sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O incendiário do Palácio do Planalto

O Estado de S. Paulo.

Com reajuste para forças de segurança, Bolsonaro encoraja funcionários públicos e policiais civis e militares a criarem um caos no País

O presidente Jair Bolsonaro armou mais uma crise para seu próprio governo ao prometer reajustes salariais às carreiras policiais ligadas ao Ministério da Justiça, deflagrando uma reação em todas as demais categorias de servidores públicos. Em um país que já sofre com inflação alta, juros em ascensão e desemprego elevado em meio ao recrudescimento de casos de covid-19 e, agora, também de influenza, tudo que a sociedade não precisava era de uma ameaça de greve. A entrega de cargos de chefia por funcionários da Receita Federal, Banco Central e auditores fiscais do Trabalho é mais um elemento de instabilidade para a economia, cujas projeções de crescimento foram reduzidas a 0,36% para este ano, conforme o mais recente boletim Focus.

A resposta da elite do funcionalismo cresce a cada dia, e nem poderia se esperar algo diferente. De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), cerca de mil servidores já abriram mão de funções comissionadas e, segundo o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), quase metade dos 3,5 mil em cargos de confiança teria se comprometido a fazer o mesmo. O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), associação formada por mais de 30 entidades que representam 200 mil pessoas, marcou uma paralisação para 18 de janeiro e não descarta uma greve geral em fevereiro.

A maioria do funcionalismo público não recebe aumento desde 2017 e acumula perdas salariais de 27,2%. Não é privilégio deles. No setor privado, os trabalhadores com carteira assinada obtiveram reajuste de 6,5% entre janeiro e novembro, segundo o Salariômetro da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), também inferior à inflação. O coordenador do levantamento, Hélio Zylberstjan, explicou ao Estado que isso é resultado de uma combinação perversa entre inflação e recessão, que reduz o poder de barganha dos sindicatos. A exceção à regra são justamente os funcionários públicos, cuja estabilidade assegura que protestos não terminem em demissão.

Não se trata de demonizar o instituto da estabilidade, que garantiu o mínimo de independência e autonomia aos servidores em um governo comandado por alguém que submete instituições de Estado a seus propósitos particulares. A questão é que essas categorias vivem uma realidade mais confortável que a dos trabalhadores de forma geral. No topo da carreira, parte do funcionalismo público pode ganhar até R$ 31 mil. Já a renda média dos ocupados formais e informais atingiu o piso de R$ 2.449 no trimestre encerrado em outubro, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, o pior de toda a série histórica, que teve início em 2012.

A desfaçatez de Bolsonaro é tamanha que tenta revestir um agrado à sua base eleitoral de “reestruturação”, algo que só viria por meio de uma ampla reforma administrativa. Ao elevar os rendimentos da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Departamento Penitenciário Nacional em plena recessão, ele indiretamente incentivou o restante de seus apoiadores a cobrar a mesma benesse. O País não deve se surpreender quando policiais civis e militares começarem a pressionar os governadores por aumento em seus rendimentos – quem não se lembra das crises de segurança pública no Espírito Santo e no Ceará? De sua parte, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que outras duas categorias até agora não reveladas podem ser contempladas por reajustes, o que é quase um estímulo para os servidores federais mostrarem sua força com filas de caminhões em portos e fronteiras.

Para completar, o governo dá mais uma prova de ser incapaz de elaborar um Orçamento que cumpra as exigências legais. Como mostrou o Estado, a verba reservada é suficiente para uma parte de 2022, mas não contempla o necessário para todos os meses de 2023, o que resultará em um aumento menor ou no envio de mais um projeto de lei ao Congresso para ampliar os recursos. Nunca se viu tamanho amadorismo no setor público.

A lição do 6 de Janeiro nos EUA

O Estado de S. Paulo

O triunfo da democracia depende da disposição dos cidadãos e das instituições de defendê-la de ataques cada vez mais desabridos

Há um ano, milhões de pessoas no mundo inteiro assistiram atônitas ao que até então era impensável. No dia 6 de janeiro de 2021, uma turba de vândalos, inconformados com o resultado da eleição presidencial norte-americana, tomou de assalto o Capitólio, sede do Poder Legislativo dos Estados Unidos, para impedir a certificação da vitória do democrata Joe Biden.

