Folha de S. Paulo
Não fazer nada para tolher alguns excessos
é permitir que a mentira e o extremismo tomem conta do debate público
Não foram poucos os alertas que
circundaram minha
coluna da semana passada: foi-me avisado inúmeras vezes que grande parte do
público não entende ironia. Naquele texto, parti de ressalvas razoáveis à
liberdade de expressão irrestrita e cheguei, passo a passo, à defesa da censura
prévia total exercida por um conselho de notáveis.
Fui massacrado, acusado de ser um comunista defensor de ditaduras. Príncipes de duas famílias reais lideraram o coro: Luís Philippe de Orleans e Bragança e Carlos Bolsonaro. O texto suscitou respostas e comentários tanto no jornal como fora dele, nas redes, por colunistas da casa: Thiago Amparo, Leandro Narloch, Lygia Maria. E o coroamento se deu na coluna do ombudsman do jornal, José Henrique Mariante. Para ele, o texto tinha um tom beligerante. Mas a beligerância esteve toda nas reações a ele, e não foi à toa.
Ao contrário do parecer unânime dos
críticos, fiquei muito satisfeito com o resultado, que superou minhas expectativas.
É parte do objetivo de um texto irônico que sua ironia não seja entendida por
boa parte dos leitores,
que ficarão furiosos ou, em alguns casos, aplaudirão o escrito. A reação só
ocorreu porque o tema é relevante: as novas tecnologias de comunicação provocam
os limites da liberdade de expressão.
Demos um megafone na mão de cada cidadão. E
o que engaja mais atenção não é necessariamente o melhor, o mais profundo ou o
mais verdadeiro. Infelizmente, dada a psicologia humana, a realidade complexa é
muito menos apetecível do que mentiras e distorções feitas sob medida para
confirmar nossas crenças e desejos.
Não fazer nada para tolher alguns excessos
é permitir
que a mentira e o extremismo tomem conta do debate público. Por outro lado,
tentar amordaçar o debate, levando-o de volta ao status quo pré-redes,
coloca-nos no caminho da distopia totalitária.
E não é que alguns, ao se depararem com uma
imagem dessa distopia, gostaram do que viram? No mínimo, isso deveria suscitar
alguma reflexão interna. É na certeza de se travar uma guerra santa que se
cometem os piores pecados.
Ao dar mais poder aos indivíduos, as redes
enfraqueceram as instituições que costumavam detê-lo: imprensa e academia. Mas
isso não os torna obsoletos. Torna-os ainda mais importantes, desde que saibam
como se colocar. O papel da imprensa segue fundamental: buscar incansavelmente
a objetividade dos fatos e, no campo das opiniões e interpretações desses
fatos, permitir uma pluralidade de vozes com relevância e qualidade.
As próprias redes têm se preocupado
em criar regras para coibir a desinformação. As medidas incluem desde ações
mais brandas, como colar um aviso de conteúdo duvidoso, indicar links para
informação confiável e apoiar agências de checagens, até atos mais duros como
limitar o alcance de postagens e perfis, deletar posts e até mesmo banir
usuários.
Da mesma forma, a imprensa deve estar
disposta a expandir sua pluralidade, desafio que a Folha tem bancado. Um
artigo longo ou uma entrevista em profundidade e com questionamentos, pelos
seus próprios formatos, convidam à reflexão e não ao extremismo, diferentemente
de um meme, uma manchete enganosa ou um vídeo exaltado. Mais do que querer
banir opiniões, aqueles indignados com más ideias têm que se habituar a
respondê-las eficazmente, inclusive com ironia quando julgarem necessário.
Um comentário:
Não estou lembrando do artigo ''irônico'',vou procurar.
Postar um comentário