quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

MEC continua a sabotar futuro dos jovens e do país

O Globo


O Ministério da Educação (MEC), sob o comando do pastor Milton Ribeiro, se tornou um dos maiores focos de políticas desastradas no governo Bolsonaro. Ribeiro está de férias, mas, estando ou não em Brasília, não se nota grande diferença. Reportagem publicada pelo GLOBO nesta semana revelou como estados e municípios têm tentado combater a evasão escolar provocada pela pandemia sem nenhum tipo de apoio do governo federal.

A experiência internacional demonstra que, em federações de grande dimensão territorial como o Brasil, o Ministério da Educação tem papel crítico no sucesso (ou fracasso) do ensino básico. Cabe ao ministério coordenar vários objetivos: permitir que inovações locais (municipais e estaduais) despontem para atender a circunstâncias particulares de cada região; medir os resultados dessas experiências para que eventuais correções de rumo sejam feitas; incentivar a adoção de práticas bem-sucedidas onde elas fizerem sentido; e, acima de tudo, trabalhar para que nenhum estado e município fique para trás.

Nada disso tem sido feito no MEC de Ribeiro e, desgraçadamente, o Brasil tem sido destaque negativo desde o início da pandemia. Está entre os países que ficaram mais tempo com as escolas fechadas. Isso certamente inflou o número daqueles que abandonaram os estudos. Há ainda o perigo de alunos que voltaram a estudar decidirem parar por não conseguirem acompanhar as aulas. Governadores e prefeitos estão certos ao buscar, com urgência, inovações para atrair e manter crianças e jovens em sala de aula.

No Rio, tanto o estado quanto a rede municipal da capital têm se esforçado para garantir a presença dos alunos. O governo do Ceará investiu num programa de parceria com os municípios. No estado de São Paulo, uma das ênfases é a recuperação de conteúdos. Bahia e Alagoas estão entre os estados que apostaram na busca ativa. Alunos e ex-alunos recebem determinada quantia para encontrar quem se evadiu e convencer a voltar à sala de aula.

Ainda falta uma avaliação independente de todas essas iniciativas. Os resultados conhecidos até agora são positivos, mas todos das próprias secretarias. O certo é que alguns estados e municípios buscam soluções. Mas têm feito isso quase sem nenhum apoio do MEC.

Na tentativa de combater a evasão, o governo federal lançou no ano passado o programa Brasil na Escola. No primeiro ano, serviu apenas para que o governo pudesse dizer que fez alguma coisa. Não teve nenhum efeito digno de nota. Desembolsou R$ 80,9 milhões, ou ridículos R$ 38 anuais para cada um dos 2,1 milhões de alunos atendidos.

A previsão para este ano é um investimento de R$ 120 milhões, muito aquém do necessário, ainda mais com o receio desencadeado pelo avanço da variante Ômicron. O país não pode repetir o erro de fechar escolas e prejudicar os mais pobres. Se o destino de milhões de alunos (e do país) não estivesse em jogo, o desempenho do MEC sob Jair Bolsonaro poderia ser motivo de riso. Mas trata-se nada menos que do futuro da nação — e, diante do MEC na atual gestão, parece não nos restar nada além de chorar.

Se Ucrânia for invadida, caberá ao Ocidente a defesa da democracia

O Globo

São cada vez mais evidentes os indícios de que o presidente russo, Vladimir Putin, pretende invadir a Ucrânia. O fracasso das negociações que sucederam à mobilização de tropas russas na fronteira demonstra que Putin desdenha a ameaça de sanções ocidentais, em virtude sobretudo da dependência da Europa de gás e energia russos. Uma nova guerra em solo europeu imporia ao Ocidente, fustigado pela pandemia, um desafio que não vive há décadas. Putin sabe disso e almeja consolidar seu poder sobre as ex-repúblicas soviéticas que flertam com a União Europeia (UE) ou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A Ucrânia — assim como a Geórgia — é crítica para a esfera de influência que ele ambiciona controlar.