Cinco pessoas morreram e centenas ficaram feridas naquele fatídico dia. Congressistas e seus auxiliares tiveram de construir barricadas com o que tinham à disposição e se trancar em seus gabinetes para escapar da fúria dos insurgentes. Um grupo deles chegou a levar uma forca para o Congresso com a intenção de matar o então vice-presidente Mike Pence, presidente da sessão do Congresso que, ao final daquele mesmo dia, acabou por cumprir a Constituição e certificar a eleição de Biden como o 46.º presidente dos Estados Unidos.

Em discurso para marcar o primeiro ano do infame ataque ao Capitólio, Biden afirmou que a insurgência “não representou a morte da democracia”, mas, antes, “o renascimento da liberdade” em seu país. No entanto, o presidente americano ressaltou que, a despeito da gravidade do ataque à União, o mais grave desde a Guerra Civil Americana (1861-1865), “a democracia venceu” graças ao sacrifício dos que se dispuseram a defendê-la no momento mais dramático da história americana em muito tempo. Esta talvez seja a principal lição que pode ser aprendida com o trágico evento de um ano atrás.

A democracia, nos Estados Unidos ou em qualquer país, não prevalece por si só, não se sustenta apenas pela força de suas muitas virtudes. O triunfo do regime democrático depende fundamentalmente da disposição do povo e das instituições do Estado em defende-lo todos os dias contra ataques cada vez mais desabridos. Nos Estados Unidos, a ameaça à democracia não foi de todo dissipada. “Se não formos vigilantes, a democracia não se sustenta”, disse Biden, alertando para a divisão dos americanos e para a conversão de segmento majoritário do Partido Republicano em uma seita antidemocracia sob o comando de Trump.

Biden responsabilizou diretamente seu antecessor não só por ter incitado a sedição, mas por continuar a minar a confiança de parcela da sociedade americana no processo eleitoral de seu país. Trump, disse Biden, “criou uma rede de mentiras” para desacreditar o resultado do pleito, sem apresentar um indício de prova que consubstancie suas alegações. Não são poucos os americanos que ainda hoje acreditam que Biden seja um presidente “ilegítimo”, mesmo contra a lógica e todos os fatos que apontam exatamente o contrário.

Tudo não passa de um discurso falacioso, contra o qual os únicos antídotos, lá ou cá, são o jornalismo profissional e independente, o espírito público de servidores leais à Constituição e a responsabilidade individual dos cidadãos.

As mentiras de Trump, que levaram à tentativa de golpe e ainda hoje contaminam o debate público em seu país, ecoam no Brasil. Sentado no Palácio do Planalto está um dos mais notórios imitadores do bufão americano. O presidente Jair Bolsonaro responde a inquéritos na Justiça por disseminar mentiras sobre a segurança das urnas eletrônicas. Dado seu comportamento indigno na Presidência, é difícil imaginar uma pacífica transferência de poder a um sucessor caso Bolsonaro seja derrotado na eleição de outubro.

É importante lembrar que Bolsonaro já ameaçou a Nação ao sustentar que a eleição americana “foi fraudada” e que, “se tiver voto eletrônico no Brasil em 2022, vai ser a mesma coisa lá dos Estados Unidos” (sic), referindo-se à invasão do Capitólio. Bolsonaro é alguém que ascendeu politicamente incitando a baderna institucional. Como militar, não respeitou a disciplina nem a hierarquia do Exército Brasileiro. Portanto, não há razões para acreditar que ele haveria de se comportar como estadista em caso de derrota. Todo cuidado é pouco.

As instituições devem estar vigilantes e agir para levar à Justiça todos que se levantarem contra a Constituição do País. “Não se defende o império das leis apenas quando é conveniente”, advertiu Biden. O alerta está dado.

