EDITORIAIS
O incendiário do Palácio do Planalto
O Estado de S. Paulo.
Com reajuste para forças de segurança,
Bolsonaro encoraja funcionários públicos e policiais civis e militares a
criarem um caos no País
O presidente Jair Bolsonaro armou mais uma
crise para seu próprio governo ao prometer reajustes salariais às carreiras
policiais ligadas ao Ministério da Justiça, deflagrando uma reação em todas as
demais categorias de servidores públicos. Em um país que já sofre com inflação
alta, juros em ascensão e desemprego elevado em meio ao recrudescimento de
casos de covid-19 e, agora, também de influenza, tudo que a sociedade não
precisava era de uma ameaça de greve. A entrega de cargos de chefia por
funcionários da Receita Federal, Banco Central e auditores fiscais do Trabalho
é mais um elemento de instabilidade para a economia, cujas projeções de
crescimento foram reduzidas a 0,36% para este ano, conforme o mais recente
boletim Focus.
A resposta da elite do funcionalismo cresce a cada dia, e nem poderia se esperar algo diferente. De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), cerca de mil servidores já abriram mão de funções comissionadas e, segundo o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), quase metade dos 3,5 mil em cargos de confiança teria se comprometido a fazer o mesmo. O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), associação formada por mais de 30 entidades que representam 200 mil pessoas, marcou uma paralisação para 18 de janeiro e não descarta uma greve geral em fevereiro.
A maioria do funcionalismo público não
recebe aumento desde 2017 e acumula perdas salariais de 27,2%. Não é privilégio
deles. No setor privado, os trabalhadores com carteira assinada obtiveram
reajuste de 6,5% entre janeiro e novembro, segundo o Salariômetro da Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), também inferior à inflação. O
coordenador do levantamento, Hélio Zylberstjan, explicou ao Estado que isso é
resultado de uma combinação perversa entre inflação e recessão, que reduz o
poder de barganha dos sindicatos. A exceção à regra são justamente os
funcionários públicos, cuja estabilidade assegura que protestos não terminem em
demissão.
Não se trata de demonizar o instituto da
estabilidade, que garantiu o mínimo de independência e autonomia aos servidores
em um governo comandado por alguém que submete instituições de Estado a seus
propósitos particulares. A questão é que essas categorias vivem uma realidade
mais confortável que a dos trabalhadores de forma geral. No topo da carreira,
parte do funcionalismo público pode ganhar até R$ 31 mil. Já a renda média dos
ocupados formais e informais atingiu o piso de R$ 2.449 no trimestre encerrado
em outubro, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
Contínua do IBGE, o pior de toda a série histórica, que teve início em 2012.
A desfaçatez de Bolsonaro é tamanha que
tenta revestir um agrado à sua base eleitoral de “reestruturação”, algo que só
viria por meio de uma ampla reforma administrativa. Ao elevar os rendimentos da
Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Departamento Penitenciário
Nacional em plena recessão, ele indiretamente incentivou o restante de seus
apoiadores a cobrar a mesma benesse. O País não deve se surpreender quando
policiais civis e militares começarem a pressionar os governadores por aumento
em seus rendimentos – quem não se lembra das crises de segurança pública no Espírito
Santo e no Ceará? De sua parte, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou
que outras duas categorias até agora não reveladas podem ser contempladas por
reajustes, o que é quase um estímulo para os servidores federais mostrarem sua
força com filas de caminhões em portos e fronteiras.
Para completar, o governo dá mais uma prova
de ser incapaz de elaborar um Orçamento que cumpra as exigências legais. Como
mostrou o Estado, a verba reservada é suficiente para uma parte de 2022, mas
não contempla o necessário para todos os meses de 2023, o que resultará em um
aumento menor ou no envio de mais um projeto de lei ao Congresso para ampliar
os recursos. Nunca se viu tamanho amadorismo no setor público.
A lição do 6 de Janeiro nos EUA
O Estado de S. Paulo
O triunfo da democracia depende da disposição dos cidadãos e das instituições de defendê-la de ataques cada vez mais desabridos
Há um ano, milhões de pessoas no mundo
inteiro assistiram atônitas ao que até então era impensável. No dia 6 de janeiro
de 2021, uma turba de vândalos, inconformados com o resultado da eleição
presidencial norte-americana, tomou de assalto o Capitólio, sede do Poder
Legislativo dos Estados Unidos, para impedir a certificação da vitória do
democrata Joe Biden.
