EDITORIAIS
MEC continua a sabotar futuro dos jovens e
do país
O Globo
O Ministério da Educação (MEC), sob o comando do pastor Milton Ribeiro, se
tornou um dos maiores focos de políticas desastradas no governo Bolsonaro.
Ribeiro está de férias, mas, estando ou não em Brasília, não se nota grande
diferença. Reportagem publicada pelo GLOBO nesta semana revelou como estados e
municípios têm tentado combater a evasão escolar provocada pela pandemia sem
nenhum tipo de apoio do governo federal.
A experiência internacional demonstra que,
em federações de grande dimensão territorial como o Brasil, o Ministério da
Educação tem papel crítico no sucesso (ou fracasso) do ensino básico. Cabe ao
ministério coordenar vários objetivos: permitir que inovações locais
(municipais e estaduais) despontem para atender a circunstâncias particulares de
cada região; medir os resultados dessas experiências para que eventuais
correções de rumo sejam feitas; incentivar a adoção de práticas bem-sucedidas
onde elas fizerem sentido; e, acima de tudo, trabalhar para que nenhum estado e
município fique para trás.
Nada disso tem sido feito no MEC de Ribeiro e, desgraçadamente, o Brasil tem sido destaque negativo desde o início da pandemia. Está entre os países que ficaram mais tempo com as escolas fechadas. Isso certamente inflou o número daqueles que abandonaram os estudos. Há ainda o perigo de alunos que voltaram a estudar decidirem parar por não conseguirem acompanhar as aulas. Governadores e prefeitos estão certos ao buscar, com urgência, inovações para atrair e manter crianças e jovens em sala de aula.
No Rio, tanto o estado quanto a rede
municipal da capital têm se esforçado para garantir a presença dos alunos. O
governo do Ceará investiu num programa de parceria com os municípios. No estado
de São Paulo, uma das ênfases é a recuperação de conteúdos. Bahia e Alagoas
estão entre os estados que apostaram na busca ativa. Alunos e ex-alunos recebem
determinada quantia para encontrar quem se evadiu e convencer a voltar à sala
de aula.
Ainda falta uma avaliação independente de
todas essas iniciativas. Os resultados conhecidos até agora são positivos, mas
todos das próprias secretarias. O certo é que alguns estados e municípios
buscam soluções. Mas têm feito isso quase sem nenhum apoio do MEC.
Na tentativa de combater a evasão, o
governo federal lançou no ano passado o programa Brasil na Escola. No primeiro
ano, serviu apenas para que o governo pudesse dizer que fez alguma coisa. Não
teve nenhum efeito digno de nota. Desembolsou R$ 80,9 milhões, ou ridículos R$
38 anuais para cada um dos 2,1 milhões de alunos atendidos.
A previsão para este ano é um investimento
de R$ 120 milhões, muito aquém do necessário, ainda mais com o receio
desencadeado pelo avanço da variante Ômicron. O país não pode repetir o erro de
fechar escolas e prejudicar os mais pobres. Se o destino de milhões de alunos
(e do país) não estivesse em jogo, o desempenho do MEC sob Jair Bolsonaro
poderia ser motivo de riso. Mas trata-se nada menos que do futuro da nação — e,
diante do MEC na atual gestão, parece não nos restar nada além de chorar.
Se Ucrânia for invadida, caberá ao Ocidente
a defesa da democracia
O Globo
São cada vez mais evidentes os indícios de que o presidente russo, Vladimir
Putin, pretende invadir a Ucrânia. O fracasso das negociações que sucederam à
mobilização de tropas russas na fronteira demonstra que Putin desdenha a ameaça
de sanções ocidentais, em virtude sobretudo da dependência da Europa de gás e
energia russos. Uma nova guerra em solo europeu imporia ao Ocidente, fustigado
pela pandemia, um desafio que não vive há décadas. Putin sabe disso e almeja
consolidar seu poder sobre as ex-repúblicas soviéticas que flertam com a União
Europeia (UE) ou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A Ucrânia
— assim como a Geórgia — é crítica para a esfera de influência que ele
ambiciona controlar.