Volta ao passado

Folha de S. Paulo

Retorno da propaganda partidária ressuscita benesse que tende a favorecer caciques políticos

Como Jason, do filme de terror "Sexta-feira 13" que parece que morre, mas ressurge na continuação, a propaganda partidária no rádio e na TV já pode voltar.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou esta semana, com um veto, a lei que ressuscita essa modalidade de publicidade, que não deve ser confundida com a propaganda eleitoral, que ocorre nos meses que antecedem o pleito.

A propaganda partidária é uma cota semestral a que todos os partidos que cumpram a cláusula de desempenho têm direito. As inserções variam conforme o número de deputados federais eleitos pela legenda. Nos semestres em que ocorrem votações, a propaganda partidária da lugar à eleitoral.

São muitos os equívocos e as inconveniências da nova lei. Eles começam pelo mérito da proposta. Se, em tempos pré-internet, ainda dava para discutir a necessidade de criar caminhos para que as legendas levassem suas ideias aos cidadãos, na era da rede de computadores isso se tornou um arcaísmo —que os caciques dos partidos sabem converter em poder pessoal.

Mesmo que se considere importante manter o instituto, haveria questionamentos sobre o formato escolhido. Os parlamentares descartaram os programas em blocos mais longos para favorecer as inserções de poucos segundos. É a consagração da ideia de que as mensagens políticas não se distinguem da de um comercial de sabão em pó.

Outro ponto a destacar é a oportunidade. A propaganda partidária havia sido extinta em 2017 num contexto de redução de danos.

Diante da decisão do STF de proibir doações de empresas, o Congresso se preparava para aprovar o bilionário fundo eleitoral. Os próprios parlamentares se deram conta do exagero e resolveram extinguir a propaganda partidária. Agora que os gastos públicos com candidatos estão normalizados, decidiram restaurar a benesse.

O único veto que Bolsonaro apôs ao projeto foi sobre o dispositivo que permitia às emissoras de rádio e TV abater a cessão do horário de seus impostos a pagar —um valor em torno dos R$ 400 milhões, atualizando os números de 2017.

Os otimistas podem ver aí uma saudável preocupação em poupar recursos públicos. Mas uma explicação alternativa e mais verossímil é que Bolsonaro quis dar uma estocada na Rede Globo e afiliadas, que ele vê como inimigas.

Se essa hipótese é correta, são grandes as chances de que, em fevereiro, quando o Parlamento voltar do recesso, o veto seja derrubado. Se contam às dezenas os parlamentares que têm vínculos diretos ou familiares com concessões de rádio e TV, o que significa que o brasileiro iria, mais uma vez, pagar para ver o que não quer.

Toga mais diversa

Folha de S. Paulo

Ações de paridade de gênero, como a adotada pela OAB-SP, expõem discrepâncias na magistratura

É auspiciosa a notícia de que a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, a maior do país, deverá adotar a partir de agora a paridade de gênero na indicação de vagas de juízes para o Tribunal de Justiça de São Paulo.

A medida inédita foi anunciada no início da semana pela nova presidente da OAB-SP, Patricia Vanzolini, durante sua posse. A própria eleição da professora e criminalista põe fim a um tabu: após 22 homens, trata-se da primeira mulher a ocupar o posto em 90 anos de história da seccional.

Por lei, a entidade encaminha lista sêxtupla para o preenchimento de duas vagas no TJ-SP —a escolha final cabe ao governador do estado. Em setembro de 2021, o conselho da OAB-SP apresentou duas listas ao tribunal. Em ambas, dos seis nomes indicados, havia cinco homens e apenas uma mulher.

Decerto louvável, o formato expõe, contudo, o abismo existente na composição da magistratura brasileira, tanto em questões de gênero como de raça.

Levantamento realizado pela Folha em fevereiro de 2020, com informações do Conselho Nacional de Justiça, mostrou que as mulheres eram 37,5% do corpo de juízes dos Tribunais de Justiça do Brasil.

