sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Ricardo José de Azevedo Marinho*: Sobre as medidas urgentes espanholas com vistas a reforma trabalhista

A pandemia da COVID-19 é uma emergência de saúde pública internacional, que originou grandes impactos a nível social e econômico, e que se teve de dar uma resposta imediata no plano sanitário, bem como através de um conjunto significativo de medidas de apoio aos desempregados e desempregadas, as empregadas e empregados e seus rendimentos.

A União Europeia (UE), tomando consciência da severidade da crise pandémica e dos seus profundos efeitos nos diferentes Estados-Membros, promoveu uma resposta coletiva e concertada, tendo os Estados-Membros acordado simultaneamente o Quadro Financeiro Plurianual para o período 2021-2027 e os instrumentos de recuperação europeia, designado de Próxima Geração da UE, aprovado no Conselho Europeu, em julho de 2020, ou seja, já havia a previsão de perdas geracionais ainda no princípio do primeiro ano pandêmico. Com efeito, os Estados-Membros comprometeram-se com uma visão de futuro conjunto, para dar forma nas mitigações dos efeitos que decorreriam da capacidade de resposta totalmente assimétrica dos Estados-Membros.

É neste contexto que se deve falar da proposta de reforma trabalhista na Espanha pois evoca um processo complexo de tempos diferentes onde a pandemia cruza um conjunto longuíssimo de mudanças que não conseguiram acabar com os seus graves problemas no seu mercado de trabalho. A conjunção de pandemia com a história institucional trabalhista espanhola extremamente complexa fez com que o trabalho por lá (e não só lá) fosse afetado ainda mais pelo desemprego, pelas más condições de emprego e impede a plena cidadania no trabalho.

Desde a aprovação do Estatuto dos Trabalhadores em 1980, logo que foi lançada a Democracia do Pacto de Moncloa, trabalhar em Espanha seguiu e segue carregando um pesado fardo da falta de liberdade por conta do caudilho Francisco Franco (1892-1975) que acabou por impedir que uma parte significativa das trabalhadoras e trabalhadores de reivindicar plenamente seus direitos e criou uma inércia, de dimensão epocal, que com a pandemia só se agravou.

Assim, é determinante entender que a proposta de reforma trabalhista espanhola de dezembro de 2021 se insere num reclame da UE, que já havia insistido na necessidade de se enfrentar as carências desse mercado de trabalho que praticamente constitui-se numa anomalia naquele continente.

Por isso que essa iniciativa conta com os procedimentos dos fundos europeus de inscrição orçamentária e da assunção de encargos plurianuais, e respectivos mecanismos de controle, relativamente a instrumentos financeiros europeus, enquadrados na Próxima Geração da UE, cujos programas para Espanha seguem elegíveis e legalmente estabelecidos na proposta da reforma, o que permite a execução de despesa para 2022 por conta desses programas.

Pois foi, também, estabelecido o modelo de governança dos fundos europeus atribuídos a Espanha através do Plano de Recuperação, Transformação e Resiliência (PRTR), que foi formalmente aprovado pelas instituições europeias (através do Conselho de Assuntos Económicos e Financeiros – ECOFIN) em 13 de julho de 2021, após ter sido adotado pelo Conselho de Ministros a 27 de abril, apresentado à Comissão Europeia em 30 de abril, sendo positivamente avaliada por aquelas instituições até junho.

Neste contexto, a proposta de reforma trabalhista espanhola nada tem a ver com visões simplistas revogatórias e trata-se sim de medidas urgentes por conta do enfrentamento da UE frente a COVID-19, da qual a Espanha é participe. Esse regime de urgência, inclusive de execução orçamentária e de agilização de procedimentos e definição de competências referentes à execução da proposta de reforma que integra o PRTR aprovado pela Comissão Europeia, por parte das ações das entidades da administração ministerial e da segurança social espanhola, de modo a agilizar a concretização dessas medidas, de forma célere e transparente.

Não à toa que recentemente (novembro e dezembro de 2021) o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman em suas colunas semanais no New York Times, que tem recebido, versões das mesmas no jornal Folha de São Paulo explica por que a Europa está se saindo melhor do que os EUA na recuperação do mercado de trabalho. É isso o que de fato está em questão e que podemos refletir para sairmos do nosso atoleiro de ideias e imaginação no nosso bicentenário.

Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 2022

*Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE

 

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