Valor Econômico
Governo está sem líder em área hostil e
cheia de adversários
O presidente Jair Bolsonaro terminou o ano
passado, começou 2022 e avança sobre o mês de janeiro sem definir quem ocupará,
no Senado, uma função estratégica. A liderança do governo está vaga e, até
agora, não há sinal vindo do Palácio do Planalto sobre uma definição. O mais
grave problema do Executivo em relação a este tema, contudo, não é quando o seu
novo representante chegará para o primeiro dia de trabalho. É como isso
ocorrerá.
O Senado vem se mostrando uma Casa mais
hostil ao governo do que a Câmara. Hospedou a CPI da Covid, atrapalhou planos
da equipe econômica, como a reforma tributária, e nos últimos meses tornou-se
área de atuação de outros três pré-candidatos à Presidência. É um terreno que
merece atenção especial dos articuladores políticos do governo.
Bolsonaro ficou sem líder na última
quinzena do ano, sempre um período de pauta cheia, mas pelo menos agora os
trabalhos no Legislativo estão praticamente paralisados devido ao recesso
parlamentar. Além disso, na ausência do titular, os vice-líderes podem executar
alguma missão eventual, mesmo que sem a mesma autoridade.
Porém, do ponto de vista de quem terá pouco tempo para trabalhar antes que toda a atenção dos senadores se volte para a campanha eleitoral, seria bom contar com alguém adiantando as amarrações necessárias para acelerar a tramitação dos projetos mais urgentes e barrar eventuais pautas-bomba.
Um debate está dado. A pressão dos
servidores públicos por aumentos salariais é crescente, e não há espaço no
Orçamento para agradar a todas as categorias - algumas da elite do
funcionalismo e outras integrantes da base eleitoral de Bolsonaro, todas
insatisfeitas.
É possível listar, também, uma série de
vetos presidenciais à espera da apreciação dos parlamentares. Os grupos de
pressão que trabalham para derrubá-los não tiraram férias, como nos casos dos
vetos feitos a trechos do novo marco legal da cabotagem e do Refis das empresas
de pequeno porte e do Simples. Caso artigos do Orçamento também sejam barrados
pelo Executivo, uma vez que o prazo de sanção termina nesta semana,
dificilmente o governo terá sucesso no esforço de fazer sua vontade prevalecer
sem um time de líderes completo, alinhado e com credibilidade para negociar.
Interessados na vaga sempre aparecem. Ainda
mais diante de um cenário em que Bolsonaro não aceitará nenhuma indicação de
partidos políticos para os ministérios, quando os titulares das pastas se
desincompatibilizarem para disputar as eleições. A liderança do governo é, sim,
um posto que dá prestígio. Ela garante acesso privilegiado aos gabinetes mais
influentes da Esplanada dos Ministérios e do Palácio do Planalto, além de
propiciar maior poder nas discussões que definem a destinação dos recursos das
emendas ao Orçamento. Ativo valioso.
Mas, na visão de alguns dos interlocutores
do futuro indicado, ou seja, outras lideranças partidárias, o primeiro desafio
será convencer a todos que os acordos fechados serão cumpridos à risca e terão
respaldo do Palácio do Planalto. Isso será determinante para melhorar - ou não
- o ambiente dentro e fora da base.
O histórico do presidente, contudo, não
ajuda. “A relação de Bolsonaro com seus líderes é de contratado. Ele dá zero
consideração”, diz um senador influente da oposição. “Não estou dizendo que as
pessoas são mercenárias. Estou dizendo que o tratamento é como se fossem
mercenários que ele contrata. É assim que ele os trata. Não estou falando dos
colegas, mas da cultura do Bolsonaro."
Essa fonte lembra ainda que, em sua
tradição de negar a política, o presidente nunca construiu relações baseadas em
projetos comuns ou compromissos históricos. E com frequência abandonou os que
antes o ajudaram.
Mas, então o que seria essa cultura? E
quais os riscos de adotá-la na prática política?
O livro “Uma história da guerra”, de John
Keegan, é leitura útil. Além da figura do mercenário, explica o autor, há
várias outras formas de engajamento numa organização militar, voluntária ou forçada.
No caso dos mercenários, existe uma relação comercial por meio da qual
determinado indivíduo vende um serviço militar - não só em troca de dinheiro,
mas também de incentivos como doações de terras, concessão de cidadania ou
tratamento preferencial.
Um elemento central do contrato entre o
soberano e suas forças regulares é que elas sejam alimentadas, abrigadas e
pagas tanto na guerra quanto na paz. Por isso, há diversos exemplos históricos
de mandatários que acabam caindo na tentação de adquirir serviços militares
apenas quando estes se fazem necessários. Em outros casos, Estados suplementam
suas forças contratando mercenários, muitas vezes por longos prazos e com
resultados satisfatórios para ambas as partes. Essa é a base do sistema
mercenário.
Por outro lado, quando se tenta reduzir o
tamanho das forças ou dos benefícios entregues, há risco de motim.
E o texto vai além: “O perigo inerente à
utilização de mercenários é que os fundos necessários para sustentá-los podem
acabar antes que o contrato chegue ao final estipulado, ou que a guerra dure
mais que o esperado, com o mesmo resultado, ou ainda, se um Estado foi tão
miserável, complacente ou apático a ponto de depender exclusivamente deles, que
os mercenários venham a perceber que constituem o poder efetivo”, escreve
Keegan. “Nessas circunstâncias, são antes a seus empregadores que aos inimigos
que os mercenários representam uma ameaça: eles tomam partido em disputas
internas, fazem greve ou chantagem para receber o que lhes é devido ou por
pagamentos extras, podem até passar para o lado do inimigo. Na pior das
hipóteses, tomam o poder.”
Bolsonaro não é o primeiro presidente com
essa mentalidade. Talvez, pelo seu histórico militar, apenas aja com mais
naturalidade. Ainda pode enfrentar as consequências de manter relações desse
tipo.
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