A proporção de mulheres entre os magistrados estaduais, porém, desaba conforme a carreira atinge cargos mais elevados: elas eram cerca de 20% do total de desembargadores —os juízes que julgam processos de segunda instância.

A disparidade se mostra mais acentuada justamente no TJ paulista. À época, havia 31 mulheres entre os seus 360 desembargadores, menos de 9% do total.

O estudo apontou que a corte tinha mais desembargadores chamados Luiz (32) que mulheres (31). Isso sem contar outros sete magistrados de nome Luís, com a letra "s".

Mais discrepante é a desarmonia entre brancos e negros. Pretos e pardos são apenas 18% do Judiciário —1,6% e 16,5%, respectivamente, segundo dados de 2018 do CNJ.

Ações que buscam equidade, como reserva percentual de vagas em concursos, revelam-se acanhadas. Estima-se que só em 2044 será atingida a ainda vergonhosa marca de 22% de juízes negros no país.

Se por óbvio a busca pela diversidade de gênero e raça é uma imposição dramática em espaços de poder na sociedade brasileira, um sistema de Justiça mais equânime em suas fileiras pode aproximá-lo da população que julga, além de restringir arbitrariedades e injustiças.

Lula deveria ser explícito sobre seu plano econômico

O Globo

É intrigante a ambivalência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o programa econômico de sua candidatura à Presidência. Só entra no assunto a contragosto. De um lado, tenta emitir sinais de tranquilidade a empresários e ao mercado financeiro, corteja o ex-tucano Geraldo Alckmin para ser seu vice e cultiva a imagem, semeada em seu governo, do pragmático que não fará loucuras. Ao mesmo tempo, economistas e lideranças de seu partido continuam a defender o “terraplanismo fiscal” que marcou as gestões petistas e o ideário desenvolvimentista que jamais deu certo no Brasil.

Exemplos dessa leitura singular dos fatos econômicos têm se repetido com regularidade. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, celebrou o retrocesso nas privatizações de empresas de energia na Argentina. O próprio Lula apoiou a revogação da reforma trabalhista espanhola, criticou a política de preços da Petrobras e não cansa de defender seu desastroso programa de subsídios e protecionismo à indústria naval (chegou a afirmar que o objetivo da Operação Lava-Jato era destruí-la).

O ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli contestou as estimativas de perdas escandalosas na construção da refinaria Abreu e Lima, defendendo implicitamente o caso mais escabroso de intervenção misturada à corrupção desmascarado pela Lava-Jato. O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa atribuiu não ao descalabro fiscal dos governos petistas, mas à própria Lava-Jato, às pautas-bomba no Congresso e à situação internacional a maior parcela da responsabilidade pela recessão que começou em 2014.

Nada disso chega perto do artigo publicado pelo também ex-ministro da Fazenda Guido Mantega no jornal Folha de S.Paulo, como porta-voz da campanha de Lula. Mantega omitiu o salto na dívida pública que resultou da incúria fiscal de Dilma (segundo o economista Alexandre Schwartsman, o superávit fiscal de 1,7% do PIB em 2013 virou déficit de 2,5% em maio de 2016, quando ela deixou a Presidência em razão do processo de impeachment). Omitiu também o momento em que o Brasil perdeu o grau de investimento das agências de risco (no governo Dilma). Esqueceu que Dilma entregou o país com um PIB menor que em 2011 e que os ganhos de renda dos mais pobres atribuídos aos petistas se acumulavam desde o governo Itamar Franco.

Mantega também deu a entender que a volta de Lula representaria o desmonte dos avanços na legislação trabalhista implementados desde o governo Michel Temer e o abandono definitivo do teto de gastos, âncora fiscal que permitiu reduzir os juros. Falou num “ambicioso plano de investimentos públicos e privados” capaz de sustentar o crescimento, em “políticas industriais e de investimento tecnológico que devolvam a competitividade da indústria”, em “retomar a via do social-desenvolvimentismo rumo ao Estado de Bem-Estar Social”. A tradução disso em termos concretos é a repetição da agenda econômica que levou o país ao buraco nas gestões petistas, o incentivo à corrupção e ao compadrio entre o governo e seus empresários preferidos.

