abertura e a movimentação de conta em moeda estrangeira por residentes. Outro é o potencial espaço para referenciar contratos para liquidação em dólar e outras divisas em território nacional.

Algumas dessas possibilidades são defensáveis, como nos contratos de arrendamento mercantil com recursos captados no exterior. Entretanto existe a previsão um tanto ampla de que o Conselho Monetário Nacional possa permitir que se estipule pagamento em moeda estrangeira em certas situações para mitigar risco cambial e ampliar a eficiência do negócio.

A abertura cambial é sem dúvida desejável para o país, mas a regulamentação, que ficará a cargo do Banco Central, deve levar em conta deficiências locais de qualidade institucional e solidez da política econômica, sob pena de ampliar os riscos de instabilidade.

O exemplo de NY

Folha de S. Paulo

Em país onde Covid foi politizada, cidade faz ofensiva marcante pela vacinação

O prefeito democrata de Nova York, Bill de Blasio, intensificou de forma drástica a resposta à pandemia. Em iniciativa inédita nos Estados Unidos, anunciou que a cidade passaria a exigir vacinação de todos os funcionários do setor privado, além de comprovante de imunização de crianças a partir de 5 anos em locais fechados.

Dias depois, na sexta-feira (10), a governadora do estado, a também democrata Kathy Hochul, decidiu que o uso de máscaras em áreas públicas como restaurantes e lojas passaria a ser obrigatório caso não fosse exigida a vacinação para ingresso, sob pena de multa de até US$ 1.000 e outras sanções.

A menção ao partido dos dois governantes se faz relevante. Nos Estados Unidos, como se sabe, a gestão da crise sanitária foi politizada —como no Brasil e em grande parte do mundo. Setores conservadores, quando não negacionistas, ligados ao Partido Republicano, opõem-se a medidas restritivas e à imunização.

Como de hábito, os recalcitrantes invocam o valor das liberdades individuais para sustentar suas opções. Deveria ser ocioso observar que nesse caso está em jogo, isso sim, o interesse coletivo.

O exemplo da cidade mais cosmopolita do mundo, assim, ganha dimensão maior. Dada a importância da indústria do turismo para Nova York e o papel crucial de pequenos negócios na economia estadual, as medidas não são triviais.

A metrópole foi um dos epicentros globais da Covid-19 em 2020, numa tragédia retratada em recente série documental pelo cineasta Spike Lee. Já o estado tem registrado, nas últimas duas semanas, um aumento de 43% no número de casos e de 37% no de internações.

A vacinação completa, de 70% se consideradas todas as idades e de 88% em pessoas acima de 65 anos, ainda é desigual, com algumas regiões rurais apresentando cifras significativamente menores.

Com a chegada do inverno e as temperaturas baixas levando os nova-iorquinos para locais fechados, além das variantes delta e ômicron em circulação, políticas de prevenção são cruciais. O teste de PCR, por exemplo, é oferecido gratuitamente em locais públicos.

O presidente Joe Biden, ademais, anunciou que será exigido de viajantes internacionais teste negativo para Covid-19 realizado um dia antes do embarque (e não mais três dias), além de vacinação completa. O enfrentamento da pandemia exige, por óbvio, medidas integradas.

Devastação torna Amazônia refém do atraso e da pobreza

O Globo

Um estudo do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) desmistifica a ideia de que a destruição das florestas abre caminho para o desenvolvimento — tese descabida, mas que ainda arregimenta muitos seguidores. A pesquisa, que analisa o Índice de Progresso Social (IPS) nos 772 municípios da Amazônia Legal, mostra que as cidades que mais desmatam são também as que oferecem as piores condições de vida a seus moradores. Desmatamento e garimpo ilegal estão ligados a uma economia tíbia, ao baixo desenvolvimento e à pobreza.

O IPS varia de zero a cem — quanto maior, melhor — e leva em conta 45 indicadores, como mortalidade infantil, moradia, saneamento, saúde, educação, segurança, comunicação e qualidade do meio ambiente. Os 20 municípios com mais área desmatada nos últimos três anos apresentam, segundo o Imazon, IPS médio de 52,38, inferior à média nacional (63,29) e à da Amazônia (54,59). A cidade de Altamira (PA), recordista de desmatamento nos últimos três anos, tem IPS de 53,95. Com IPS de 52,94, São Félix do Xingu (PA), a segunda no ranking de devastação, emite mais carbono do que São Paulo, maior metrópole do país.

