Correio Braziliense
Bolsonaro sabota a estratégia
de imunização das crianças. É um péssimo exemplo para a saúde pública. A
subnotificação está mascarando a verdadeira dimensão da quarta onda de Covid-19
O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a
criticar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por liberar a
vacinação do público pediátrico de 5 a 11 anos. Chamou os cientistas e médicos
que defendem a vacinação das crianças a partir dos cinco anos de “tarados da
vacina” e reiterou que a sua filha, de 11, não será vacinada. Sua ofensiva
contra a vacinação de crianças e pré-adolescentes ocorre num momento em que
explodem os casos de influenza e de covid-19, inclusive com transmissão
comunitária da variante ômicron. Pronto- socorros e ambulatórios estão lotados,
houve aumento exponencial da procura por testes de covid-19.
Os números registrados nos Estados Unidos, Europa e Ásia revelam que a quarta onda da pandemia de covid-19 é uma realidade, com o registro de mais de 2,5 milhões de casos por dia. A interpretação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de que o Brasil está fora dessa rota não corresponde à realidade. Além disso, corrobora as suspeitas de que o apagão de dados do SUS pode ter sido provocado por hackers, mas a demora para resolver o problema faz parte da má vontade e das manobras protelatórias do governo federal contra a vacinação. O ministro está incorrendo nos mesmos erros que o general Eduardo Pazuello cometeu à frente do Ministério da Saúde, ao se submeter aos caprichos do presidente da República e dar as costas à população em situação de risco sanitário.
Não custa nada lembrar a velha história do
grão-vizir da Pérsia, que inventou o tabuleiro com 64 quadros, vermelhos e
pretos, cuja peça mais importante era o rei — a segunda peça, o próprio
grão-vizir, foi substituído pela rainha com o passar dos anos. Reza a lenda que
rei gostou tanto do jogo de xadrez, que pediu ao grão-vizir para determinar sua
própria recompensa. O grão-vizir pediu ao rei que lhe fosse dado um único grão
de trigo no primeiro quadrado, dois no segundo, quatro no terceiro e assim por
diante, dobrando sempre as quantidades. O rei achou a recompensa insignificante
e aceitou.
Entretanto, quando o administrador do
celeiro real começou a contar os grãos, o rei teve uma surpresa muito
desagradável. O número começou pequeno: 1, 2, 4, 8, 16, 32 (…) e foi crescendo,
128, 256, 512, 1024… Quando chegou à última das 64 casas do tabuleiro, era de
quase 18,5 quintilhões. Quanto pesa cada grão de trigo? Se cada um tiver um
milímetro, pesariam 75 milhões de toneladas métricas, muito mais do que havia
nos armazéns reais. “Se o xadrez tivesse 100 quadrados (10 por 10), em vez de
64 a quantidade de grãos teria pesado o mesmo que a Terra”, comparou o físico
Carl Sagan, em Bilhões e Bilhões.
Essa história é uma boa analogia com a
tragédia de 619 mil de mortos por covid-19 no Brasil, que parece não ser levada
em conta pelo atual ministro da Saúde. Pazuello tinha a desculpa da disciplina
militar (“ele manda, eu obedeço”). Queiroga, não. É um médico cujo juramento
está sendo rasgado, porque se tornou apenas mais um áulico negacionista no alto
escalão do governo.
Subnotificação
A vacinação em massa, que já atingiu 67,42%
da população brasileira com duas doses ou dose única graças ao SUS, e a menor
letalidade da nova variante ômicron vão evitar que o número de mortos se
multiplique outra vez. Entretanto, cresce exponencialmente o número de novos
casos de covid-19, inclusive entre os 37% já vacinados com três doses. A
subnotificação está mascarando a verdadeira dimensão da quarta onda no Brasil.
O grande problema é que os não vacinados estão correndo risco de vida. E o
grande número de pacientes com influenza e/ou covid-19 já está impactando o
sistema hospitalar.
A falta de empatia de Bolsonaro com as
vítimas de covid-19 permanece a mesma: “Desconheço (o número de crianças mortas
por covid-19), mas, com toda certeza, existe algum moleque que morreu em função
de covid, mas que tinha algum problema de saúde grave ou tinha outra
comorbidade”. Em dezembro, registrou-se que 2.625 crianças e adolescentes entre
zero e 19 anos morreram de covid-19, desde o primeiro caso da doença no Brasil,
em março de 2020. Para qualquer família, perder uma criança ou um adolescente é
um trauma para o resto da vida. É muito antinatural os filhos morrerem antes
dos pais.
Bolsonaro sabota a estratégia de imunização
das crianças: “Você vai vacinar seu filho contra algo que, no jovem, por si só,
a possibilidade de morrer é de quase zero? O que está por trás disso? Qual é o
interesse da Anvisa por trás disso? Qual é o interesse das pessoas taradas por
vacina? É pela sua vida? Pela sua saúde? Se fosse, estariam preocupados com
outras doenças, e não estão. Não se deixe levar por propaganda”. O presidente
da República é um péssimo exemplo para a saúde pública.
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