A mobilização de 120 mil soldados na fronteira ucraniana, maior contingente russo desde a Segunda Guerra, é a prova da importância da iniciativa para ele. Uma análise do Center for Strategic and International Studies (CSIS) afirma que o objetivo russo é criar uma nova Cortina de Ferro, impermeável à influência ocidental, reunindo Leste Europeu, Irã, China e países asiáticos.

Entre os cenários traçados, o mais ameaçador — e improvável, em virtude do alto custo para a Rússia — seria a anexação do território ucraniano. Isso não significa, contudo, que os demais cenários sejam benévolos. O simples envolvimento num conflito traria um desgaste inevitável para o governo Joe Biden e para os demais países da Otan. Abandonar Ucrânia e os demais países da região à influência militar e econômica russa não seria uma alternativa viável para uma aliança cujo objetivo é a defesa da democracia e das liberdades.

A Rússia não tem interesse nem recursos para um conflito extenso ou ocupação prolongada. Para Putin, seria suficiente consolidar as regiões ucranianas já sob controle russo, com anexação de territórios estratégicos no Mar Negro. O mais importante seria substituir o regime do presidente Volodymyr Zelensky por uma administração que pudesse teleguiar, como faz com os governos da Bielorrússia, Cazaquistão e outras ex-repúblicas soviéticas.

Tanto Biden quanto os líderes europeus já descartaram no médio prazo a expansão da Otan ou da UE que os russos tanto dizem temer. O temor de Putin é outro. Nas palavras do ex-embaixador americano em Moscou Michael McFaul: “Putin hoje não teme a expansão da Otan. Ele teme a democracia ucraniana”. O sucesso de um país moderno, democrático e liberal na vizinhança, capaz de funcionar como novo modelo para a região, é simplesmente intolerável para as pretensões de um autocrata que manipula eleições, censura informação, elimina oposição e sonha com as glórias do Império Russo.

“O iliberalismo na origem dos sistemas chinês, russo, iraniano e norte-coreano é a antítese dos valores do Iluminismo Ocidental. Desprezam a liberdade de imprensa, a liberdade religiosa, o livre mercado e a democracia”, afirmam os analistas do CSIS. Eles concluem que ainda há chance de a razão prevalecer e a Rússia abortar a invasão. Se o pior acontecer, porém, caberá aos países ocidentais “resistir à tirania”.

Além da formalidade

Folha de S. Paulo

Respeito a normas orçamentárias precisa ser verificado no caso da desoneração

Em mais uma potencial afronta às regras orçamentárias, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou no último dia de 2021 a renovação por mais dois anos da desoneração de folha salarial para 17 setores que empregam intensamente no país. Entretanto o fez sem indicar contrapartidas como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal.

A manobra não é a primeira a erodir a confiança na gestão das contas públicas, mas a forma com que foi levada a cabo desta vez expõe o mandatário a riscos legais, que precisam ser avaliados pelos órgãos de controle, a começar Tribunal de Contas da União.

A exigência de medidas compensatórias, como aumento de receitas ou cortes em outras despesas, visa justamente garantir que não haverá medidas populistas a desconsiderar as restrições do caixa.

Seguir regras, contudo, não é o forte de um governo destrambelhado como o atual. Em que pese a boa intenção, o custo da manobra para os cofres públicos é estimado em R$ 9,1 bilhões —e a prática poderá vir a ser repetida em outras áreas se não for fiscalizada.

Também foi publicada medida provisória desobrigando a União de repassar ao INSS a quantia, o que também pode ser alvo de contestação. Abre-se, de quebra, novo espaço dentro do teto de gastos, depois da flexibilização casuísta dos limites que elevou os juros e o dólar nos últimos meses.

Sem considerar o mérito da medida, há evidências iniciais de que o governo não seguiu os ditames legais e depois embarcou numa tentativa de mitigar danos.

A tese da Secretaria-Geral da Presidência, à diferença do que defendia a equipe econômica, é que não não se faz necessária uma compensação por se tratar de prorrogação do incentivo —em desacordo com o entendimento do TCU— considerada nas estimativas de receita para 2022, o que foi desmentido pelo relator do Orçamento.