Cinco pessoas morreram e centenas ficaram
feridas naquele fatídico dia. Congressistas e seus auxiliares tiveram de
construir barricadas com o que tinham à disposição e se trancar em seus
gabinetes para escapar da fúria dos insurgentes. Um grupo deles chegou a levar
uma forca para o Congresso com a intenção de matar o então vice-presidente Mike
Pence, presidente da sessão do Congresso que, ao final daquele mesmo dia,
acabou por cumprir a Constituição e certificar a eleição de Biden como o 46.º
presidente dos Estados Unidos.
Em discurso para marcar o primeiro ano do
infame ataque ao Capitólio, Biden afirmou que a insurgência “não representou a
morte da democracia”, mas, antes, “o renascimento da liberdade” em seu país. No
entanto, o presidente americano ressaltou que, a despeito da gravidade do
ataque à União, o mais grave desde a Guerra Civil Americana (1861-1865), “a
democracia venceu” graças ao sacrifício dos que se dispuseram a defendê-la no
momento mais dramático da história americana em muito tempo. Esta talvez seja a
principal lição que pode ser aprendida com o trágico evento de um ano atrás.
A democracia, nos Estados Unidos ou em
qualquer país, não prevalece por si só, não se sustenta apenas pela força de
suas muitas virtudes. O triunfo do regime democrático depende fundamentalmente
da disposição do povo e das instituições do Estado em defende-lo todos os dias
contra ataques cada vez mais desabridos. Nos Estados Unidos, a ameaça à
democracia não foi de todo dissipada. “Se não formos vigilantes, a democracia
não se sustenta”, disse Biden, alertando para a divisão dos americanos e para a
conversão de segmento majoritário do Partido Republicano em uma seita
antidemocracia sob o comando de Trump.
Biden responsabilizou diretamente seu
antecessor não só por ter incitado a sedição, mas por continuar a minar a
confiança de parcela da sociedade americana no processo eleitoral de seu país.
Trump, disse Biden, “criou uma rede de mentiras” para desacreditar o resultado
do pleito, sem apresentar um indício de prova que consubstancie suas alegações.
Não são poucos os americanos que ainda hoje acreditam que Biden seja um
presidente “ilegítimo”, mesmo contra a lógica e todos os fatos que apontam
exatamente o contrário.
Tudo não passa de um discurso falacioso,
contra o qual os únicos antídotos, lá ou cá, são o jornalismo profissional e
independente, o espírito público de servidores leais à Constituição e a
responsabilidade individual dos cidadãos.
As mentiras de Trump, que levaram à
tentativa de golpe e ainda hoje contaminam o debate público em seu país, ecoam
no Brasil. Sentado no Palácio do Planalto está um dos mais notórios imitadores
do bufão americano. O presidente Jair Bolsonaro responde a inquéritos na
Justiça por disseminar mentiras sobre a segurança das urnas eletrônicas. Dado
seu comportamento indigno na Presidência, é difícil imaginar uma pacífica
transferência de poder a um sucessor caso Bolsonaro seja derrotado na eleição
de outubro.
É importante lembrar que Bolsonaro já
ameaçou a Nação ao sustentar que a eleição americana “foi fraudada” e que, “se
tiver voto eletrônico no Brasil em 2022, vai ser a mesma coisa lá dos Estados
Unidos” (sic), referindo-se à invasão do Capitólio. Bolsonaro é alguém que
ascendeu politicamente incitando a baderna institucional. Como militar, não
respeitou a disciplina nem a hierarquia do Exército Brasileiro. Portanto, não
há razões para acreditar que ele haveria de se comportar como estadista em caso
de derrota. Todo cuidado é pouco.
As instituições devem estar vigilantes e
agir para levar à Justiça todos que se levantarem contra a Constituição do
País. “Não se defende o império das leis apenas quando é conveniente”, advertiu
Biden. O alerta está dado.
