quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Hélio Schwartsman: Falta caridade ao debate público

Folha de S. Paulo

As pessoas preferem desenhar espantalhos em suas mentes

Princípio da caridade. O nome não é muito bom, já que evoca esmolas e favores, mas a ideia é das mais interessantes. E o que diz o princípio da caridade? Ele diz que, no curso de uma discussão intelectual, devemos conceder às declarações analisadas a mais generosa interpretação possível. Isso significa que devemos tratá-las em princípio como racionais e bem-intencionadas. Só poderemos considerá-las falaciosas e malévolas quando não houver outra leitura possível.

Se há algo em falta no debate público hoje, é o princípio da caridade. As pessoas preferem desenhar espantalhos em suas mentes e argumentar contra essa imagem a discutir o que de fato está escrito num texto. A tática funciona muito bem se o objetivo é "vencer" a discussão ou posicionar-se ideologicamente para ganhar pontos com os amigos, mas ela mata na origem a possibilidade de uma discussão intelectualmente profícua.

Li duas vezes o texto de Antonio Risério publicado no domingo na Ilustríssima e não vi nada de escandaloso nele. O autor não nega o racismo contra negros. Pelo contrário, diz logo na primeira frase que ele é real.

No mais, parte de um truísmo —a constatação de que qualquer ser humano pode em tese adotar atitudes racistas em relação a outros humanos— para fazer críticas a setores do movimento negro americano e as estende ao identitarismo.

Se essas críticas procedem e se podem ser generalizadas para o Brasil e para outras pautas identitárias é o que valeria a pena discutir. Numa sociedade aberta, ninguém, incluindo Deus, o papa, o presidente e movimentos sociais, está blindado de questionamentos.

Fico feliz que a Folha, apesar das patrulhas externa e interna, não tenha renunciado a tentar promover o debate de assuntos que estão se tornando tabu. Mesmo que apenas uma minoria de leitores tire proveito intelectual, os demais podem beneficiar-se dos efeitos catárticos, o que também é válido.

 

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