A mobilização de 120 mil soldados na fronteira
ucraniana, maior contingente russo desde a Segunda Guerra, é a prova da
importância da iniciativa para ele. Uma análise do Center for Strategic and
International Studies (CSIS) afirma que o objetivo russo é criar uma nova
Cortina de Ferro, impermeável à influência ocidental, reunindo Leste Europeu,
Irã, China e países asiáticos.
Entre os cenários traçados, o mais
ameaçador — e improvável, em virtude do alto custo para a Rússia — seria a
anexação do território ucraniano. Isso não significa, contudo, que os demais
cenários sejam benévolos. O simples envolvimento num conflito traria um
desgaste inevitável para o governo Joe Biden e para os demais países da Otan.
Abandonar Ucrânia e os demais países da região à influência militar e econômica
russa não seria uma alternativa viável para uma aliança cujo objetivo é a
defesa da democracia e das liberdades.
A Rússia não tem interesse nem recursos
para um conflito extenso ou ocupação prolongada. Para Putin, seria suficiente
consolidar as regiões ucranianas já sob controle russo, com anexação de
territórios estratégicos no Mar Negro. O mais importante seria substituir o
regime do presidente Volodymyr Zelensky por uma administração que pudesse
teleguiar, como faz com os governos da Bielorrússia, Cazaquistão e outras
ex-repúblicas soviéticas.
Tanto Biden quanto os líderes europeus já
descartaram no médio prazo a expansão da Otan ou da UE que os russos tanto
dizem temer. O temor de Putin é outro. Nas palavras do ex-embaixador americano
em Moscou Michael McFaul: “Putin hoje não teme a expansão da Otan. Ele teme a
democracia ucraniana”. O sucesso de um país moderno, democrático e liberal na
vizinhança, capaz de funcionar como novo modelo para a região, é simplesmente
intolerável para as pretensões de um autocrata que manipula eleições, censura
informação, elimina oposição e sonha com as glórias do Império Russo.
“O iliberalismo na origem dos sistemas
chinês, russo, iraniano e norte-coreano é a antítese dos valores do Iluminismo
Ocidental. Desprezam a liberdade de imprensa, a liberdade religiosa, o livre
mercado e a democracia”, afirmam os analistas do CSIS. Eles concluem que ainda
há chance de a razão prevalecer e a Rússia abortar a invasão. Se o pior
acontecer, porém, caberá aos países ocidentais “resistir à tirania”.
Além da formalidade
Folha de S. Paulo
Respeito a normas orçamentárias precisa ser
verificado no caso da desoneração
Em mais uma potencial
afronta às regras orçamentárias, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou
no último dia de 2021 a renovação por mais dois anos da desoneração de folha
salarial para 17 setores que empregam intensamente no país. Entretanto o fez
sem indicar contrapartidas como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A manobra não é a primeira a erodir a
confiança na gestão das contas públicas, mas a forma com que foi levada a cabo
desta vez expõe o mandatário a riscos legais, que precisam ser avaliados pelos
órgãos de controle, a começar Tribunal de Contas da União.
A exigência de medidas compensatórias, como
aumento de receitas ou cortes em outras despesas, visa justamente garantir que
não haverá medidas populistas a desconsiderar as restrições do caixa.
Seguir regras, contudo, não é o forte de um
governo destrambelhado como o atual. Em que pese a boa intenção, o custo da
manobra para os cofres públicos é estimado em R$ 9,1 bilhões —e a prática
poderá vir a ser repetida em outras áreas se não for fiscalizada.
Também foi publicada medida provisória
desobrigando a União de repassar ao INSS a quantia, o que também pode ser alvo
de contestação. Abre-se, de quebra, novo espaço dentro do teto de gastos,
depois da flexibilização casuísta dos limites que elevou os juros e o dólar nos
últimos meses.
Sem considerar o mérito da medida, há
evidências iniciais de que o governo não seguiu os ditames legais e depois
embarcou numa tentativa de mitigar danos.
A tese da Secretaria-Geral da Presidência,
à diferença do que defendia a equipe econômica, é que não não se faz necessária
uma compensação por se tratar de prorrogação do incentivo —em desacordo com o
entendimento do TCU— considerada nas estimativas de receita para 2022, o que
foi desmentido pelo relator do Orçamento.