Volta ao passado
Folha de S. Paulo
Retorno da propaganda partidária ressuscita
benesse que tende a favorecer caciques políticos
Como Jason, do filme de terror
"Sexta-feira 13" que parece que morre, mas ressurge na continuação, a
propaganda partidária no rádio e na TV já pode voltar.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou
esta semana, com um veto, a lei que
ressuscita essa modalidade de publicidade, que não deve ser
confundida com a propaganda eleitoral, que ocorre nos meses que antecedem o
pleito.
A propaganda partidária é uma cota
semestral a que todos os partidos que cumpram a cláusula de desempenho têm
direito. As inserções variam conforme o número de deputados federais eleitos
pela legenda. Nos semestres em que ocorrem votações, a propaganda partidária da
lugar à eleitoral.
São muitos os equívocos e as
inconveniências da nova lei. Eles começam pelo mérito da proposta. Se, em
tempos pré-internet, ainda dava para discutir a necessidade de criar caminhos
para que as legendas levassem suas ideias aos cidadãos, na era da rede de
computadores isso se tornou um arcaísmo —que os caciques dos
partidos sabem converter em poder pessoal.
Mesmo que se considere importante manter o
instituto, haveria questionamentos sobre o formato escolhido. Os parlamentares
descartaram os programas em blocos mais longos para favorecer as inserções de
poucos segundos. É a consagração da ideia de que as mensagens políticas não se
distinguem da de um comercial de sabão em pó.
Outro ponto a destacar é a oportunidade. A
propaganda partidária havia sido extinta em 2017 num contexto de redução de
danos.
Diante da decisão do STF de proibir doações
de empresas, o Congresso se preparava para aprovar o bilionário
fundo eleitoral. Os próprios parlamentares se deram conta do exagero
e resolveram extinguir a propaganda partidária. Agora que os gastos públicos
com candidatos estão normalizados, decidiram restaurar a benesse.
O único veto que Bolsonaro apôs ao projeto
foi sobre o dispositivo que permitia às emissoras de rádio e TV abater a cessão
do horário de seus impostos a pagar —um valor em torno dos R$ 400 milhões,
atualizando os números de 2017.
Os otimistas podem ver aí uma saudável
preocupação em poupar recursos públicos. Mas uma explicação alternativa e mais
verossímil é que Bolsonaro quis dar uma estocada na Rede Globo e afiliadas, que
ele vê como inimigas.
Se essa hipótese é correta, são grandes as
chances de que, em fevereiro, quando o Parlamento voltar do recesso, o veto
seja derrubado. Se contam às dezenas os parlamentares que têm vínculos diretos
ou familiares com concessões de rádio e TV, o que significa que o brasileiro
iria, mais uma vez, pagar para ver o que não quer.
Toga mais diversa
Folha de S. Paulo
Ações de paridade de gênero, como a adotada
pela OAB-SP, expõem discrepâncias na magistratura
É auspiciosa a notícia de que a seccional
paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, a maior do país, deverá adotar a
partir de agora a paridade
de gênero na indicação de vagas de juízes para o Tribunal de Justiça
de São Paulo.
A medida inédita foi anunciada no início da
semana pela nova presidente da OAB-SP, Patricia Vanzolini, durante sua posse. A
própria eleição da professora e criminalista põe fim a um tabu: após 22 homens,
trata-se da primeira mulher a ocupar o posto em 90 anos de história da
seccional.
Por lei, a entidade encaminha lista
sêxtupla para o preenchimento de duas vagas no TJ-SP —a escolha final cabe ao
governador do estado. Em setembro de 2021, o conselho da OAB-SP apresentou duas
listas ao tribunal. Em ambas, dos seis nomes indicados, havia cinco homens e
apenas uma mulher.
Decerto louvável, o formato expõe, contudo,
o abismo existente na composição da magistratura brasileira, tanto em questões
de gênero como de raça.
Levantamento
realizado pela Folha em fevereiro de 2020, com informações do
Conselho Nacional de Justiça, mostrou que as mulheres eram 37,5% do corpo de
juízes dos Tribunais de Justiça do Brasil.
