EDITORIAIS
Bolsonaro deveria adiar visita à Rússia
O Globo
Com mais de três anos de governo, tanto
críticos de Jair Bolsonaro quanto seus seguidores provavelmente concordam que
ele não é afeito à diplomacia, nem se importa em ser inconveniente. Essas duas
características — vistas por uns como defeitos, por outros como qualidades —
estão evidentes agora que o presidente prepara uma viagem a Moscou. Programada
para os dias 14 a 17, a visita está prevista para um momento de enorme tensão
entre, de um lado, a Rússia e, do outro, Estados Unidos e seus aliados da Organização
do Tratado do Alântico Norte (Otan). É iminente o risco de invasão militar
russa da Ucrânia.
A diplomacia americana já deu seu recado: é
contra a viagem neste momento. Europeus também não veem razão no encontro de
Putin com Bolsonaro. Este insiste em dizer que a visita se restringirá às
discussões sobre as relações bilaterais. Fala o óbvio. É evidente que a
diplomacia brasileira deve manter sua independência em relação a todos os
atores no conflito. E que existe uma agenda comum a explorar com a Rússia, país
de características semelhantes ao Brasil com quem mantemos relações tímidas
diante das possibilidades. Também está claro que o presidente do Brasil não
deve tentar influir no conflito internacional em curso.
O que Bolsonaro não leva em conta é o contexto. Um autocrata como Vladimir Putin na certa tentará usar o encontro para passar a imagem de que não tem somente a China ao seu lado. Seria péssimo para o Brasil, país a que os Estados Unidos conferiram o status de aliado militar fora da Otan, que pleiteia um lugar na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e cuja proximidade de americanos e europeus tem lastro histórico e cultural.
Numa situação assim, melhor seria adiar a
viagem. Numa data mais à frente, o Brasil ganharia duplamente. Primeiro,
Bolsonaro encontraria Putin; ministros e empresários dos dois países falariam
de acordos e negócios. Segundo, dois de nossos maiores parceiros, Estados
Unidos e União Europeia, não ficariam contrariados.
A insistência de Bolsonaro em manter a
viagem não se justifica com base no interesse nacional. A Rússia não está nem
entre os nossos dez principais mercados. Em 2021, o Brasil vendeu mais para os
países da América Central e Caribe. Embora importante na compra de alguns
produtos, nada sugere que a Rússia passe de repente a figurar como referência
aos exportadores brasileiros nos próximos anos.
A explicação mais provável para Bolsonaro
manter a viagem é um cálculo político. As imagens dele isolado na reunião do
G20 em Roma, no ano passado, não deixam dúvida sobre quanto ele é desprezado na
comunidade internacional. Não há registro recente de uma humilhação tão grande
ao chefe de Estado de um país do tamanho do Brasil.
O encontro com Putin, depois com o
autocrata húngaro Viktor Orbán, seria uma maneira de Bolsonaro mostrar que não
está tão radiativo no cenário internacional. É uma estratégia que só tem
cabimento para o núcleo duro do bolsonarismo, com sua inclinação contumaz por
regimes de extrema direita e líderes de perfil antidemocrático. Mais uma vez,
Bolsonaro prefere seus interesses eleitorais ao que seria melhor para o país.
Governo federal precisa parar de boicotar a
vacinação infantil
O Globo
Em pouco mais de um ano, a campanha de
vacinação contra a Covid-19 no Brasil ficou imune aos ataques negacionistas do
presidente Jair Bolsonaro, de seus auxiliares e seguidores. O avanço da
cobertura entre adultos comprova a forte adesão à vacina. Não se pode dizer o
mesmo em relação às crianças. São preocupantes os sinais de que a vacinação
infantil, iniciada em janeiro, sente o efeito das ondas de desinformação e das
decisões lamentáveis do governo para desestimular os pais a levar seus filhos
aos postos.
