domingo, 20 de fevereiro de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Por uma agenda consensual pelo crescimento

O Globo

É comum ouvirmos gente dizer que economia é difícil e que não dá para acompanhar o assunto. É verdade que o economês declinado e escandido nas discussões afasta o tema da realidade, enquanto a maioria continua a sofrer as consequências da inflação, do desemprego, dos salários defasados e do futuro sacrificado pela qualidade sofrível da mão de obra e da educação brasileiras. No debate público, clareza é tudo. Uma discussão sem jargões, capaz de decifrar o sentido dos termos técnicos, das dúvidas e das principais decisões diante do país, só tem a ganhar em qualidade.

Foi com esse espírito em mente que o GLOBO deu início a uma série de artigos que se estenderá pelos próximos meses. Em ano de eleição presidencial, os brasileiros precisam dedicar parte do tempo para decidir o melhor caminho adiante. O colunista Fábio Giambiagi, um dos economistas mais respeitados do país, com vasta experiência no setor público, proporá temas em suas colunas, depois comentados por representantes de diferentes escolas.

Há um paralelo oportuno a fazer com a medicina, que ganhou as manchetes em virtude da pandemia. A economia brasileira está doente. Vem desacelerando e patinando há anos. Quando comparamos nosso desempenho a países semelhantes e à média mundial, comprovamos que estamos num nível muito abaixo do desejável. Se fôssemos uma economia madura e desenvolvida, talvez isso não fosse um problema maior. No nosso estágio de desenvolvimento, a falta de dinamismo se traduz em mais pobreza, menos oportunidades e na persistência de chagas como a miséria e a desigualdade. Perdemos fôlego antes de ficarmos ricos. Isso precisa mudar — e logo.

Para sair dessa situação, o país deve, antes de tudo, ter claro um diagnóstico. Começam aí as divergências entre os economistas. É preciso ouvir as diferentes linhas de pensamento presentes na academia, mas sem perder a objetividade. A disseminação de versões mentirosas, distorcidas ou simplesmente equivocadas sobre os fatos talvez seja a principal responsável por, até hoje, o Brasil insistir em repetir os mesmos erros. A primeira questão a responder é: que remédios já tentados falharam? A segunda, ainda mais relevante: que estratégias deram certo noutros países e poderiam ser adaptadas ao Brasil? Feito esse diagnóstico, é preciso estabelecer prioridades sem cair numa lista sem fim de medidas ideais e inexequíveis. Quem tem 20 prioridades não tem nenhuma.

Em debates no exterior, o Brasil é um exemplo de país cuja elite política parece comprometida com o erro. É claro que o baixo crescimento econômico também tem causas externas, como os altos e baixos dos fluxos de capitais ou as flutuações dos preços das exportações. Mas o que chama atenção no caso brasileiro é a falta de um senso de urgência da classe política na criação de uma agenda consensual voltada ao crescimento. É preciso implodir essa acomodação.

Uma nova janela de oportunidade se abre neste ano. O presidente eleito, seja quem for, terá a força das urnas para buscar apoio no Congresso Nacional. Tirar o Brasil do pelotão de trás na corrida mundial deveria ser a principal meta da próxima administração. Como a série de artigos do GLOBO deverá mostrar, os problemas da economia brasileira têm solução, desde que saibamos respeitar a realidade e encarar os sacrifícios necessários para resolvê-los.

Programa que legaliza garimpos na Amazônia é ameaça à floresta

O Globo

O governo Bolsonaro arrumou uma forma torta de acabar com o garimpo ilegal na Amazônia: legalizar. Nesta semana lançou o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mape). De acordo com o Planalto, ele proporá políticas públicas, “com vista ao desenvolvimento sustentável regional e nacional” e estimulará a formalização do setor. A Secretaria-Geral da Presidência afirma que “o garimpo representa elevado potencial para geração de riqueza e renda para uma população de centenas de milhares de pessoas”.

Para isso, o programa estabelece uma comissão interministerial com representantes da Casa Civil e dos ministérios de Cidadania, Justiça, Meio Ambiente e Saúde. A coordenação ficará com a pasta de Minas e Energia, cujo voto, em caso de empate, valerá em dobro. A Amazônia, onde o garimpo ilegal se tornou uma ameaça à floresta, é vista como região prioritária para o desenvolvimento do programa.

Só que a tal “mineração artesanal” de que fala o governo existe apenas na floresta imaginária que viceja no universo paralelo dos ocupantes do Planalto. No mundo real, o garimpo se espalha como praga pela Amazônia. Transforma grandes extensões de mata em paisagens lunares e despeja enormes quantidades de mercúrio nos rios.

O ambiente paradisíaco de Alter do Chão, no Pará, outrora conhecido como Caribe Amazônico, já não é tão paradisíaco depois que as águas límpidas do Rio Tapajós ficaram turvas. Uma investigação da Polícia Federal concluiu que elas mudaram de cor em consequência do garimpo ilegal e do desmatamento. Diante disso, parece ridículo falar em desenvolvimento sustentável.