A proporção de mulheres entre os
magistrados estaduais, porém, desaba conforme a carreira atinge cargos mais
elevados: elas eram cerca de 20% do total de desembargadores —os juízes que
julgam processos de segunda instância.
A disparidade se mostra mais acentuada
justamente no TJ paulista. À época, havia 31 mulheres entre os seus 360
desembargadores, menos de 9% do total.
O estudo apontou que a corte tinha mais
desembargadores chamados Luiz (32) que mulheres (31). Isso sem contar outros
sete magistrados de nome Luís, com a letra "s".
Mais discrepante é a desarmonia entre
brancos e negros. Pretos e pardos são apenas 18% do Judiciário —1,6% e 16,5%,
respectivamente, segundo dados de 2018 do CNJ.
Ações que buscam equidade, como reserva percentual
de vagas em concursos, revelam-se acanhadas. Estima-se que só em 2044 será
atingida a ainda vergonhosa marca de 22% de juízes negros no país.
Se por óbvio a busca pela diversidade de
gênero e raça é uma imposição dramática em espaços de poder na sociedade
brasileira, um sistema de Justiça mais equânime em suas fileiras pode
aproximá-lo da população que julga, além de restringir arbitrariedades e
injustiças.
Lula deveria ser explícito sobre seu plano
econômico
O Globo
É intrigante a ambivalência do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o programa econômico de sua
candidatura à Presidência. Só entra no assunto a contragosto. De um lado, tenta
emitir sinais de tranquilidade a empresários e ao mercado financeiro, corteja o
ex-tucano Geraldo Alckmin para ser seu vice e cultiva a imagem, semeada em seu
governo, do pragmático que não fará loucuras. Ao mesmo tempo, economistas e
lideranças de seu partido continuam a defender o “terraplanismo fiscal” que
marcou as gestões petistas e o ideário desenvolvimentista que jamais deu certo
no Brasil.
Exemplos dessa leitura singular dos fatos
econômicos têm se repetido com regularidade. A presidente do PT, Gleisi
Hoffmann, celebrou o retrocesso nas privatizações de empresas de energia na
Argentina. O próprio Lula apoiou a revogação da reforma trabalhista espanhola,
criticou a política de preços da Petrobras e não cansa de defender seu
desastroso programa de subsídios e protecionismo à indústria naval (chegou a
afirmar que o objetivo da Operação Lava-Jato era destruí-la).
O ex-presidente da Petrobras José Sérgio
Gabrielli contestou as estimativas de perdas escandalosas na construção da
refinaria Abreu e Lima, defendendo implicitamente o caso mais escabroso de
intervenção misturada à corrupção desmascarado pela Lava-Jato. O ex-ministro da
Fazenda Nelson Barbosa atribuiu não ao descalabro fiscal dos governos petistas,
mas à própria Lava-Jato, às pautas-bomba no Congresso e à situação
internacional a maior parcela da responsabilidade pela recessão que começou em
2014.
Nada disso chega perto do artigo publicado
pelo também ex-ministro da Fazenda Guido Mantega no jornal Folha de S.Paulo,
como porta-voz da campanha de Lula. Mantega omitiu o salto na dívida pública
que resultou da incúria fiscal de Dilma (segundo o economista Alexandre
Schwartsman, o superávit fiscal de 1,7% do PIB em 2013 virou déficit de 2,5% em
maio de 2016, quando ela deixou a Presidência em razão do processo de
impeachment). Omitiu também o momento em que o Brasil perdeu o grau de
investimento das agências de risco (no governo Dilma). Esqueceu que Dilma
entregou o país com um PIB menor que em 2011 e que os ganhos de renda dos mais
pobres atribuídos aos petistas se acumulavam desde o governo Itamar Franco.
Mantega também deu a entender que a volta
de Lula representaria o desmonte dos avanços na legislação trabalhista
implementados desde o governo Michel Temer e o abandono definitivo do teto de
gastos, âncora fiscal que permitiu reduzir os juros. Falou num “ambicioso plano
de investimentos públicos e privados” capaz de sustentar o crescimento, em
“políticas industriais e de investimento tecnológico que devolvam a
competitividade da indústria”, em “retomar a via do social-desenvolvimentismo
rumo ao Estado de Bem-Estar Social”. A tradução disso em termos concretos é a
repetição da agenda econômica que levou o país ao buraco nas gestões petistas,
o incentivo à corrupção e ao compadrio entre o governo e seus empresários
preferidos.
