Valor Econômico
Possibilidade de período de prosperidade
pós-pandemia dependerá da atitude de governos tanto de países ricos quanto dos
pobres
A situação atual no mundo e principalmente
no Brasil permanece tão assustadora que precisamos pedir licença ou desculpas
antecipadas para fazer digressões otimistas sobre o futuro próximo.
Vamos a uma. Quem tem fé pode rezar e quem
não tem, torcer para que o período pós-pandemia, ansiosamente esperado, seja
semelhante ao pós-Segunda Guerra Mundial. A ômicron ainda atinge todo o planeta
e aterroriza o Brasil em razão do estúpido negacionismo governamental. Apesar
disso, as gerações atuais, depois de dois ou três sofridos anos da covid-19,
talvez tenham a chance de saborear uma reprise dos “Anos Dourados” que
sucederam o maior conflito bélico da humanidade, de 1939 a 1945, quando
morreram 60 milhões de pessoas.
A guerra sanitária atual, felizmente, não terá essa mesma dimensão em matéria de mortes - até agora as perdas são de 5,8 milhões de pessoas no mundo. Mas há a possibilidade de que os “Anos Dourados” se repitam, dependendo da atitude de governos tanto de países ricos quanto dos pobres.
Flávio Azevedo Marques Saes e Alexandre
Macchione Saes dedicam um capítulo de seu livro “História Econômica Geral” ao
relato da prosperidade dos “Anos Dourados” do capitalismo, que não se
restringiram aos EUA e a outras potências. Beneficiaram também países
subdesenvolvidos, entre eles o Brasil, e as economias socialistas da época,
particularmente a então União Soviética.
De 1950 a 1973, o crescimento médio da
economia global foi de 4,9% ao ano. Alguns exemplos: 4% ao ano nos EUA, 5% na
França, 6% na Alemanha e 9% no Japão. Desempenhos bem superiores aos de décadas
anteriores, desde o fim do século XIX.
O Brasil teve nesse período um grande
avanço na industrialização, na infraestrutura e na criação de estatais, como
Petrobras e Vale. Brasília foi construída e instalou-se em São Paulo a indústria
automobilística. A renda per capita brasileira cresceu 134% nesses “anos
dourados”.
Os empréstimos a fundo perdido do Plano
Marshall em três anos, de US$ 13 bilhões da época, foram o estopim da explosão
econômica. Esse montante representava 20 vezes o PIB brasileiro de então. Os
principais países beneficiados foram Reino Unido, França, Alemanha, Holanda e
Itália, cujo PIB conjunto cresceu 25% no período. A produção industrial
aumentou 64% e a agrícola, 24%.
Avanços também se deram com a criação de
organismos internacionais, como ONU, FMI, Bird, OCDE, Otan, CEE. Apesar da
Guerra Fria e dos conflitos da Coreia e do Vietnã, foi um momento de esforço
global de entendimento e adoção de um capitalismo voltado ao bem-estar social
no Ocidente.
Até a polarização geopolítica ajudou a
dourar aqueles anos. Agia-se para bloquear a expansão do socialismo soviético,
que ameaçava dominar toda a Europa. Com os recursos do Plano Marshall,
imaginou-se inicialmente, como castigo de guerra, transformar a Alemanha
Ocidental em um país pastoril, para que nunca mais tivesse indústria capaz de
sustentar um conflito armado. Depois, porém, adotando-se a Doutrina Truman,
fortaleceu-se toda a economia alemã para que se tornasse uma potência que
poderia servir, como de fato serviu, de barreira ao expansionismo soviético.
A prosperidade extrapolou para várias
áreas, com avanços tecnológicos e mudanças culturais e de comportamento. Houve
a expansão das transmissões de televisão, surgiram os programas espaciais que
levariam o homem à lua e depois integrariam o planeta pelas comunicações via
satélite. O filme “Being the Ricardos” (Amazon), com Nicole Kidman e Javier
Barden, mostra bem o clima geral de euforia, otimismo e esperança dos anos
1950.
Pode-se argumentar que o avanço desses anos
gloriosos foi uma simples recuperação dos anos desastrosos anteriores, com duas
guerras mundiais. A observação é só parcialmente correta, porque os avanços
suplantaram com enorme folga o nível de antes do desastre. E esses avanços não
vieram por inércia ou sorte. Além do Plano Marshall, por traz de tudo estava o
caráter keynesiano da atuação do Estado em várias partes do mundo no
pós-guerra. Os governos, com políticas fiscais expansionistas, mantiveram o
nível de atividade para garantir pleno emprego e bem-estar à população. Planos
de aposentadoria, serviços de saúde, educação gratuita, seguro-desemprego,
crédito subsidiado a habitações, entre outros, foram benefícios criados ou
aprimorados pelo setor público.
Como naquela época, o mundo tem a chance de
sair da atual guerra sanitária para um renascimento: crescimento da economia,
distribuição de renda, programas de redução de pobreza, inovações tecnológicas
e ambientais, volta de turismo, atividades culturais (shows, cinema e teatro) e
grandes eventos esportivos, como copas do mundo e olimpíadas.
O FMI prevê que a covid estará sob controle
no mundo até o fim deste ano. Mas há vários riscos pelo caminho, além de um
possível alongamento da pandemia. A Rússia pode invadir a Ucrânia e iniciar uma
nova guerra, fria ou quente. A China pode tentar incorporar Taiwan e provocar
uma intervenção dos EUA na região. O Irã pode violar o Tratado de Não
Proliferação de Armas Nucleares, com consequências incalculáveis. Ataques
cibernéticos, talvez mais letais que as pandemias, podem “apagar” o mundo
virtual. A inflação pode sair do controle e atropelar a economia mundial.
Um novo período de euforia depende muito da
habilidade das lideranças dos países para empurrar a atividade econômica com
financiamentos, política monetária adequada e gastos essenciais, sobretudo em
transferência de renda, infraestrutura, educação, saúde, tecnologia e indústria
de baixo carbono.
Gastos globais trilionários já foram feitos, principalmente nos EUA e na Europa. Há limites para isso, obviamente, para não se cair na tal da irresponsabilidade fiscal e na inflação. Com engenho e arte, será possível fazer prevalecer a política fiscal inteligente contra o fiscalismo terrorista e a austeridade radical. E desfrutar novas décadas de ouro que, por enquanto, são um sonho.
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