A prova de que havia controvérsia no
governo é não constar assinatura de nenhum técnico da Economia na peça
sancionada. Estavam em vigor até o fim do ano passado, além disso, a majoração
da CSLL dos bancos e do IOF sobre operações de crédito.
Pior, noticiou-se que os líderes políticos
do Planalto tentaram persuadir o relator a alterar a projeção de arrecadação
depois de concluída a votação no plenário, de modo a regularizar a situação a
posteriori. Eis mais um passo na insensata trajetória, que em si também pode
acarretar problemas jurídicos.
Agora resta ao TCU avaliar o ocorrido, por
meio de uma representação específica ou durante a análise célere das contas de
2021. Não se trata de mero cumprimento de formalidades, mas de respeito a
normas básicas de gestão.
Tarde demais
Folha de S. Paulo
Bolsonaro libera com enorme atraso verbas
para internet em escolas públicas
Dá a medida do descaso da administração
Jair Bolsonaro (PL) com a educação o fato de que só agora, passados quase dois
anos do início da pandemia, o governo federal tenha liberado recursos
para facilitar o acesso à internet de alunos e professores de escolas públicas.
O repasse de R$ 3,5 bilhões a estados e
Distrito Federal encerra uma novela iniciada em março do ano passado, quando
Bolsonaro vetou o projeto que obrigava o governo a fornecer internet à rede
pública para a realização de aulas não presenciais durante a crise sanitária.
Em junho, o veto foi derrubado pelo
Congresso, mas a administração federal conseguiu protelar o envio das verbas,
que agora deverão ser utilizadas para a compra de terminais para alunos e
professores, bem como para a aquisição de conectividade móvel.
A lerdeza governamental ganha contornos
ainda mais deprimentes quando se conhecem as enormes carências do país nessa
seara. No fim de 2019, pouco antes do advento da pandemia, nada menos que 4,1
milhões de estudantes da rede pública não dispunham de acesso à internet,
segundo o IBGE.
Em 2020, enquanto as escolas ficavam
fechadas, os alunos permaneciam à míngua. Uma pesquisa do próprio Ministério da
Educação mostrou que, naquele ano, apenas 6,6% dos estabelecimentos públicos
forneceram aos estudantes acesso gratuito à internet.
Em que pese tudo isso, o ministro Milton
Ribeiro, justificou o veto aos R$ 3,5 bilhões afirmando que haveria
necessidades "mais urgentes" nas escolas públicas.
Esse atraso na liberação de recursos,
embora grave, é apenas parte dos problemas de um governo que abdicou de seu
papel de elaborar políticas públicas de enfrentamento à pandemia. Do
treinamento dos docentes para o ensino remoto ao exercício de uma coordenação
nacional, passando pelo apoio às redes para uma volta célere das aulas
presenciais, tudo faltou.
Pesquisa produzida pelo Instituto
Mobilidade e Desenvolvimento Social mostrou que, durante a pandemia, alunos
ricos de colégios privados receberam uma quantidade significativamente maior de
aulas presenciais que aqueles mais pobres de escolas públicas.
Tal discrepância tende a, no futuro,
diminuir a mobilidade social no país e aumentar a desigualdade de renda. Buscar
meios de reduzir esse fosso e recuperar o aprendizado perdido deveria ser a
prioridade do MEC neste ano.
Surto populista no Congresso
O Estado de S. Paulo.
Voluntarista e imprudente, o Legislativo pode mexer perigosamente no mercado de combustíveis e na gestão estadual
Voluntarismo, imprudência e populismo podem
levar o Congresso Nacional a erros tão desastrosos quanto aqueles acumulados
pelo presidente Jair Bolsonaro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSDMG), prometeu pautar a discussão de medidas para limitar o impacto da alta
de preços dos combustíveis. Se o fizer, acompanhará o presidente da Câmara,
Arthur Lira, já envolvido numa tentativa de mudança do Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal tributo estadual. O mesmo jogo
poderá envolver uma interferência na fixação de preços pela Petrobras.