Os números da vacinação de crianças têm
ficado aquém do esperado e do necessário para deter a circulação do
coronavírus. Levantamento feito pelo GLOBO na quarta e na quinta-feira da
semana passada mostrou que algumas capitais não haviam vacinado nem 10% de suas
crianças, caso de Fortaleza (8%), Teresina (4%) e Boa Vista (2%). Pode haver
atraso nos registros, mas não parece ser o caso. No Rio, onde 98% dos adultos
já estão com o esquema vacinal completo, menos de 50% das crianças de 8 a 11
anos, que já poderiam ter sido vacinadas, foram aos postos. O secretário
municipal de Saúde, Daniel Soranz, atribui a baixa procura às campanhas de
desinformação. A capital com maior índice de adesão é São Paulo, mesmo assim
ainda abaixo de 50%.
Como se não bastassem as barreiras criadas
pelas prefeituras que passaram a exigir um descabido termo de responsabilidade
para vacinar as crianças, o governo tem agido para desestimular os pais. Sob o
comando de Marcelo Queiroga, o Ministério da Saúde publicou uma nota técnica
que exaltava a cloroquina e dizia que as vacinas não tinham eficácia. Diante da
grita da sociedade, a aberração foi modificada (embora ainda continue
incensando a cloroquina, comprovadamente ineficaz contra a Covid-19). A
ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, abriu um
canal para receber denúncias de pais contrários à vacinação, outro absurdo.
A microbiologista Natalia Pasternak, em sua
coluna no GLOBO, afirmou que as campanhas de desinformação têm mais impacto nas
crianças. “Os mercadores da dúvida sabem que pais e mães com filhos pequenos
são vítimas fáceis de incerteza e angústia”, diz. “Uma coisa é um adulto
decidir se vacinar e assumir para si os possíveis riscos associados. Outra
coisa é decidir em nome de uma criança.”
Se não quer ajudar, o governo federal
deveria ao menos não atrapalhar, como vem fazendo desde que a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a primeira vacina para crianças (há
duas autorizadas, Pfizer e CoronaVac). Alegar que a vacinação infantil é
opcional é um absurdo. Em seu artigo 14, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) afirma: “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados
pelas autoridades sanitárias”. Para neutralizar a inércia federal, estados e
municípios deveriam realizar campanhas para informar a população sobre os
benefícios de vacinar as crianças. A tarefa deveria caber ao Ministério da
Saúde, mas de lá só se pode esperar mesmo o boicote.
Ocidente na mira
Folha de S. Paulo
Aliança Xi-Putin tem limites, mas sinaliza
desgaste da ordem pós-Guerra Fria
Em relações internacionais, estabelecer
grandes marcos de eras é um esporte fútil e, usualmente, dado a imprecisões.
Isso dito, a sexta-feira passada (4) tem chances de ingressar na história como
um ponto de inflexão formal do período que sucedeu a Guerra Fria.
Aquele conflito, iniciado dos escombros da
Segunda Guerra Mundial pela disputa entre Estados Unidos e União Soviética,
acabou na prática com a ascensão de Mikhail Gorbatchov ao Kremlin em 1985.
Oficialmente, contudo, foi no Natal de 1991
que o império soviético deu seu último suspiro. De lá para cá, houve uma
história com diversas fases da dominância do Ocidente vitorioso na contenda,
com Washington à sua frente.
Claro, houve desafios de diversas ordens,
como o 11 de Setembro e suas guerras ou a crise de 2008, mas até aqui essa foi
uma canção entoada por seus vencedores.
A
formalização da aliança entre Xi Jinping e Vladimir Putin contra os
narradores ocidentais da história, ocorrida sexta em Pequim, apresenta
considerável potencial de influir nessa linha do tempo.
É, antes de tudo, uma resposta à percebida
prepotência americana, em momento de declínio relativo da influência política
de um país cada vez mais esfacelado entre facções internas rivais.
Há também ressentimentos em jogo,
principalmente em Moscou.
Os russos dizem que, em vez de terem sido
aceitos como iguais pelos EUA após 1991, foram espoliados na farra liberal que
quebrou os restos do seu país nos anos 1990 e tiveram suas áreas de contenção
geopolítica tomadas a partir dos 2000, com a expansão a leste da Otan, o braço
armado ocidental.
Já os chineses buscam ser reconhecidos como
atores políticos de quilate proporcional a seu peso econômico, o segundo maior
do mundo, fruto de uma parceria com o mesmo Ocidente que hoje teme a
musculatura asiática.
Há, por certo, limitações à aliança entre
Putin e Xi, de resto ironicamente baseada em um discurso libertário de
soberania e multilateralismo —que não se aplicam às suas audiências domésticas,
claro.