Se é esse mesmo o programa econômico de Lula, ele deveria ser explícito a respeito. Economia é área crítica em qualquer governo. Não é razoável que o favorito nas eleições seja ambíguo ou omisso sobre o tema. O eleitor tem o direito de saber no que está votando, sob pena de se arrepender depois.

Aumentos nas tarifas de ônibus expõem crise crônica do transporte

O Globo

O transporte urbano no país não anda bem. Cidadãos já fustigados pela pandemia de Covid-19, pela crise financeira avassaladora e pelo desemprego renitente se veem às voltas neste início de ano com reajustes nas tarifas de ônibus. Como mostrou reportagem do GLOBO, mais de 30 cidades brasileiras anunciaram aumentos de passagens, que em alguns casos superam 20%. Na média, consultorias estimam alta de 10%, a maior desde 2015. Sem dúvida, essas decisões terão impacto na inflação e, consequentemente, no bolso dos cidadãos.

O problema não está no reajuste em si. Os serviços de transporte são regidos por contratos que preveem recomposição de custos e equilíbrio da concessão. É sabido que a pandemia reduziu drasticamente o número de passageiros — entre janeiro e outubro do ano passado, a demanda caiu 41,5%. Insumos tiveram aumentos significativos — o diesel subiu 48%. O Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), um dos indexadores de contratos de transporte, fechou 2021 em 17,78%. Tais fatores não podem ser ignorados por políticos ávidos por fazer populismo, congelando tarifas ou mantendo valores que não cobrem os custos de operação.

A questão a considerar é outra: de modo geral, os passageiros pagam caro por serviços ruins. Pelo estímulo histórico ao transporte rodoviário, nas grandes cidades brasileiras os ônibus desempenham papel que caberia a trens ou metrôs. No Rio, eles detêm 70% do mercado. Contratos costumam ser desrespeitados tanto pelo poder público quanto pelas concessionárias, e nem sempre há transparência sobre os cálculos que levam ao valor das tarifas.

O Rio é um exemplo dessas distorções. Sucessivas administrações fracassaram em oferecer à população um transporte minimamente aceitável. Ônibus velhos, barulhentos e quentes, motoristas mal treinados, falta de transparência e corrupção (como mostrou a Lava-Jato) contribuem para degradar o setor. O prefeito Eduardo Paes considera o transporte uma de suas frustrações em 2021. Ele governa a cidade pela terceira vez, e não há indicação de que o sistema tenha melhorado nas gestões anteriores.

Diante das dificuldades óbvias e de reajustes inexoráveis, surge a velha cantilena de recorrer aos cofres públicos. Prefeitos e governadores tentam conseguir R$ 5 bilhões da União para cobrir as gratuidades de idosos, definidas em lei federal. Outra questão mal resolvida. Não se discute o direito de idosos à gratuidade, mas deveria haver fonte de recursos para isso.

Subsídios podem mascarar os problemas. O transporte urbano deveria se mover com suas próprias rodas. Governadores e prefeitos precisam trocar as decisões políticas pelas técnicas. O valor da tarifa tem de contemplar os custos do sistema com a maior transparência possível. Estados e prefeituras podem formular políticas públicas, como o bilhete único, para reduzir o impacto do preço das passagens aos usuários. Difícil acreditar que em ano eleitoral políticos estejam dispostos a enfrentar o problema crônico do transporte. Mais fácil ficarem parados.

Fed muda o tom e agora indica pressa em combater inflação

Valor Econômico

O Fed navega até certo ponto em mares desconhecidos

As discussões na última reunião do Federal Reserve continham algo mais do que o que foi transmitido com um ar sereno por seu presidente, Jerome Powell, em entrevista, ou no comunicado emitido ao término do encontro. A ata de ontem mostra que houve praticamente consenso de que a inflação já foi longe demais e de que a meta do pleno emprego foi praticamente atingida. O Fed concluiu que é o momento de agir, ou seja, antecipar o início do ciclo de aumento dos juros e outras providências que comecem a reduzir a enorme liquidez extra criada pelas medidas destinadas a combater os estragos econômicos provocados pela pandemia.

