A União Europeia (UE), tomando consciência
da severidade da crise pandémica e dos seus profundos efeitos nos diferentes
Estados-Membros, promoveu uma resposta coletiva e concertada, tendo os
Estados-Membros acordado simultaneamente o Quadro Financeiro Plurianual para o
período 2021-2027 e os instrumentos de recuperação europeia, designado de Próxima Geração da UE, aprovado no Conselho Europeu,
em julho de 2020, ou seja, já havia a previsão de perdas geracionais ainda no
princípio do primeiro ano pandêmico. Com efeito, os Estados-Membros
comprometeram-se com uma visão de futuro conjunto, para dar forma nas
mitigações dos efeitos que decorreriam da capacidade de resposta totalmente assimétrica
dos Estados-Membros.
É neste contexto que se deve falar da proposta de reforma trabalhista na Espanha pois evoca um processo complexo de tempos diferentes onde a pandemia cruza um conjunto longuíssimo de mudanças que não conseguiram acabar com os seus graves problemas no seu mercado de trabalho. A conjunção de pandemia com a história institucional trabalhista espanhola extremamente complexa fez com que o trabalho por lá (e não só lá) fosse afetado ainda mais pelo desemprego, pelas más condições de emprego e impede a plena cidadania no trabalho.
Desde a aprovação do Estatuto dos
Trabalhadores em 1980, logo que foi lançada a Democracia do Pacto de Moncloa,
trabalhar em Espanha seguiu e segue carregando um pesado fardo da falta de
liberdade por conta do caudilho Francisco Franco (1892-1975) que acabou por impedir
que uma parte significativa das trabalhadoras e trabalhadores de reivindicar plenamente
seus direitos e criou uma inércia, de dimensão epocal, que com a pandemia só se
agravou.
Assim, é determinante entender que a proposta
de reforma trabalhista espanhola de dezembro de 2021 se insere num reclame da
UE, que já havia insistido na necessidade de se enfrentar as carências desse
mercado de trabalho que praticamente constitui-se numa anomalia naquele
continente.
Por isso que essa iniciativa conta com os
procedimentos dos fundos europeus de inscrição orçamentária e da assunção de
encargos plurianuais, e respectivos mecanismos de controle, relativamente a
instrumentos financeiros europeus, enquadrados na Próxima Geração da UE, cujos
programas para Espanha seguem elegíveis e legalmente estabelecidos na proposta
da reforma, o que permite a execução de despesa para 2022 por conta desses
programas.
Pois foi, também, estabelecido o modelo de
governança dos fundos europeus atribuídos a Espanha através do Plano de
Recuperação, Transformação e Resiliência (PRTR), que foi formalmente aprovado
pelas instituições europeias (através do Conselho de Assuntos Económicos e
Financeiros – ECOFIN) em 13 de julho de 2021, após ter sido adotado pelo
Conselho de Ministros a 27 de abril, apresentado à Comissão Europeia em 30 de
abril, sendo positivamente avaliada por aquelas instituições até junho.
Neste contexto, a proposta de reforma
trabalhista espanhola nada tem a ver com visões simplistas revogatórias e trata-se
sim de medidas urgentes por conta do enfrentamento da UE frente a COVID-19, da
qual a Espanha é participe. Esse regime de urgência, inclusive de execução orçamentária
e de agilização de procedimentos e definição de competências referentes à
execução da proposta de reforma que integra o PRTR aprovado pela Comissão
Europeia, por parte das ações das entidades da administração ministerial e da
segurança social espanhola, de modo a agilizar a concretização dessas medidas,
de forma célere e transparente.
Não à toa que recentemente (novembro e
dezembro de 2021) o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman em suas colunas
semanais no New York Times, que tem recebido, versões das mesmas no jornal Folha
de São Paulo explica por que a Europa está se saindo melhor do que os EUA na
recuperação do mercado de trabalho. É isso o que de fato está em questão e que
podemos refletir para sairmos do nosso atoleiro de ideias e imaginação no nosso
bicentenário.
Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 2022
*Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE
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