A prova de que havia controvérsia no governo é não constar assinatura de nenhum técnico da Economia na peça sancionada. Estavam em vigor até o fim do ano passado, além disso, a majoração da CSLL dos bancos e do IOF sobre operações de crédito.

Pior, noticiou-se que os líderes políticos do Planalto tentaram persuadir o relator a alterar a projeção de arrecadação depois de concluída a votação no plenário, de modo a regularizar a situação a posteriori. Eis mais um passo na insensata trajetória, que em si também pode acarretar problemas jurídicos.

Agora resta ao TCU avaliar o ocorrido, por meio de uma representação específica ou durante a análise célere das contas de 2021. Não se trata de mero cumprimento de formalidades, mas de respeito a normas básicas de gestão.

Tarde demais

Folha de S. Paulo

Bolsonaro libera com enorme atraso verbas para internet em escolas públicas

Dá a medida do descaso da administração Jair Bolsonaro (PL) com a educação o fato de que só agora, passados quase dois anos do início da pandemia, o governo federal tenha liberado recursos para facilitar o acesso à internet de alunos e professores de escolas públicas.

O repasse de R$ 3,5 bilhões a estados e Distrito Federal encerra uma novela iniciada em março do ano passado, quando Bolsonaro vetou o projeto que obrigava o governo a fornecer internet à rede pública para a realização de aulas não presenciais durante a crise sanitária.

Em junho, o veto foi derrubado pelo Congresso, mas a administração federal conseguiu protelar o envio das verbas, que agora deverão ser utilizadas para a compra de terminais para alunos e professores, bem como para a aquisição de conectividade móvel.

A lerdeza governamental ganha contornos ainda mais deprimentes quando se conhecem as enormes carências do país nessa seara. No fim de 2019, pouco antes do advento da pandemia, nada menos que 4,1 milhões de estudantes da rede pública não dispunham de acesso à internet, segundo o IBGE.

Em 2020, enquanto as escolas ficavam fechadas, os alunos permaneciam à míngua. Uma pesquisa do próprio Ministério da Educação mostrou que, naquele ano, apenas 6,6% dos estabelecimentos públicos forneceram aos estudantes acesso gratuito à internet.

Em que pese tudo isso, o ministro Milton Ribeiro, justificou o veto aos R$ 3,5 bilhões afirmando que haveria necessidades "mais urgentes" nas escolas públicas.

Esse atraso na liberação de recursos, embora grave, é apenas parte dos problemas de um governo que abdicou de seu papel de elaborar políticas públicas de enfrentamento à pandemia. Do treinamento dos docentes para o ensino remoto ao exercício de uma coordenação nacional, passando pelo apoio às redes para uma volta célere das aulas presenciais, tudo faltou.

Pesquisa produzida pelo Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social mostrou que, durante a pandemia, alunos ricos de colégios privados receberam uma quantidade significativamente maior de aulas presenciais que aqueles mais pobres de escolas públicas.

Tal discrepância tende a, no futuro, diminuir a mobilidade social no país e aumentar a desigualdade de renda. Buscar meios de reduzir esse fosso e recuperar o aprendizado perdido deveria ser a prioridade do MEC neste ano.

Surto populista no Congresso

O Estado de S. Paulo.

Voluntarista e imprudente, o Legislativo pode mexer perigosamente no mercado de combustíveis e na gestão estadual

Voluntarismo, imprudência e populismo podem levar o Congresso Nacional a erros tão desastrosos quanto aqueles acumulados pelo presidente Jair Bolsonaro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSDMG), prometeu pautar a discussão de medidas para limitar o impacto da alta de preços dos combustíveis. Se o fizer, acompanhará o presidente da Câmara, Arthur Lira, já envolvido numa tentativa de mudança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal tributo estadual. O mesmo jogo poderá envolver uma interferência na fixação de preços pela Petrobras. Legislando de forma leviana e incompetente, o Parlamento poderá afetar ao mesmo tempo a administração de uma estatal de capital aberto, a operação do mercado e o financiamento dos governos de 26 Estados, do Distrito Federal e de mais de 5 mil municípios, dependentes de repasses estaduais.