Trata-se de um ciclo vicioso. A destruição do meio ambiente degrada as condições de vida, gera violência — a associação entre garimpeiros e narcotraficantes é uma realidade —, esgota recursos naturais, afasta investidores e condena essas cidades à pobreza. “O que trava [o progresso] é o descalabro ambiental”, afirma Beto Veríssimo, cofundador do Imazon e um dos responsáveis pelo estudo. “A Amazônia conviveu nas últimas quatro décadas com o desmatamento, que não entregou nem progresso social nem desenvolvimento econômico.”

A questão social costuma ser usada como pretexto para perpetuar a destruição. Um exemplo ocorreu na operação para reprimir o garimpo ilegal no Rio Madeira, depois que correram mundo as imagens da “cidade” flutuante formada por balsas de garimpeiros clandestinos. Como é praxe, os equipamentos foram queimados pelos fiscais, para que não voltassem a ser usados. Foi o suficiente para que prefeitos da região condenassem a ação, alegando um problema social, já que as balsas representavam o sustento de centenas de famílias ribeirinhas. Só que a atividade era irregular e poluía o rio com mercúrio. O apoio político explica por que essas atividades prosperam.

Não se pode justificar a destruição de florestas e a contaminação de rios sob a alegação de que a justa repressão causaria um problema social. O estudo do Imazon mostra que as atividades ilegais em nada contribuem para melhorar a qualidade de vida das populações. Ao contrário. Servem somente para enriquecer os donos dos negócios ilícitos, alguns com extensa ficha criminal.

Não é fazendo vista grossa para atividades predatórias que se resolverá a questão ambiental, tampouco a social. O problema não diz respeito só aos moradores da região, mas a todos os brasileiros, já que a destruição na Amazônia tem impacto no regime de chuvas e no clima de todo o país. É preciso combater o desmatamento e o garimpo ilegal sem tergiversar. Ao mesmo tempo, incentivar atividades que mantenham a floresta de pé. Ou a Amazônia, rica em biodiversidade, estará condenada a um futuro de degradação e pobreza.

Desigualdade social se mantém alta, e combatê-la deve ser prioridade

O Globo

Estudo divulgado na semana passada pelo World Inequality Lab, do economista Thomas Piketty, coloca o Brasil em segundo lugar entre as 20 maiores economias do mundo com maior desigualdade de renda, atrás somente da África do Sul. No ranking mundial, estamos na 11ª posição. Aqui, os 10% mais ricos detêm 59% da renda, e a metade mais pobre fica com apenas 10%. O último Relatório da Desigualdade Mundial ressalta que esse quadro é uma marca brasileira. Mesmo contando os períodos em que houve redução da desigualdade, os 10% mais ricos sempre tiveram mais que 50% da renda.

Todos — pobres e ricos — perdem com essa situação. Países com grande desigualdade tendem a ser os mesmos onde a mobilidade social entre gerações é baixa. Neles, quem nasce na metade inferior da pirâmide social tem chance muito grande de que seus filhos, quando adultos, estejam na mesma situação. Tal fenômeno passou a ser conhecido como a “Curva Grande Gatsby”, alusão criada por Alan Krueger, assessor econômico de Barack Obama, em referência ao romance de F. Scott Fitzgerald que retrata o período da Grande Depressão sob a ótica da aristocracia americana.

Numa espécie de termômetro, zero significa uma situação hipotética em que a renda dos pais não tem efeito na renda futura dos filhos — o equivalente à total igualdade de oportunidades. No outro extremo, cem quer dizer que o desempenho econômico dos pais determina totalmente o futuro da prole. De acordo com o economista Bhash Mazumder, do banco central americano, o número na Dinamarca é 15. No Brasil, um dos mais altos, 70.

O elevador destinado aos brasileiros mais pobres não chega, com raras exceções, a andares mais próximos do topo porque os melhores empregos são uma espécie de cadeira cativa dos mais ricos, que em geral receberam mais cuidados e uma educação muito melhor. Uma sociedade em que a situação de um indivíduo depende pouco do talento e do esforço é moralmente condenável. Além de injusta, é economicamente ineficiente. Há conexão entre maior inclusão e produtividade.

Os instrumentos para buscar a maior igualdade de oportunidades são todos conhecidos do governo, que, por sinal, adora usar a expressão “igualdade de oportunidades”. A atual administração sabe que deve: 1) atacar a pobreza extrema e criar programas compensatórios para nivelar a formação e as condições dos menos favorecidos; 2) reforçar programas em que agentes comunitários ensinam pais e cuidadores a brincar com crianças pequenas para, assim, desenvolver o cérebro delas; 3) melhorar a educação.