Não se antevê ainda uma aliança militar,
dadas as desconfianças mútuas entre países historicamente rivais e com largas
fronteiras. O gigantismo econômico chinês, ademais, faz o Kremlin temer a ideia
de virar uma província energética de Pequim —um sócio minoritário.
A ditadura chinesa também não tem ainda
como suplantar a Europa como mercado principal da Rússia, e há fatores
culturais em jogo.
Ainda assim, a possibilidade de cooperação
contra interesses de um Ocidente dividido, seja na Ucrânia ou em Taiwan, coloca
o arranjo sino-russo no centro da moldagem deste pedaço do século 21.
Primazia militar
Folha de S. Paulo
Num contexto de penúria geral de
investimentos, prioridade às Forças é distorção
Entre 2008 e 2014, auge dos anos petistas,
o governo federal destinava cerca de 5,6% de sua despesa a investimentos. No
início do segundo mandato de Dilma Rousseff, os recursos para obras e
equipamentos começaram a entrar em colapso.
A penúria exigiu a redução de gastos em
geral —cortes que, como de costume, recaíram em especial sobre investimentos,
que foram reduzidos a 3,3% do Orçamento, na média de 2015 a 2018, e, nos anos
de Jair Bolsonaro, a 2,3%.
Nesse grupo de despesas, as destinadas à
defesa nacional foram das mais preservadas, e não apenas no governo Jair
Bolsonaro. Também deve ser assim neste ano, como
noticiou esta Folha.
Seja qual for o motivo, a escolha de
prioridades parece inequívoca e problemática. Ciência e tecnologia, por
exemplo, está entre as áreas que sofrem os maiores arrochos.
No ano passado, o investimento de maior
valor do Ministério da Infraestrutura foi a conservação de estradas no Pará,
com cerca de R$ 390 milhões; em segundo lugar, a construção da Ferrovia de
Integração Leste-Oeste, na Bahia, com R$ 337 milhões.
Já no caso da Defesa, empenhou-se R$ 1,45
bilhão para o programa de compra de caças da FAB e R$ 435 milhões para o
cargueiro militar. Destinou-se mais de R$ 1 bilhão para os submarinos
convencionais e nucleares. Entre outros gastos maiores estão carros de combate,
helicópteros e navios.
A cúpula militar argumenta que não se pode
permitir a obsolescência das Forças Armadas, com o que perderia sentido a ideia
de mantê-las. Além do mais, aponta-se que tais programas resultam de contratos
de longo prazo, não raro com fornecedores estrangeiros, que não podem ser
interrompidos.
Quanto ao primeiro aspecto, notem-se a
degradação acelerada da já precária infraestrutura de transporte e o desmonte
do sistema de pesquisa científica e tecnológica. Não é difícil listar casos
desesperadores de carências em setores essenciais, e a despesa militar não pode
ter privilégio no julgamento adequado das prioridades.
Mais relevante é o fato de que o governo
federal destinou apenas o equivalente a 0,4% do Produto Interno Bruto para
investimentos em 2021, em um gasto não financeiro total de 18,6% do PIB.
Em casa onde faltam pão, ciência e educação
e saúde, é mais complexo dizer quem tem mais a reclamar. Falta justificativa
razoável, de todo modo, para a primazia militar.
O Supremo – e a lei – sob ataque
O Estado de S. Paulo
O descumprimento pelo Congresso de decisão
judicial sobre a publicidade das emendas de relator é parte do retrocesso
institucional instaurado pelo bolsonarismo
Ação do Congresso sobre decisão judicial é
parte do retrocesso do bolsonarismo.
São conhecidos os ataques e as ameaças do
bolsonarismo contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Ao constatar a disposição
do Judiciário em defender a Constituição – é a Justiça, e não o Congresso ou
mesmo a oposição, que tem recordado os limites institucionais da Presidência da
República –, Jair Bolsonaro transformou os ministros do Supremo em inimigos
políticos. Mais do que Luiz Inácio Lula da Silva, seriam os membros do STF que
demandam a constante mobilização dos bolsonaristas.