O presidente da Petrobras, general da reserva Joaquim Silva e Luna, tem resistido às tentativas de intervenção na política da companhia. Repeliu com sucesso as invasões do presidente da República, empenhado em sujeitar os preços do diesel e da gasolina a seus interesses eleitorais. Sem disfarce, Jair Bolsonaro procurou, nos primeiros lances, beneficiar caminhoneiros já apoiados por ele em 2018, quando bloquearam estradas para impedir o transporte de cargas. Mas o esforço para impedir ou limitar reajustes de preços acabou, sem surpresa, vinculado a objetivos mais amplos: votos podem provir tanto de caminhoneiros quanto de outras categorias de cidadãos motorizados.

Em pouco tempo o presidente se voltou contra os governos estaduais, tentando apontar a cobrança do ICMS como causa de aumento de preços dos combustíveis. Essa tese é uma evidente bobagem, reconhecível por qualquer pessoa familiarizada com o conceito de imposto indireto. Pessoas menos informadas levaram a sério a ideia do imposto como causa de variação de preços do diesel e da gasolina. Governadores podem ter dado alguma respeitabilidade a esse engano, quando resolveram, num esforço de contribuição, congelar temporariamente o valor do tributo recolhido.

Essa manifestação de boa vontade só seria sustentável por tempo limitado. Os governadores já anunciaram a normalização da cobrança do ICMS e foram, naturalmente, criticados por isso. No Congresso, como em outras áreas, pessoas parecem esquecer alguns detalhes nada irrelevantes da administração estadual. Governadores precisam de dinheiro para financiar segurança pública, Justiça, educação, saúde e outras atividades custeadas pelo Tesouro público. Prefeitos também dependem dessa fonte de recursos. Afinal, uma fatia da receita do ICMS vai para os municípios.

Que o presidente Bolsonaro desconheça ou despreze esses fatos pode parecer natural. Ele é assim mesmo e seria surpreendente se, depois de três anos de um mandato catastrófico, demonstrasse haver aprendido alguma coisa sobre funções presidenciais e governo. Mas é especialmente preocupante observar, na Câmara e no Senado, atitudes semelhantes às do presidente da República. É assustadora a hipótese de dois Poderes – Legislativo e Executivo – igualmente afetados por vírus do voluntarismo, do populismo, da irresponsabilidade e da incompetência.

A discussão de um fundo para atenuar oscilações de preços dos combustíveis poderá produzir algum resultado menos perigoso e talvez benéfico. Mas esse debate, já iniciado, envolve riscos evidentes. Um deles é o do aumento da carga tributária. Vale a pena rever a experiência da Cide Combustíveis, uma das formas da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, hoje aparentemente esquecida. Subsidiar derivados de petróleo e moderar flutuações de preços foi uma de suas funções.

Também convém evitar o risco de tributar a exportação de petróleo, uma proposta infeliz em discussão no Congresso. O Parlamento deveria estar maduro para se distanciar de ideias como essa, típicas de países menos desenvolvidos – e ainda mais maduro, é claro, para evitar jogadas populistas com o dinheiro dos Estados.

Brincadeira de mau gosto no Rio

O Estado de S. Paulo.

Governador do Rio apresenta plano de recuperação fiscal que, em vez de austeridade, promete gastança; felizmente, o Tesouro o vetou, mas a demagogia não descansa

A desfaçatez do governo federal no trato de regras que pareciam consagradas na gestão macroeconômica tem gerado frutos criativos, como o plano de recuperação fiscal apresentado pelo Rio de Janeiro. Elaborado para socorrer Estados em grave desequilíbrio financeiro e fornecer instrumentos para superação da crise, o combalido Regime de Recuperação Fiscal (RRF) será completamente desmoralizado se a proposta elaborada pelo governador Cláudio Castro for aceita pelo Executivo ou validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Somente podem aderir ao regime governos quase quebrados, com despesas correntes superiores a 95% da Receita Corrente Líquida (RCL) ou gastos com pessoal que ultrapassem 60% da RCL.

