O Estado de S. Paulo.
Assim como nos Estados Unidos, embora não seja o único tema, a covid-19 terá certamente um peso eleitoral no Brasil
O ano começa com um problema que não nos
deixou: a pandemia. Embora não tenha condições científicas de afirmar, parece
que uma nova onda de covid-19 se abate sobre o Brasil, trazida pela variante
Ômicron. Baseio-me em observações pessoais, muitos conhecidos testando positivo
e também pelo crescimento do número de testes nas farmácias.
O líder do governo na Câmara, Ricardo
Barros, afirma que no processo eleitoral a pandemia já estará esquecida.
Naturalmente que a performance de Bolsonaro não o ajuda e os políticos que o
apoiam querem passar uma borracha sobre o tema.
Mas o próprio Bolsonaro, se não bastasse a
Ômicron, se dedica a prolongar a polêmica sobre a pandemia. No momento em que a
imunização já avançava, ele investiu contra o passaporte sanitário. Na entrada
do ano, o governo dedica-se a empurrar com a barriga a vacinação infantil, por
orientação do próprio Bolsonaro.
Assim como nos Estados Unidos, embora não seja o único tema, a pandemia terá certamente um peso eleitoral. A resistência de Bolsonaro à vacinação infantil deve afastá-lo mais ainda do eleitorado feminino. Sem contar que muitas crianças voltam às aulas sem que o processo tenha sido realizado integralmente, aumentando os riscos.
O princípio de ano foi marcado, também,
pelas consequências das grandes chuvas na Bahia. Bolsonaro foi incapaz de um
gesto de empatia. Ao contrário, dedicou-se a passeios de jet-ski e visitas a um
parque infantil no Sul do País.
Foram as maiores chuvas dos últimos 32
anos. Além da indispensável solidariedade, da reconstrução de estradas, casas e
de cuidados médicos, a tempestade merecia uma reflexão que não aconteceu.
Felizmente, houve avisos que podem ter atenuado os estragos.
Mas é evidente que as cidades brasileiras,
com seus rios assoreados e suas construções precárias, não estão preparadas
para os eventos extremos que virão na esteira do aquecimento global. É urgente
um debate nacional sobre o tema, embora cada lugar seja um problema específico.
Acredito que um plano de adaptação das cidades brasileiras é mais do que
urgente. Definido como um plano de adaptação às mudanças climáticas, é possível
até que se possa captar recursos no exterior.
Se Bolsonaro optou pelo jet-ski, é sinal de
que não dá a mínima importância a esse tema, que, por sinal, ele nega como nega
a importância da pandemia.
Numa campanha em que a fome e o desemprego
serão temas principais, a única forma de introduzir o aquecimento global é
precisamente como um instrumento de abertura de vagas de trabalho e aumento de
renda. Assim como o próprio saneamento básico.
Meu trabalho é chamar a atenção para esses
temas. Os prováveis vencedores das eleições de 2022 ainda não se manifestaram
sobre eles. No meu caso, ainda estão envolvidos num processo de rancor,
divulgando que votei em Bolsonaro e preciso me autocriticar. Não votei nem
influenciei um mísero voto em Bolsonaro. No entanto, milhares, talvez milhões
de pessoas tenham votado nele porque, naquele momento, temiam a vitória do PT.
Minha última presença eleitoral foi ser candidato contra Sérgio Cabral, a quem
apoiaram com entusiasmo.
Não será fácil, portanto, avançar alguns
temas indispensáveis para colocar o Brasil na trilha moderna.
Felizmente, resta a esperança de que o
rancor não se desloque da pessoa para os temas que defende.
Da mesma maneira, a instalação de uma
infraestrutura digital é cada vez mais necessária para o País atravessar os
tempos de agora.
No passado, tivemos de combater ideias como
as de ônibus de inclusão digital, que resultaram, na verdade, em operações de
superfaturamento, sem incluir quase ninguém.
A superação de Bolsonaro será um grande
alívio na vida científica, cultural e na própria tensão sobre os principais
ecossistemas do País.
No entanto, nem todos os problemas estarão
resolvidos. Quem se expõe ao fogo cruzado dificilmente escapará dele. Duvido
que escaparia, mesmo por meio de uma candidatura de centro. As condições de
radicalização não só estão presentes no tecido social, como encontraram na
internet a sua plataforma ideal.
Ainda assim, o importante não é tanto
discutir sobre pessoas ou acontecimentos. Mas, sim, as ideias que podem mover o
Brasil para alguma direção. Nesse sentido, a campanha eleitoral ainda não
começou e é razoável que se saiba pouco. O único problema seria ver a campanha
se desenrolar sem que apareçam as ideias mestras do processo e sobrevivam
apenas ataques, fake news e ressentimento. Ficará difícil de encontrar um
antídoto para tanto veneno.
O Brasil se atrasou muito neste período que
se encerra em 2022. Será um esforço gigantesco para recuperar o passo. A
primeira coisa a fazer é reconhecer o atraso e recuperar ao menos no plano
subjetivo a noção da grandeza da tarefa. A alternativa é resignar-se com o
atraso e dedicar-se aos velhos embates de um país irremediavelmente dividido.
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