Legislando de forma leviana e incompetente, o Parlamento poderá afetar ao mesmo
tempo a administração de uma estatal de capital aberto, a operação do mercado e
o financiamento dos governos de 26 Estados, do Distrito Federal e de mais de 5
mil municípios, dependentes de repasses estaduais.
O presidente da Petrobras, general da
reserva Joaquim Silva e Luna, tem resistido às tentativas de intervenção na
política da companhia. Repeliu com sucesso as invasões do presidente da
República, empenhado em sujeitar os preços do diesel e da gasolina a seus
interesses eleitorais. Sem disfarce, Jair Bolsonaro procurou, nos primeiros
lances, beneficiar caminhoneiros já apoiados por ele em 2018, quando bloquearam
estradas para impedir o transporte de cargas. Mas o esforço para impedir ou
limitar reajustes de preços acabou, sem surpresa, vinculado a objetivos mais
amplos: votos podem provir tanto de caminhoneiros quanto de outras categorias
de cidadãos motorizados.
Em pouco tempo o presidente se voltou
contra os governos estaduais, tentando apontar a cobrança do ICMS como causa de
aumento de preços dos combustíveis. Essa tese é uma evidente bobagem,
reconhecível por qualquer pessoa familiarizada com o conceito de imposto
indireto. Pessoas menos informadas levaram a sério a ideia do imposto como
causa de variação de preços do diesel e da gasolina. Governadores podem ter
dado alguma respeitabilidade a esse engano, quando resolveram, num esforço de
contribuição, congelar temporariamente o valor do tributo recolhido.
Essa manifestação de boa vontade só seria
sustentável por tempo limitado. Os governadores já anunciaram a normalização da
cobrança do ICMS e foram, naturalmente, criticados por isso. No Congresso, como
em outras áreas, pessoas parecem esquecer alguns detalhes nada irrelevantes da
administração estadual. Governadores precisam de dinheiro para financiar
segurança pública, Justiça, educação, saúde e outras atividades custeadas pelo
Tesouro público. Prefeitos também dependem dessa fonte de recursos. Afinal, uma
fatia da receita do ICMS vai para os municípios.
Que o presidente Bolsonaro desconheça ou
despreze esses fatos pode parecer natural. Ele é assim mesmo e seria
surpreendente se, depois de três anos de um mandato catastrófico, demonstrasse
haver aprendido alguma coisa sobre funções presidenciais e governo. Mas é
especialmente preocupante observar, na Câmara e no Senado, atitudes semelhantes
às do presidente da República. É assustadora a hipótese de dois Poderes – Legislativo
e Executivo – igualmente afetados por vírus do voluntarismo, do populismo, da
irresponsabilidade e da incompetência.
A discussão de um fundo para atenuar
oscilações de preços dos combustíveis poderá produzir algum resultado menos
perigoso e talvez benéfico. Mas esse debate, já iniciado, envolve riscos
evidentes. Um deles é o do aumento da carga tributária. Vale a pena rever a
experiência da Cide Combustíveis, uma das formas da Contribuição de Intervenção
no Domínio Econômico, hoje aparentemente esquecida. Subsidiar derivados de
petróleo e moderar flutuações de preços foi uma de suas funções.
Também convém evitar o risco de tributar a
exportação de petróleo, uma proposta infeliz em discussão no Congresso. O
Parlamento deveria estar maduro para se distanciar de ideias como essa, típicas
de países menos desenvolvidos – e ainda mais maduro, é claro, para evitar
jogadas populistas com o dinheiro dos Estados.
Brincadeira de mau gosto no Rio
O Estado de S. Paulo.
Governador do Rio apresenta plano de
recuperação fiscal que, em vez de austeridade, promete gastança; felizmente, o
Tesouro o vetou, mas a demagogia não descansa
A desfaçatez do governo federal no trato de
regras que pareciam consagradas na gestão macroeconômica tem gerado frutos
criativos, como o plano de recuperação fiscal apresentado pelo Rio de Janeiro.
Elaborado para socorrer Estados em grave desequilíbrio financeiro e fornecer
instrumentos para superação da crise, o combalido Regime de Recuperação Fiscal
(RRF) será completamente desmoralizado se a proposta elaborada pelo governador
Cláudio Castro for aceita pelo Executivo ou validada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF).