A vantagem é que o RFF permite acesso a crédito e suspende o pagamento de dívidas cujo credor ou garantidor seja a União. Como contrapartida, os Estados precisam adotar medidas para conter o crescimento de dispêndios obrigatórios – como vedação a reajustes, contratação de servidores e realização de concursos públicos – e evitar ações que reduzam a arrecadação, como a concessão de benefícios fiscais, de forma a manter uma trajetória de equilíbrio das contas.

Único Estado a ter conseguido adesão ao programa em 2017, o Rio de Janeiro solicitou novo ingresso em maio e se comprometeu a apresentar um plano de recuperação sujeito à aprovação do Executivo. Mas somente na distopia que se tornou o governo Bolsonaro alguém teria a audácia de apresentar algo como o que foi redigido pela equipe do governador Cláudio Castro, não por acaso amicíssimo do filho 01, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Como um alcoólatra que pede crédito para aumentar seu consumo de cachaça, o governo fluminense simplesmente propôs uma alta de 17,1% nas despesas com pessoal neste ano e de 8,9% em 2023, com aumentos salariais anuais garantidos para servidores até 2030. Para arcar com esses gastos, o Rio de Janeiro estima receitas improváveis, como R$ 19,4 bilhões em securitização da dívida, um valor que nunca nenhum ente federativo auferiu antes, e R$ 22,4 bilhões em royalties de petróleo, como se a decisão sobre o ritmo da exploração das áreas estivesse nas mãos do Estado, e não das empresas. A mais recente prova da má-fé da administração fluminense foi o calote – é essa a palavra – da dívida de R$ 4,5 bilhões com o banco BNP Paribas, cujo pagamento estava atrelado à venda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), uma operação que rendeu R$ 18,2 bilhões. Coube à União, ou seja, a todos os brasileiros, arcar com essa conta.

Os pareceres do Tesouro e da Procuradoria-geral da Fazenda Nacional (PGFN) consideraram que o plano do Rio de Janeiro tem “premissas técnicas frágeis para promover o equilíbrio fiscal sustentado”. Sem bons argumentos para rebater essa análise, Cláudio Castro avaliou ter havido “maldade” por parte dos servidores. “Vemos técnicos que não sabem a realidade de um hospital cheio, de investimentos que geram empregos”, disse o governador. É o velho truque dos bolsonaristas: sempre que seu populismo irresponsável esbarra nos limites institucionais, atribuem o revés a tecnocratas insensíveis, na esperança de gerar indignação e, assim, angariar votos.

A proposta de Cláudio Castro, portanto, nada tinha a ver com recuperação fiscal; era, sim, uma mal disfarçada isca para seduzir eleitores em sua campanha pela reeleição. Sem aval dos técnicos, Castro pretende apelar a Paulo Guedes para tentar um acordo, algo possível se o esquálido ministro da Economia compactuar com mais esse descalabro. Em caso de duvidosa derrota junto à equipe econômica, que deu o exemplo ao demolir o teto de gastos com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, ele ainda poderá recorrer ao STF, sempre benevolente com devedores contumazes. Desde que aderiu ao regime, o Rio deixou de repassar R$ 92 bilhões à União, e, se for excluído do programa, terá de pagar R$ 24 bilhões em dívidas neste ano, quase 30% de seu orçamento. Seria uma punição exemplar, mas improvável para um aliado que dará palanque a Bolsonaro.

Cenário para a economia continua a se deteriorar

Valor Econômico

Sem que as perspectivas para a economia brasileira melhorem, a recuperação dos empregos e renda perdidos durante a pandemia ficam mais distantes

Em 2021, pela primeira vez durante o período pós-plano Real todas as aplicações financeiras - ao menos as regidas e fiscalizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central (BC) - não conseguiram superar a inflação, que voltou aos dois dígitos. Poderia ser um retrato pontual de um momento ruim, mas 2022 começa com perspectivas igualmente ou mais desafiadoras para a economia brasileira - e consequentemente para os poupadores.