Será que se pode chamar de artesanal uma atividade que usa embarcações e equipamentos caros para extrair minério? Eram artesanais as mais de 200 balsas que no ano passado formaram uma escandalosa cidade flutuante no Rio Madeira? Elas só foram reprimidas depois que as imagens correram o mundo, maculando ainda mais a imagem do Brasil. Garimpeiros ilegais se associaram a narcotraficantes para expandir seus negócios escusos pela floresta. Aterrorizam populações indígenas, levam morte e desgraça a regiões antes pacíficas. No ano passado, duas crianças ianomâmis foram sugadas por uma draga quando brincavam num rio. A atividade, segundo líderes indígenas, nunca foi reprimida.

É ingenuidade, ou má-fé, achar que legalizar o garimpo ajudará a população. Garimpos estão por toda parte, e os índices de miséria na Amazônia Legal são alarmantes. Por trás dos garimpeiros artesanais estão os barões da mineração. No início do mês, a Polícia Federal prendeu em Goiás um empresário suspeito de mandar queimar dois helicópteros do Ibama em represália a operações contra o garimpo em Roraima.

O decreto do garimpo é apenas uma nova “boiada”, mais um “liberou geral” de um governo que não fiscaliza o mínimo. Como distinguirá o legal do ilegal? Não será surpresa se houver explosão do “garimpo artesanal” na Amazônia. Destruição em escala industrial.

Centrão na balança

Folha de S. Paulo

Grupo ajuda a moderar Bolsonaro, mas a relação desequilibrada implica custos

O chamado centrão —conjunto de congressistas dispostos a servir a qualquer governo em troca de cargos e verbas— atua como um moderador do apetite despótico do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ao recorrer aos préstimos do grupo quando a própria sobrevivência no Planalto estava em questão, o mandatário abriu mão de controlar porções da máquina federal com seu séquito de lunáticos autoritários. Políticos profissionais, sem pretensão de ruptura com o statu quo, povoaram o Executivo.

Como tudo o que se contrata na bacia das almas, o seguro anti-impeachment acertado entre Bolsonaro e o centrão contém cláusulas leoninas que acabam por desequilibrar a relação entre os dois Poderes, com decalcada vantagem para os mandachuvas do Congresso.

Chegou-se ao ponto em que a execução de parcela controvertida do Orçamento —as emendas parlamentares que podem ou não ser pagas, a depender da conveniência política— está sob a tutela do centrão, na sua ligação direta com o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), alçado a premiê informal.

Esse agigantamento dos oligarcas do Legislativo federal representa uma anomalia a embotar o funcionamento do sistema presidencialista brasileiro, que confere ao chefe do governo os instrumentos e a responsabilidade para zelar pelos interesses difusos e coletivos.

Quando parlamentares, com sua vinculação localista e seus interesses particularistas —ademais imunes à responsabilização pela inobservância de regras de prudência orçamentária—, passam a manejar eles mesmos o timão, o resultado é o que se tem visto: gastança, desperdício, populismo e dissipação das perspectivas de futuro.

Em razão desse desmantelo na governança, o Brasil atravessará este ano sem um programa estruturante e duradouro de combate à pobreza. Improvisou-se um remendo de péssima qualidade que só dura até 31 de dezembro.

Outra resultante da estrangulação do papel típico do Executivo é o virtual desmoronamento da regra remanescente para disciplinar os gastos federais, o teto que limita despesas ao montante do ano anterior, considerada a inflação.

As várias iniciativas para controlar ou reduzir preços de mercado em debate no Congresso constituem um caso de estudo para a baderna que toma conta da política quando saem de cena os agentes que deveriam se responsabilizar pela estabilidade intertemporal da economia, que é um bem público.

Se o centrão ajuda a moderar um presidente com ímpetos autoritários, um presidente minimamente capaz também auxiliaria na tarefa de evitar os efeitos colaterais do centrão. É preciso reequilibrar essa relação a partir de janeiro de 2023.

Tragédia recorrente

Folha de S. Paulo

Prevenir desastres como o de Petrópolis demanda reorganizar os espaços urbanos

É senso comum, repetido a cada tragédia como a que abala Petrópolis (RJ), o propósito de prevenir desabamentos de casas e outras construções em terrenos instáveis ou à mercê de destroços. É preciso haver alertas meteorológicos, informar as pessoas da ameaça e removê-las das áreas de risco.

São paliativos inevitáveis, que não respondem à totalidade do problema. Muitas cidades dispõem de mapas de perigo; há leis em profusão para lidar com o assunto.

Mas para onde remover populações vulneráveis? Como evitar que mais gente volte a ocupar terrenos à beira da ruína, migração não raro gerida por grileiros urbanos, milícias e outras facções criminosas?

Em São Paulo, cerca de 500 mil pessoas vivem em 175,5 mil moradias sujeitas a desmoronamento. Segundo estimativa preliminar do IBGE de 2020, há quase 530 mil domicílios dentro do que o instituto chama de "aglomerados subnormais", 13% do total da cidade.