Inédita desde a redemocratização do País,
essa atitude de confronto por parte do presidente da República contra o
Judiciário expressa-se de diversas maneiras. Por exemplo, Jair Bolsonaro fala
abertamente em deturpar o funcionamento do STF, prometendo usar as indicações
presidenciais tanto para diminuir a independência da Corte como para
aparelhá-la ideologicamente. Para piorar, Jair Bolsonaro apresenta esse
aparelhamento do Judiciário como uma espécie de diferencial eleitoral. Só o
bolsonarismo estaria disposto a realizar esse enviesamento ideológico e
negacionista do Supremo.
Trata-se de desavergonhada promoção do
retrocesso institucional. Ignorando a Constituição, Jair Bolsonaro trata o
Supremo como mero ator político – e ainda subalterno ao Executivo. Essa
manipulação não é apenas um erro teórico. Ela gera graves prejuízos ao País.
Depois que o lulopetismo instalou a divisão do “nós contra eles”, o
bolsonarismo tenta agora inserir o Supremo na mesma odiosa polarização.
Tem-se, assim, um cenário de desrespeito ao
Estado Democrático de Direito, em especial a um de seus mais importantes
elementos: o sistema de freios e contrapesos, que regula todo o funcionamento
dos Poderes. O problema não se resume, portanto, à pretensão de Bolsonaro de
agir fora dos limites constitucionais, o que por si só é grave. Sob a égide da
bagunça bolsonarista – como se tudo fosse mera política, como se tudo ao final
dependesse não das regras institucionais, mas da esperteza de cada um –, o peso
da lei e, por consequência, o peso das decisões judiciais perdem importância.
Veja-se, por exemplo, o descumprimento pelo
Congresso da decisão do STF sobre a publicidade do repasse das verbas públicas
envolvendo as emendas de relator, como mostrou o Estadão. Após a revelação, no
ano passado, por este jornal, do esquema do orçamento secreto – dinheiro público
era usado para atender a interesses políticos discricionários, sem a devida
transparência –, o Supremo determinou, entre outras medidas, que o Legislativo
devia informar o nome do parlamentar que apresentou o pedido de verba. Trata-se
de informação essencial numa democracia.
No entanto, o Congresso não vem cumprindo
integralmente a determinação do Supremo. Por exemplo, entre 13 e 31 de dezembro
do ano passado, o relator-geral do Orçamento, senador Márcio Bittar (PSL-AC),
registrou no site do Congresso indicações no valor de R$ 4,3 bilhões, mas em
48% dos repasses os nomes dos parlamentares que apadrinharam esses pedidos não
foram apresentados.
Além disso, as informações incluídas por
Márcio Bittar não cobriram a totalidade do valor empenhado no período para as
emendas de relator, da ordem de R$ 6,6 bilhões. Ou seja, além de a publicidade
sobre R$ 4,3 bilhões ser incompleta, também não se sabe como ocorreu o repasse
em relação a outros R$ 2,3 bilhões, se foram parlamentares que apresentaram os
pedidos de repasse ou se foi o Executivo federal quem definiu o destino desses
recursos.
É muito dinheiro público gasto sem a devida
transparência. Ainda que fosse apenas um centavo, é muito descaramento essa
parcial divulgação dos dados exigidos pelo Supremo. Num Estado Democrático de
Direito, decisão judicial deve ser cumprida, e ponto final.
Engana-se quem pensa que os ataques de Jair Bolsonaro contra o Supremo e o descumprimento do Congresso de decisão da Corte são fenômenos independentes. A malemolência do Legislativo em dar plena publicidade aos dados das emendas de relator é parte do retrocesso institucional instaurado pelo bolsonarismo. É urgente restaurar o valor do STF – e da lei.
Surto global e inflação à brasileira
O Estado de S. Paulo
Alimentada por fatores internos, a inflação
brasileira deixa longe a alta de preços espalhada pela maior parte do mundo
A inflação é um desafio global, como disse
corretamente o ministro da Economia, Paulo Guedes, mas o problema é muito maior
no Brasil do que na maior parte do mundo capitalista, como ficou claro, mais
uma vez, em relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Além de maior, a inflação brasileira é mais dolorosa e mais
disfuncional do que nas economias avançadas e em boa parte das emergentes. A
desigualdade e a pobreza, agravadas nos últimos dez anos, tornam milhões de
famílias mais vulneráveis à alta de preços, especialmente de itens como comida,
energia e transportes. Além disso, velhas deficiências da economia nacional,
como a excessiva dependência do transporte rodoviário, amplificam os danos
causados pelo encarecimento dos combustíveis. Qualquer aumento do diesel pode
afetar perigosamente o custo da comida posta na mesa dos brasileiros.
