Folha de S. Paulo
As pessoas preferem desenhar espantalhos em
suas mentes
Princípio da caridade. O nome não é muito
bom, já que evoca esmolas e favores, mas a ideia é das mais interessantes. E o
que diz o princípio da caridade? Ele diz que, no curso de uma discussão
intelectual, devemos conceder às declarações analisadas a mais generosa
interpretação possível. Isso significa que devemos tratá-las em princípio como
racionais e bem-intencionadas. Só poderemos considerá-las falaciosas e
malévolas quando não houver outra leitura possível.
Se há algo em falta no debate público hoje, é o princípio da caridade. As pessoas preferem desenhar espantalhos em suas mentes e argumentar contra essa imagem a discutir o que de fato está escrito num texto. A tática funciona muito bem se o objetivo é "vencer" a discussão ou posicionar-se ideologicamente para ganhar pontos com os amigos, mas ela mata na origem a possibilidade de uma discussão intelectualmente profícua.
Li duas vezes o texto de Antonio Risério
publicado no domingo na Ilustríssima e
não vi nada de escandaloso nele. O autor não nega o racismo contra negros. Pelo
contrário, diz logo na primeira frase que ele é real.
No mais, parte de um truísmo —a constatação
de que qualquer ser humano pode em tese adotar atitudes racistas em relação a
outros humanos— para fazer críticas a setores do movimento negro americano e as
estende ao identitarismo.
Se essas críticas procedem e se podem ser
generalizadas para o Brasil e para outras pautas identitárias é o que valeria a
pena discutir. Numa sociedade aberta, ninguém, incluindo Deus, o papa, o
presidente e movimentos sociais, está blindado de questionamentos.
Fico feliz que a Folha, apesar das patrulhas
externa e interna, não tenha renunciado a tentar promover o debate de assuntos
que estão se tornando tabu. Mesmo que apenas uma minoria de leitores tire
proveito intelectual, os demais podem beneficiar-se dos efeitos catárticos, o
que também é válido.
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