Somente podem aderir ao regime governos
quase quebrados, com despesas correntes superiores a 95% da Receita Corrente
Líquida (RCL) ou gastos com pessoal que ultrapassem 60% da RCL.
A vantagem é que o RFF permite acesso a
crédito e suspende o pagamento de dívidas cujo credor ou garantidor seja a
União. Como contrapartida, os Estados precisam adotar medidas para conter o
crescimento de dispêndios obrigatórios – como vedação a reajustes, contratação
de servidores e realização de concursos públicos – e evitar ações que reduzam a
arrecadação, como a concessão de benefícios fiscais, de forma a manter uma
trajetória de equilíbrio das contas.
Único Estado a ter conseguido adesão ao
programa em 2017, o Rio de Janeiro solicitou novo ingresso em maio e se
comprometeu a apresentar um plano de recuperação sujeito à aprovação do
Executivo. Mas somente na distopia que se tornou o governo Bolsonaro alguém
teria a audácia de apresentar algo como o que foi redigido pela equipe do
governador Cláudio Castro, não por acaso amicíssimo do filho 01, o senador
Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Como um alcoólatra que pede crédito para
aumentar seu consumo de cachaça, o governo fluminense simplesmente propôs uma
alta de 17,1% nas despesas com pessoal neste ano e de 8,9% em 2023, com
aumentos salariais anuais garantidos para servidores até 2030. Para arcar com
esses gastos, o Rio de Janeiro estima receitas improváveis, como R$ 19,4
bilhões em securitização da dívida, um valor que nunca nenhum ente federativo
auferiu antes, e R$ 22,4 bilhões em royalties de petróleo, como se a decisão
sobre o ritmo da exploração das áreas estivesse nas mãos do Estado, e não das
empresas. A mais recente prova da má-fé da administração fluminense foi o
calote – é essa a palavra – da dívida de R$ 4,5 bilhões com o banco BNP
Paribas, cujo pagamento estava atrelado à venda da Companhia Estadual de Águas
e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), uma operação que rendeu R$ 18,2 bilhões.
Coube à União, ou seja, a todos os brasileiros, arcar com essa conta.
Os pareceres do Tesouro e da
Procuradoria-geral da Fazenda Nacional (PGFN) consideraram que o plano do Rio
de Janeiro tem “premissas técnicas frágeis para promover o equilíbrio fiscal
sustentado”. Sem bons argumentos para rebater essa análise, Cláudio Castro
avaliou ter havido “maldade” por parte dos servidores. “Vemos técnicos que não
sabem a realidade de um hospital cheio, de investimentos que geram empregos”,
disse o governador. É o velho truque dos bolsonaristas: sempre que seu
populismo irresponsável esbarra nos limites institucionais, atribuem o revés a
tecnocratas insensíveis, na esperança de gerar indignação e, assim, angariar
votos.
A proposta de Cláudio Castro, portanto,
nada tinha a ver com recuperação fiscal; era, sim, uma mal disfarçada isca para
seduzir eleitores em sua campanha pela reeleição. Sem aval dos técnicos, Castro
pretende apelar a Paulo Guedes para tentar um acordo, algo possível se o
esquálido ministro da Economia compactuar com mais esse descalabro. Em caso de
duvidosa derrota junto à equipe econômica, que deu o exemplo ao demolir o teto
de gastos com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, ele
ainda poderá recorrer ao STF, sempre benevolente com devedores contumazes.
Desde que aderiu ao regime, o Rio deixou de repassar R$ 92 bilhões à União, e,
se for excluído do programa, terá de pagar R$ 24 bilhões em dívidas neste ano,
quase 30% de seu orçamento. Seria uma punição exemplar, mas improvável para um
aliado que dará palanque a Bolsonaro.
Cenário para a economia continua a se
deteriorar
Valor Econômico
Sem que as perspectivas para a economia
brasileira melhorem, a recuperação dos empregos e renda perdidos durante a
pandemia ficam mais distantes
Em 2021, pela primeira vez durante o
período pós-plano Real todas as aplicações financeiras - ao menos as regidas e
fiscalizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central (BC)
- não conseguiram superar a inflação, que voltou aos dois dígitos. Poderia ser
um retrato pontual de um momento ruim, mas 2022 começa com perspectivas
igualmente ou mais desafiadoras para a economia brasileira - e consequentemente
para os poupadores.