Mesmo sem esses detalhes, os números
coletados e publicados pela OCDE evidenciam a diferença entre o surto
inflacionário observado no Brasil, no segundo ano da pandemia, e aquele
registrado em dezenas de economias avançadas e emergentes. Os preços ao
consumidor subiram 6,6% nos 12 meses até dezembro, no conjunto dos 38
países-membros da organização. Foi a maior taxa anual desde julho de 1991. No
ano passado, a inflação brasileira, medida pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA), chegou a 10,06%, ou 10,1%, pelo arredondamento usado
no relatório. Alimentos e energia ficaram mais caros também nos países da OCDE,
mas com menor impacto no conjunto de preços e nas condições de vida.
A desvantagem brasileira torna-se
escancarada quando se examinam os números dos países da OCDE. Excluída a
Turquia, onde os preços aumentaram 36,1% nos 12 meses até dezembro, a média se
reduz a 5,6%. Além disso, o surto foi bem menos intenso na maior parte desses
países. Em 28 deles, a inflação foi inferior a 7%. Em 17, ficou abaixo de 5%.
Nos Estados Unidos, bateu em 7%, a maior taxa em 39 anos, mas o país fechou
2021 com desemprego de 3,9%. No Brasil, a desocupação ainda estava em 11,6% no
trimestre findo em novembro, com 12,4 milhões de pessoas em busca de vagas.
Nos 12 meses até dezembro, os preços ao
consumidor subiram 6,1%, em média, no Grupo dos 20 (G-20), onde se incluem,
além do Brasil, várias grandes economias não participantes da OCDE. Também
nesse conjunto há vários exemplos de inflação inferior à brasileira: 5,6% na
Índia, 5,9% na África do Sul, 1,9% na Indonésia, 1,2% na Arábia Saudita, 8,4%
na Rússia e 1,5% na China. A Argentina se destaca negativamente com uma taxa de
50,9%.
No Brasil, a inflação tem formado um trio
sinistro com desemprego elevado e economia sem dinamismo. Em 2021 o Produto
Interno Bruto (PIB) deve ter crescido 4,7%, segundo estimativa do mercado. Essa
taxa bastou para reconduzir a atividade econômica ao nível pré-pandemia,
compensando com alguma folga a perda de 3,9% ocorrida em 2020. Mas a indústria
permaneceu muito fraca, sem reverter a tendência negativa observada a partir de
2012, e as projeções para 2022 compõem um quadro de estagnação. Segundo
estimativas correntes, o PIB dificilmente crescerá mais que 0,5% neste ano e o
desemprego continuará assombrando os brasileiros. A inflação poderá diminuir,
mas com risco de superar o teto da meta oficial. O centro do alvo é 3,5% e o
limite superior de tolerância é 5%. Em 2021 a alta de preços ultrapassou de
longe o teto da meta, de 5,25%.
O surto global, atribuível basicamente às
cotações internacionais de alimentos e de petróleo e a falhas nas cadeias de
suprimento, explica apenas em parte a inflação brasileira. Esta inflação está
fortemente relacionada a fatores internos, como a crise hídrica e energética, a
persistente indexação e, ultimamente, as incertezas sobre as perspectivas
econômicas e as contas públicas. Alimentadas principalmente em Brasília, essas
incertezas provocam, entre outros efeitos, instabilidade cambial e contaminação
dos preços pela alta do dólar, problemas made in Brazil.
Censo Escolar dimensiona os estragos feitos
pela pandemia
Valor Econômico
Estados e municípios tiveram um superávit
primário de R$ 97,7 bilhões em 2021
O Censo Escolar 2021, divulgado na semana
passada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep) dá uma dimensão exata dos desafios que as escolas vão enfrentar
na retomada das aulas neste ano. Como se esperava, houve queda importante nas
matrículas. Isso ocorreu principalmente com as crianças mais novas, até por
volta dos 10 anos, e foi residual com os mais velhos, com exceção dos
matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA), segmento que superou todas
as outras faixas, enfatizando a importância de se combater a evasão escolar.
