terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Maria Clara R. M. do Prado: Bancos Centrais, de volta ao básico?

Valor Econômico

Só os EUA podem dar-se ao luxo de elevar endividamento público sem se preocupar com a forma de financiá-lo

Há cerca de 26 anos, Alan Greenspan, então presidente do Fed, cunhou a expressão “exuberância irracional” a propósito do aumento extraordinário e sem fundamento observado nos preços das ações de empresas ligadas à internet. Seguiu-se dali uma política monetária de juros baixos e de apoio aos investidores que haviam tomado risco em excesso com vistas a amenizar os efeitos recessivos que o estouro da bolha das “dot.com” poderia causar na economia americana.

Desde então, a política monetária do Fed passou a ser guiada por decisões discricionárias, tomadas ao sabor dos ventos com potencial para comprometer o crescimento e o funcionamento do mercado. Em 2007 e 2008, como se sabe, a discricionariedade foi levada ao limite com a série de medidas de resgate às instituições financeiras no rastro da crise dos empréstimos alavancados sobre créditos imobiliários de baixa capacidade de retorno, os chamados “sub prime”.

A decisão de injetar liquidez no sistema financeiro com a compra de títulos de toda a ordem, públicos e privados, inchou os balanços não só do Fed, mas do BCE (Banco Central Europeu) e do Bank of England. Teve também o efeito de acentuar nos bancos e nas instituições financeiras em geral a garantia de que, não importa o que fizessem nem para quem emprestassem, sua solvência estaria protegida.

O famoso “moral hazard” espalhou-se pelo sistema bancário, deteriorou a noção de risco e criou distorções no funcionamento dos mercados. Taxas de juro baixas, algumas vezes negativas, estimuladas por uma política monetária frouxa e pela própria expectativa de que os juros se manteriam baixos, acabaram por criar um ambiente econômico atípico ao qual o economista John Taylor chamou de “Great Deviation” - Grande Desvio. Há mais de dez anos, ele já alertava para o fato de que as taxas de juros eram mantidas muito baixas, por muito tempo, com consequências imprevisíveis.

Na pandemia, desde o início de 2020, a política monetária continuou a deixar de lado as regras básicas de atuação de um banco central, centrada estritamente na meta de inflação, e aprofundou sua veia criativa ao prolongar o processo de aquisição de ativos como forma de manter fluido o mercado de crédito.

Mas a realidade econômica passou a ser outra. A pandemia encarregou-se de chacoalhar o status quo vigente desde os anos 90, quando a liberdade de movimento de mercadorias e de investimentos tornou o mundo menor, ajudou a reduzir custos e sem dúvida contribuiu para sustentar a frouxidão da política monetária.

A covid-19 embaralhou as cadeias produtivas e o sistema de fornecimento just in time. Também desequilibrou a relação entre o setor industrial e o setor de serviços, além de provocar uma crise no setor de energia como nunca se vira desde os anos 70. E, como se não bastasse, afetou o mercado de trabalho, em especial nos Estados Unidos, com padrões de comportamento discrepantes e até aqui incompreensíveis: excesso de oferta de trabalho e salários em alta em um quadro que acusa, ao mesmo tempo, uma massa significativa de gente sem emprego.

Os descompassos trouxeram de volta a inflação para surpresa geral e, pasmem, dos próprios bancos centrais que demoraram a se mexer. A cautela que priorizou nas últimas décadas a estabilidade financeira ao invés da estabilidade monetária foi esticada ao máximo em 2021 até que o Fed não teve outra alternativa senão a de admitir que será obrigado a voltar a funcionar como um banco central e não mais como um banco de fomento.

Face à preocupante marca de 10% de inflação ao ano registrada nos Estados Unidos, o Fed finalmente anunciou em dezembro que os juros vão subir e que será abandonada a política de estímulo à liquidez através da compra de ativos, mas só em março. Em paralelo, os ativos que carrega em carteira serão paulatinamente devolvidos ao mercado ao longo deste ano e talvez do próximo. Tudo muito devagar, com cuidado, para não ferir o sistema financeiro.

Aos poucos, parece que os bancos centrais estão de volta ao básico dos instrumentos clássicos usados na execução da política monetária. Ainda não se sabe quão apertada será. Vai depender da duração da pandemia e do estado em que e quando a economia mundial voltará a funcionar tão logo consiga suplantar os vários gargalos do setor produtivo.

Resta claro, porém, que inflação não é um bicho em extinção, como chegaram a pensar vários economistas ao longo dos últimos anos. No extremo, os defensores da chamada Modern Monetary Theory (MMT) - Teoria Monetária Moderna - propugnaram um novo entendimento do que seja moeda, inflação e dinheiro público.

A moeda não teria nenhuma implicação direta com a inflação e por isso pode circular à vontade, em um cenário de juros sempre baixos, onde o excesso de demanda seria satisfeito por gastos e investimentos do setor público, sustentado pelos impostos e taxas arrecadados junto ao setor privado e por emissão monetária. Uma espécie de economia meio capenga, onde o papel do setor privado seria o de contribuir para o aumento do gasto público.

Note-se que apenas os Estados Unidos podem dar-se ao luxo de terem elevado endividamento público sem se preocuparem com a forma de financiá-lo, uma vez que são emissores da moeda mais líquida e de maior conversibilidade no mundo. Mesmo assim, devem saber os economistas ligados à MMT, aquela circunstância excepcional não é suficiente para evitar a inflação no país.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Economia é sempre um tema complicado,eu sou um eterno aprendiz.