O ano sabidamente será marcado pela disputa eleitoral, que tradicionalmente põe os agentes do mercado em posição defensiva, e já começou com os investidores sendo também lembrados sobre a expectativa cada vez mais consolidada de que o Fed, o banco central americano, deverá subir as taxas de juros antes do esperado. Uma péssima notícia para os países emergentes, como o Brasil. Por causa disso, logo nos primeiros dias do ano o dólar chegou a superar os R$ 5,70 - embora tenha recuado um pouco agora - e os juros já subiram no mercado futuro.

Também na segunda-feira passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou artigo ressaltando que a mudança no sentimento do mercado em relação à inflação dos Estados Unidos e a reação sinalizada pelo Fed tornam ainda mais incertas as perspectivas para os emergentes. E que esses países “podem precisar reagir puxando várias alavancas”.

As estimativas para a atividade econômica este ano continuam a se deteriorar. As estimativas dos economistas do mercado captadas pelo sistema Focus do Banco Central, que começaram o ano em parcos 0,42% já caíram para 0,29%. O desarranjo macroeconômico, que já vinha sendo gestado em nível global pela pandemia, foi duramente agravado internamente pelos atropelos fiscais vistos em 2021.

Há apenas um ano, taxas tão altas de inflação e de juros, pareciam fora do radar. O primeiro boletim Focus de 2021 dava conta de uma projeção de apenas 3% para a taxa Selic no ano passado. A visão preponderante era a de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) iria subir a talvez 6% ou até 8% em meados do ano e depois voltar a cair para 3,32%. A realidade mostrou que a inflação oficial virou o ano rodando a 10,06% e a Selic ajustada para 9,25%.

Para este ano, os economistas já preveem a taxa básica de juro a 11,75%, como mostra o Focus. Na primeira semana do ano, ainda era 11,5%, o que mostra que as expectativas continuam com sinal negativo. A inflação projetada já é de 5,09%, metade da do ano passado, mas ainda alta e acima da meta do Banco Central. Alguém sempre poderá alegar que assim como errou muito ao prever os números do ano passado, os economistas do mercado poderiam estar enganados em relação a 2022. No entanto, para o investidor e para as chamadas condições financeiras, que acabam tendo impacto na economia real, as expectativas são determinantes.

Além disso, a subida do juro promoveu uma alta do custo de capital e já minou o bom momento que atravessava o mercado de ofertas de ações e novas listagens de companhias na bolsa. Boa parte destas em busca de recursos para investir em novos negócios ou ampliação dos que já existem, o que promove um ciclo salutar e de amadurecimento da economia, com mais recursos aplicados no setor produtivo.

Com a Selic caminhando para os dois dígitos, empresas e investidores tornam a se voltar para a renda fixa, sobretudo os títulos públicos, que não estimulam a produção. Mas a inflação ainda paira no horizonte como ameaça.

O cenário para o investidor, como se vê, não é trivial per se, e pode se tornar ainda mais incerto quando entrarem em pauta as discussões sobre o futuro das políticas econômica e fiscal. O teto de gastos, como se viu nos últimos meses, virou uma palavra mágica e chave para os investidores. Discursos e ações que demonstrem descaso com a responsabilidade fiscal tendem a causar novos solavancos no mercado.

As contas públicas e a inflação devem ser os temas dominantes do ano. Mas pior do que para o investidor, a manutenção da alta de preços e a desconfiança causada por eventuais mudanças no arranjo fiscal serão mais penosas para a população mais pobre. Sem que as perspectivas para a economia brasileira melhorem, e as empresas voltem a ver ambiente e motivos para expandir seus negócios e investimentos, a recuperação dos empregos e renda perdidos durante a pandemia - e antes dela - ficarão cada vez mais distantes.

 

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