As matrículas no EJA caíram 9,51% entre
2020 e 2021 para 2,96 milhões de inscritos, em comparação com 3,3 milhões antes
da pandemia e 3,7 milhões em 2017. Nos dois anos da pandemia, a queda acumulada
é de 12%. Nada menos que 340 mil estudantes desse segmento não voltaram à escola,
o que pode ser determinante para seu futuro. O EJA possui estudantes de 18 a 55
anos, em parte provenientes do ensino regular, que buscam assim concluir etapas
da educação que ficaram para trás. É nessa faixa etária que podem estar os
estudantes que tiveram que procurar trabalho para ajudar na composição da renda
familiar durante a pandemia, quando pais e mães de família perderam o emprego.
A forte queda de matrículas atingiu também
o outro extremo, o da educação infantil, com diminuição de 7,3%, o que
significa que 653.499 crianças de até 5 anos saíram da escola durante a
pandemia. As mais afetadas foram as crianças que frequentavam creches privadas,
onde as matrículas despencaram 21,6%. As crianças não foram transferidas para
creches públicas, que também registraram queda de matrículas, de 2,3%.
O Censo Escolar também detectou uma redução
das matrículas nos anos iniciais do ensino fundamental, que vai dos 6 aos 10
anos, de 3,2% na média, atingindo 9,2% nas escolas privadas, mas isso foi
atribuído a mudanças demográficas. A partir daí, a surpresa positiva foi o
aumento de 0,6% das matrículas nos anos finais do ensino médio, de 11 a 14
anos, e de 2,9% no ensino médio, que abrange estudantes de 15 a 17 anos. Outra
boa notícia é o aumento dos alunos matriculados em período integral em escolas
públicas, de 11,7% antes da pandemia para 16,4% em 2021.
As autoridades vêm se esforçando para
ampliar as escolas que funcionam em período integral, um dos pontos importantes
da reforma do ensino médio, mas isso pode estar afetando o atendimento de
outras faixas. A conversão de escolas estaduais para esse sistema de
funcionamento teria reduzido a oferta para os estudantes mais novos em algumas
localidades, como a cidade de São Paulo, criando filas de crianças em busca de
vagas nesta retomada das aulas.
Os dados reforçam a avaliação de que as
crianças mais novas foram as mais afetadas pelo impacto da pandemia, dada a
dificuldade de se viabilizar o ensino remoto nessa fase.
Fica mais distante o cumprimento do Plano
Nacional de Educação, que tem como uma das metas universalizar o ensino para as
crianças de 4 a 5 anos, faixa em que a pandemia reduziu a frequência nas
escolas de 93,5% para 83,9%. As escolas públicas terão que atender essas
crianças que deixaram as redes privadas.
Dinheiro não falta. Os Estados e municípios
tiveram um superávit primário de R$ 97,7 bilhões em 2021, o mais alto
registrado na série estatística do Banco Central, e o dinheiro está no caixa
dos governos regionais, aplicados em CDBs e títulos públicos (Valor 3/2). Estados e
municípios foram beneficiados pelo crescimento da arrecadação de ICMS e das
transferências de impostos pelo governo federal. Ao mesmo tempo, tiveram as
despesas contidas pela própria pandemia, que obrigou o fechamento das escolas,
por exemplo, suspendeu contratações e reajustes salariais. A grande maioria dos
Estados e municípios não cumpriu o requisito constitucional de aplicar 25% da
arrecadação na educação, por exemplo. Aguardam que o Congresso aprove PEC que
os perdoe por isso. Espera-se que a PEC também os comprometa a aplicar os
recursos nos próximos anos e não em projetos eleitoreiros.
A desculpa de que não havia com que gastar por causa da pandemia não se sustenta. O próprio Censo Escolar mostra isso ao informar que apenas 6,6% das escolas municipais e em 12,6% das estaduais possuem os famosos tablets prometidos para o ensino remoto durante a pandemia. Além disso, somente 39,8% das unidades municipais e 74,1% das estaduais dispõem de internet para atividade de ensino e aprendizagem.
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