Os mercados se inquietaram com o tom mais urgente e duro, ligeiramente diferente do de Powell ao fim da reunião. A iminência de o país atingir o pleno emprego e uma inflação generalizada e mais persistente do que se esperava levou o banco a determinar a redução mais drástica de sua compra de ativos, antecipando seu fim para a metade de março. As apostas do mercado dão dois terços de chance de um aumento de 0,25 ponto percentual vir logo em seguida, seguidos de mais 2 antes do fim do ano - antes, estimava-se que o torniquete dos juros começaria a ser usado a partir do segundo semestre de 2022. No gráfico de pontos, a maioria dos membros do Fomc já sinalizava sua inclinação por levar a taxa a 1%.

Esta percepção formou-se pelo relato da ata na qual “os participantes notaram que, segundo suas perspectivas individuais para a economia, para o mercado de trabalho e para a inflação, pode se tornar justificável aumentar a taxa dos fed funds antes ou a um ritmo mais rápido do que eles próprios previam”.

Havia mais na ata, porém. O Fomc fez uma intensa discussão não apenas sobre antecipar o prazo de compras de ativos, mas também quando e de que forma iniciar a redução do balanço do banco, que hoje ultrapassa US$ 8 trilhões. A aparente pressa pode ter relação com o perigo inflacionário, ou não. Em um cenário em que o risco deflacionário era predominante, o Fed parou de adquirir ativos em 2014, subiu os juros e só começou a diminuir o seu balanço em outubro de 2017. Nada de muito relevante aconteceu.

Agora, a predisposição do Fed, sempre condicionada ao desempenho da economia, é tornar esse processo bem mais rápido, logo após o primeiro aumento de juros, possivelmente em junho, o que seria justificável pela diferença de condições das duas circunstâncias nas quais o Fed tomou essa iniciativa. “Os participantes ressaltaram, notadamente, que a perspectiva econômica atual é mais robusta, com inflação maior e um mercado de trabalho mais apertado que no início da normalização anterior”, menciona a ata, além do fato de que o balanço do Fed ser hoje muito maior em termos absolutos e relativos (como proporção do PIB).

Outra característica do balanço do Fed é particularmente importante: o prazo dos títulos em posse do banco é hoje menor, ou seja, segundo alguns participantes, dependendo do limite fixado para a redução do balanço ele pode encolher mais rápido do que na iniciativa anterior. E alguns membros do Fomc consideraram que seria apropriada uma redução significativa durante o período de normalização monetária, dada a “liquidez abundante” nos mercados monetários e o elevado uso das compras reversas no overnight.

A ata mostra concordância sobre o processo ter de ser previamente anunciado, detalhado, e com tetos fixados para a redução ao longo do tempo. Mas ao estabelecer como primeiro e principal instrumento de política monetária a taxa de juros, o Fed reconhece que há menos incertezas sobre os efeitos de mudanças nos juros do que no balanço do banco central.

Não é trivial reduzir um balanço dessa dimensão e o Fed navega até certo ponto em mares desconhecidos. Se der prioridade aos títulos curtos, sua taxa de juros tende a subir, reforçando a ação aperto monetário, mas achatando a curva já que os títulos de longo prazo não se moverão muito. Se quiser evitar isso, o Fed teria que atuar na ponta longa, ou seja, na prática, influir em toda a curva a termo das taxas de juros.

De qualquer forma, o Fed incluiu mais um instrumento para a normalização monetária que ainda não estava no radar dos investidores e sinalizou premência em agir contra a inflação, em um grau inexistente antes. Para o Fed, a taxa de juros de curto prazo só irá a 3% em 2024 - um ritmo mais que moderado. Não se sabe se a cadência prescrita já foi ultrapassada pelos acontecimentos - e por isso os investidores estão ficando nervosos.

 

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