Se é esse mesmo o programa econômico de
Lula, ele deveria ser explícito a respeito. Economia é área crítica em qualquer
governo. Não é razoável que o favorito nas eleições seja ambíguo ou omisso
sobre o tema. O eleitor tem o direito de saber no que está votando, sob pena de
se arrepender depois.
Aumentos nas tarifas de ônibus expõem crise
crônica do transporte
O Globo
O transporte urbano no país não anda bem.
Cidadãos já fustigados pela pandemia de Covid-19, pela crise financeira
avassaladora e pelo desemprego renitente se veem às voltas neste início de ano
com reajustes nas tarifas de ônibus. Como mostrou reportagem do GLOBO, mais de
30 cidades brasileiras anunciaram aumentos de passagens, que em alguns casos
superam 20%. Na média, consultorias estimam alta de 10%, a maior desde 2015.
Sem dúvida, essas decisões terão impacto na inflação e, consequentemente, no
bolso dos cidadãos.
O problema não está no reajuste em si. Os
serviços de transporte são regidos por contratos que preveem recomposição de
custos e equilíbrio da concessão. É sabido que a pandemia reduziu drasticamente
o número de passageiros — entre janeiro e outubro do ano passado, a demanda
caiu 41,5%. Insumos tiveram aumentos significativos — o diesel subiu 48%. O
Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), um dos indexadores de contratos de
transporte, fechou 2021 em 17,78%. Tais fatores não podem ser ignorados por
políticos ávidos por fazer populismo, congelando tarifas ou mantendo valores
que não cobrem os custos de operação.
A questão a considerar é outra: de modo
geral, os passageiros pagam caro por serviços ruins. Pelo estímulo histórico ao
transporte rodoviário, nas grandes cidades brasileiras os ônibus desempenham
papel que caberia a trens ou metrôs. No Rio, eles detêm 70% do mercado.
Contratos costumam ser desrespeitados tanto pelo poder público quanto pelas
concessionárias, e nem sempre há transparência sobre os cálculos que levam ao
valor das tarifas.
O Rio é um exemplo dessas distorções.
Sucessivas administrações fracassaram em oferecer à população um transporte
minimamente aceitável. Ônibus velhos, barulhentos e quentes, motoristas mal
treinados, falta de transparência e corrupção (como mostrou a Lava-Jato)
contribuem para degradar o setor. O prefeito Eduardo Paes considera o
transporte uma de suas frustrações em 2021. Ele governa a cidade pela terceira
vez, e não há indicação de que o sistema tenha melhorado nas gestões
anteriores.
Diante das dificuldades óbvias e de
reajustes inexoráveis, surge a velha cantilena de recorrer aos cofres públicos.
Prefeitos e governadores tentam conseguir R$ 5 bilhões da União para cobrir as
gratuidades de idosos, definidas em lei federal. Outra questão mal resolvida.
Não se discute o direito de idosos à gratuidade, mas deveria haver fonte de
recursos para isso.
Subsídios podem mascarar os problemas. O
transporte urbano deveria se mover com suas próprias rodas. Governadores e
prefeitos precisam trocar as decisões políticas pelas técnicas. O valor da
tarifa tem de contemplar os custos do sistema com a maior transparência
possível. Estados e prefeituras podem formular políticas públicas, como o
bilhete único, para reduzir o impacto do preço das passagens aos usuários.
Difícil acreditar que em ano eleitoral políticos estejam dispostos a enfrentar
o problema crônico do transporte. Mais fácil ficarem parados.
Fed muda o tom e agora indica pressa em
combater inflação
Valor Econômico
O Fed navega até certo ponto em mares
desconhecidos
As discussões na última reunião do Federal
Reserve continham algo mais do que o que foi transmitido com um ar sereno por
seu presidente, Jerome Powell, em entrevista, ou no comunicado emitido ao
término do encontro. A ata de ontem mostra que houve praticamente consenso de
que a inflação já foi longe demais e de que a meta do pleno emprego foi
praticamente atingida. O Fed concluiu que é o momento de agir, ou seja,
antecipar o início do ciclo de aumento dos juros e outras providências que
comecem a reduzir a enorme liquidez extra criada pelas medidas destinadas a
combater os estragos econômicos provocados pela pandemia.