O governo está tão ciente de tudo isso que lança programas com esses objetivos. O crime de lesa-pátria — como demonstra mais uma vez o recém-lançado e puramente eleitoreiro Auxílio Brasil — é que tudo não passa de conversa fiada.

Nova lei avança na liberalização cambial

Valor Econômico

Novo marco legal assegura salvaguardas para o país lidar com fluxos desestabilizadores de capitais estrangeiros

O projeto da nova lei cambial, aprovado na semana passada no Senado, é um avanço importante para dar racionalidade, segurança jurídica e eficiência nos negócios em moeda estrangeira. O novo dispositivo representa mais um passo na direção da liberalização cambial. Mas assegura salvaguardas para o país lidar com fluxos desestabilizadores de capitais estrangeiros e para combater eventuais crises no balanço de pagamentos.

Um dos aspectos mais importantes do projeto, que ainda deve ir para sanção presidencial, é reunir em um único texto mais de 40 instrumentos legais dispersos. Muitos desses dispositivos são contraditórios entre si, criando um ambiente de insegurança jurídica e impondo custos desnecessários.

O mais antigo deles é a Lei nº 4.182, de 1920, que manda que a fiscalização coíba o chamado “jogo do câmbio” - uma expressão que, se fazia sentido na época em que o diploma legal foi editado, acabou se perdendo em um século de vigência.

Ganhos importantes de eficiência devem ocorrer com a autorização, no projeto, para que os bancos concedam financiamentos no exterior para importadores de produtos brasileiros. Outra novidade é a permissão para que fintechs também atuem no mercado primário de câmbio, quebrando a exclusividade de instituições financeiras.

Com a nova lei, o Banco Central poderá criar um sistema de registro mais simples para investimentos estrangeiros de pequeno valor. Hoje, há uma barreira burocrática para o ingresso de dólares de investidores que aplicam nas plataformas eletrônicas de negociação. O sistema mais complexo de registro seria reservado apenas para os grandes investidores, que movimentam fluxos de capitais maiores e, potencialmente, desestabilizadores.

O projeto, como um todo, representa um aprofundamento na liberalização da conta de capitais. O Brasil progrediu muito desde a década de 1980, quando havia uma tendência de criminalizar as operações com moeda estrangeira e os cidadãos eram empurrados para o mercado negro de dólar.

Esse avanço ocorreu por meio de medidas infra-legais, em geral do Conselho Monetário Nacional (CMN), como a que deu maior liberdade para a movimentação de contas CC5; a que unificou os mercados livre e flutuante do dólar; a que declarou todas as operações de câmbio legítimas, desde que amparadas por fundamentação econômica e por documentação; e a que virtualmente extinguiu a cobertura cambial, que era a obrigação de os exportadores trazerem ao Brasil as divisas de suas vendas externas.

Todos esses avanços ocorreram sem que o Brasil abrisse mão de sua posição histórica em favor do controle dos fluxos de capitais, que em algumas situações podem ser desestabilizadores. Quem avançou nesse quesito foram os organismos multilaterais, que antes pregavam a plena liberdade nos fluxos cambiais, que causou crises monumentais nos países emergentes.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) passou a aceitar que seus membros imponham controles de capitais, desde que observado o sequenciamento correto. Primeiro, é preciso corrigir desequilíbrios macroeconômicos, depois adotar medidas macroprudenciais e apenas como último recursos os controles de capitais. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também reconhece a validade dos controles de fluxos de capitais, dentro dos princípios delineados em seu código sobre o tema.

A lei cambial delega ao Banco Central os instrumentos para, quando necessário, adotar medidas variadas de controle de capitais. O instrumento mais usado no passado recente, a imposição de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no ingresso de capitais, segue permitida. O projeto aprovado no Senado não revoga um artigo da Lei nº 4.595, de 1964, que confere poderes para a centralização cambial nas crises de balanço de pagamentos, dando ao BC o monopólio das operações de câmbio.

Há alguns pontos polêmicos na lei que, caso sejam mal usados, podem de fato deixar o país mais vulnerável. Um deles é a permissão para contas em dólares dentro do país. O Banco Central alega que alguns setores, como o de energia, já têm essa permissão - e que ela seria concedida com parcimônia. O risco, se for liberado de forma abrangente, é ocorrer uma dolarização da economia, já que o nosso eterno quadro de desequilíbrio fiscal cria surtos de desconfiança na moeda nacional.

 

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