O ano sabidamente será marcado pela disputa
eleitoral, que tradicionalmente põe os agentes do mercado em posição defensiva,
e já começou com os investidores sendo também lembrados sobre a expectativa
cada vez mais consolidada de que o Fed, o banco central americano, deverá subir
as taxas de juros antes do esperado. Uma péssima notícia para os países
emergentes, como o Brasil. Por causa disso, logo nos primeiros dias do ano o
dólar chegou a superar os R$ 5,70 - embora tenha recuado um pouco agora - e os
juros já subiram no mercado futuro.
Também na segunda-feira passada, o Fundo
Monetário Internacional (FMI) publicou artigo ressaltando que a mudança no
sentimento do mercado em relação à inflação dos Estados Unidos e a reação
sinalizada pelo Fed tornam ainda mais incertas as perspectivas para os
emergentes. E que esses países “podem precisar reagir puxando várias
alavancas”.
As estimativas para a atividade econômica
este ano continuam a se deteriorar. As estimativas dos economistas do mercado
captadas pelo sistema Focus do Banco Central, que começaram o ano em parcos
0,42% já caíram para 0,29%. O desarranjo macroeconômico, que já vinha sendo
gestado em nível global pela pandemia, foi duramente agravado internamente
pelos atropelos fiscais vistos em 2021.
Há apenas um ano, taxas tão altas de
inflação e de juros, pareciam fora do radar. O primeiro boletim Focus de 2021
dava conta de uma projeção de apenas 3% para a taxa Selic no ano passado. A
visão preponderante era a de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
iria subir a talvez 6% ou até 8% em meados do ano e depois voltar a cair para
3,32%. A realidade mostrou que a inflação oficial virou o ano rodando a 10,06%
e a Selic ajustada para 9,25%.
Para este ano, os economistas já preveem a
taxa básica de juro a 11,75%, como mostra o Focus. Na primeira semana do ano,
ainda era 11,5%, o que mostra que as expectativas continuam com sinal negativo.
A inflação projetada já é de 5,09%, metade da do ano passado, mas ainda alta e
acima da meta do Banco Central. Alguém sempre poderá alegar que assim como
errou muito ao prever os números do ano passado, os economistas do mercado
poderiam estar enganados em relação a 2022. No entanto, para o investidor e
para as chamadas condições financeiras, que acabam tendo impacto na economia real,
as expectativas são determinantes.
Além disso, a subida do juro promoveu uma
alta do custo de capital e já minou o bom momento que atravessava o mercado de
ofertas de ações e novas listagens de companhias na bolsa. Boa parte destas em
busca de recursos para investir em novos negócios ou ampliação dos que já
existem, o que promove um ciclo salutar e de amadurecimento da economia, com
mais recursos aplicados no setor produtivo.
Com a Selic caminhando para os dois
dígitos, empresas e investidores tornam a se voltar para a renda fixa,
sobretudo os títulos públicos, que não estimulam a produção. Mas a inflação
ainda paira no horizonte como ameaça.
O cenário para o investidor, como se vê,
não é trivial per se, e pode se tornar ainda mais incerto quando entrarem em
pauta as discussões sobre o futuro das políticas econômica e fiscal. O teto de
gastos, como se viu nos últimos meses, virou uma palavra mágica e chave para os
investidores. Discursos e ações que demonstrem descaso com a responsabilidade
fiscal tendem a causar novos solavancos no mercado.
As contas públicas e a inflação devem ser
os temas dominantes do ano. Mas pior do que para o investidor, a manutenção da
alta de preços e a desconfiança causada por eventuais mudanças no arranjo
fiscal serão mais penosas para a população mais pobre. Sem que as perspectivas
para a economia brasileira melhorem, e as empresas voltem a ver ambiente e
motivos para expandir seus negócios e investimentos, a recuperação dos empregos
e renda perdidos durante a pandemia - e antes dela - ficarão cada vez mais
distantes.
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