Os mercados se inquietaram com o tom mais
urgente e duro, ligeiramente diferente do de Powell ao fim da reunião. A
iminência de o país atingir o pleno emprego e uma inflação generalizada e mais
persistente do que se esperava levou o banco a determinar a redução mais
drástica de sua compra de ativos, antecipando seu fim para a metade de março.
As apostas do mercado dão dois terços de chance de um aumento de 0,25 ponto
percentual vir logo em seguida, seguidos de mais 2 antes do fim do ano - antes,
estimava-se que o torniquete dos juros começaria a ser usado a partir do segundo
semestre de 2022. No gráfico de pontos, a maioria dos membros do Fomc já
sinalizava sua inclinação por levar a taxa a 1%.
Esta percepção formou-se pelo relato da ata
na qual “os participantes notaram que, segundo suas perspectivas individuais
para a economia, para o mercado de trabalho e para a inflação, pode se tornar
justificável aumentar a taxa dos fed funds antes ou a um ritmo mais rápido do
que eles próprios previam”.
Havia mais na ata, porém. O Fomc fez uma
intensa discussão não apenas sobre antecipar o prazo de compras de ativos, mas
também quando e de que forma iniciar a redução do balanço do banco, que hoje
ultrapassa US$ 8 trilhões. A aparente pressa pode ter relação com o perigo
inflacionário, ou não. Em um cenário em que o risco deflacionário era
predominante, o Fed parou de adquirir ativos em 2014, subiu os juros e só
começou a diminuir o seu balanço em outubro de 2017. Nada de muito relevante
aconteceu.
Agora, a predisposição do Fed, sempre
condicionada ao desempenho da economia, é tornar esse processo bem mais rápido,
logo após o primeiro aumento de juros, possivelmente em junho, o que seria
justificável pela diferença de condições das duas circunstâncias nas quais o
Fed tomou essa iniciativa. “Os participantes ressaltaram, notadamente, que a perspectiva
econômica atual é mais robusta, com inflação maior e um mercado de trabalho
mais apertado que no início da normalização anterior”, menciona a ata, além do
fato de que o balanço do Fed ser hoje muito maior em termos absolutos e
relativos (como proporção do PIB).
Outra característica do balanço do Fed é
particularmente importante: o prazo dos títulos em posse do banco é hoje menor,
ou seja, segundo alguns participantes, dependendo do limite fixado para a
redução do balanço ele pode encolher mais rápido do que na iniciativa anterior.
E alguns membros do Fomc consideraram que seria apropriada uma redução
significativa durante o período de normalização monetária, dada a “liquidez
abundante” nos mercados monetários e o elevado uso das compras reversas no
overnight.
A ata mostra concordância sobre o processo
ter de ser previamente anunciado, detalhado, e com tetos fixados para a redução
ao longo do tempo. Mas ao estabelecer como primeiro e principal instrumento de
política monetária a taxa de juros, o Fed reconhece que há menos incertezas
sobre os efeitos de mudanças nos juros do que no balanço do banco central.
Não é trivial reduzir um balanço dessa
dimensão e o Fed navega até certo ponto em mares desconhecidos. Se der
prioridade aos títulos curtos, sua taxa de juros tende a subir, reforçando a
ação aperto monetário, mas achatando a curva já que os títulos de longo prazo
não se moverão muito. Se quiser evitar isso, o Fed teria que atuar na ponta
longa, ou seja, na prática, influir em toda a curva a termo das taxas de juros.
De qualquer forma, o Fed incluiu mais um
instrumento para a normalização monetária que ainda não estava no radar dos
investidores e sinalizou premência em agir contra a inflação, em um grau
inexistente antes. Para o Fed, a taxa de juros de curto prazo só irá a 3% em
2024 - um ritmo mais que moderado. Não se sabe se a cadência prescrita já foi
ultrapassada pelos acontecimentos - e por isso os investidores estão ficando
nervosos.
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