O Globo
A entrada de recursos estrangeiros não é exclusividade do Brasil e pode mascarar riscos em momento de aumento de gastos em ano de eleições
A queda do dólar e a entrada de
investidores estrangeiros na Bolsa brasileira neste início de ano podem levar o
Congresso e o governo a uma interpretação equivocada. A de que o mercado
financeiro não está preocupado com as propostas de subsídio dos combustíveis e
os seus impactos sobre as contas públicas. O capital que chega ao país este ano
é atraído pelo bom momento dos preços das commodities e pelo aumento da Taxa
Selic, o que beneficia ações de bancos e instituições financeiras. O risco para
o país é o Congresso se aproveitar dessa “trégua” dos investidores para ampliar
ainda mais as despesas e pressionar a dívida.
O economista-chefe do banco digital Modalmais, Álvaro Bandeira, explica que, na visão do mercado financeiro, o ano eleitoral será de ampliação de gastos, independentemente da Bolsa e do câmbio. Por isso, há pouca reação negativa neste momento diante das PECs que circulam no Congresso. O Orçamento, explica, está nas mãos de políticos do centrão, que já deram demonstrações de que farão o que for preciso para ajudar na reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Ele acredita que essa piora do quadro fiscal já estava “na conta” dos investidores desde o ano passado, com a mudança na PEC dos Precatórios e seus efeitos sobre o teto de gastos.
— O Congresso vai gastar o que for preciso,
independentemente da reação do mercado. Já tiraram o teto, já botaram o PIB lá
em cima no Orçamento, o que aumenta a projeção de arrecadação. Então temos um
quadro que é natural de certa forma no Brasil, que é na véspera de eleição se
gastar mais —afirmou Bandeira.
Ontem a FGV divulgou o IGP-DI, com forte
alta de 2,01% em janeiro, o que deixou a taxa em 12 meses em 16,71%. Ou seja,
foi mais um indicador ruim de inflação neste início de ano, agora no atacado.
Se por um lado a alta dos preços das commodities ajuda na valorização de
empresas como a Vale e a Petrobras, por outro pressiona a inflação e leva o
Banco Central a subir a Taxa Selic. Hoje o BC divulgará a Ata do Copom, e a
preocupação fiscal também será motivo para justificar o aumento dos juros.
Na América do Sul, as bolsas de países
exportadores de commodities também estão em alta este ano, como Argentina,
Colômbia, Peru e Chile. A entrada de recursos estrangeiros não é exclusividade
do Brasil e pode mascarar riscos em momento de aumento de gastos em ano de
eleições. O vento dos mercados sempre pode mudar de direção rapidamente.
Maré alta
Segundo levantamento da Economática, das 10
ações mais valorizadas na Bolsa brasileira este ano, apenas uma não está ligada
a commoditites ou ao setor financeiro. A própria B3 lidera a lista, com alta de
23%, seguida por Itaú Unibanco (21%), Bradesco (19%), Bradespar (18%) e
PetroRio (16%). Petrobras e Vale também sobem 15%, impulsionadas pelo aumento
do petróleo e do minério de ferro. Por setores, mineração, petróleo e gás e
serviços financeiros são os segmentos com os maiores retornos no ano, diz Einar
Rivero, gerente de Relacionamento Institucional da Economática.
Freio de mão
A indústria automotiva vive praticamente
três choques que têm afetado a produção e as vendas. A pandemia continua
dificultando o acesso a componentes eletrônicos para produção, os preços dos
carros dispararam com essa restrição de oferta e, para completar, a Taxa Selic
voltou aos dois dígitos. Para se ter uma ideia da importância dos juros para o
setor, mais de 50% das vendas de veículos acontecem de forma financiada no
Brasil, como mostra o gráfico. “E temos um ano de baixa previsão de crescimento
do PIB”, explica o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, que aposta nas
exportações para tentar amenizar o quadro.
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