Trata-se de ocupação "irregular de propriedade alheia" para habitação, na definição do instituto. Tem "padrão urbanístico irregular" e carece de serviços públicos.

No Brasil, é o caso de quase 8% dos domicílios —19,3% no Rio, 55,5% em Belém. São "favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos, palafitas".

O motivo de base dessas ocupações é a pobreza combinada à desigualdade de renda e de patrimônio, agravada pela iniquidade social e territorial das melhorias urbanas. Em termos crus, falta de dinheiro para o aluguel de habitações decentes, próximas de empregos e serviços públicos.

Na cidade de São Paulo, há vastas regiões centrais e urbanizadas tomadas por terrenos e edificações ociosos. Não há, porém, programa eficaz de tributação e de regulação de investimento público ou privado que transforme essas terras baldias e improdutivas em lugar de moradia e trabalho.

De resto, a despesa pública em urbanização e transporte privilegia ou privilegiou regiões ricas, o que resulta em valorização do patrimônio dos mais afortunados.

De imediato, é necessário evitar mortes com paliativos, decerto. Mas urgente também é implementar um plano de redistribuição de imóveis e de recursos públicos, incentivado por meio de tributação progressiva e indução de investimento privado socialmente relevante. Áreas de risco são faceta de uma distorção mais duradoura.

Muito poder, pouca responsabilidade

O Estado de S. Paulo

O Brasil não pode continuar à mercê de um Executivo que não sabe governar e de um Legislativo que só usufrui dos bônus do poder acumulado

A evidente insuficiência intelectual, moral, administrativa e política de Jair Bolsonaro para o exercício da Presidência levou a um quadro de degradação do regime presidencialista jamais visto, ao menos não desde a redemocratização do País.

É de justiça reconhecer que Bolsonaro não deu início a esse processo. O presidencialismo começou a enfraquecer no Brasil durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, uma pessoa sabidamente avessa às concertações políticas que, ao fim e ao cabo, mantêm o fino equilíbrio de forças entre os Três Poderes da República e sustentam a governabilidade. Tanto foi assim que Dilma acabou cassada, malgrado todas as concessões que fez ao Congresso, em especial as que permitiram ao Poder Legislativo aumentar seu poder sobre a execução do Orçamento da União.

O governo do sucessor de Dilma, Michel Temer, representou uma tentativa de estabelecer um novo equilíbrio entre as prerrogativas do Executivo e do Legislativo, num arremedo do que se convencionou chamar de “semipresidencialismo”. “Eu trouxe o Congresso para governar comigo, não apenas porque isso é da minha formação democrática, mas porque, no presidencialismo, entendo que não se pode governar sem o Congresso”, disse Temer, um dos maiores defensores da adoção do regime semipresidencialista no País. Merece destaque o emprego do pronome pessoal “comigo”. De fato, como o reconhecido constitucionalista que é e cioso de suas responsabilidades no cargo, errando e acertando, em momento algum Temer abdicou do exercício da Presidência da República.

Bolsonaro, por sua vez, conseguiu uma proeza, levando a degradação do regime presidencialista ao paroxismo. O incumbente não teve a habilidade para seguir o modelo de seu antecessor e ainda logrou agravar o processo de apequenamento da Presidência da República iniciado por Dilma Rousseff, que Temer, hoje se sabe, apenas sobrestou.

É seguro afirmar que, antes de Bolsonaro, nunca houve um presidente tão dispensável, no que concerne à definição dos rumos do País, como o atual mandatário. O próprio líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), disse em alto e bom som há poucos dias que uma coisa é o governo e outra, muito distinta, são as vontades do presidente, como se pudessem ser coisas dissociadas, como se Bolsonaro fosse um presidente “café com leite”. Do ponto de vista estritamente pragmático, ele é, e essa separação é até benfazeja para o País, pois, se todas as “ideias”, chamemos assim, de Bolsonaro fossem adiante e se transformassem em realidade, triste destino teria o Brasil. Entretanto, do ponto de vista institucional, a fraqueza do presidente da República

é muito ruim por causar uma distorção na organização do Estado definida pela Constituição.

O que se tem hoje é uma estrovenga política representada por um Congresso extremamente poderoso que usufrui apenas dos bônus desse poder acumulado, sem arcar com as responsabilidades por seus eventuais desvios.

O Poder Legislativo controla a execução do Orçamento da União com uma discricionariedade jamais vista. As emendas de relator-geral, base do orçamento secreto revelado pelo Estadão, foram somadas às emendas individuais, de bancada e de comissão como instrumentos de aumento desse controle sobre o destino dos recursos dos contribuintes. E nem sempre às claras. A transparência, já determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em consonância com a Lei Maior, é dada quando, e se, o Congresso bem entende. A ação de um grupo parlamentar liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também tornou muito mais difícil a vida dos parlamentares não alinhados, desprovidos que foram de parte dos instrumentos legítimos de que dispõe a oposição em uma democracia.

Como está não é bom para o Brasil. O melhor teria sido adotar o parlamentarismo, em que o governo é exercido no Parlamento e cai, sem grandes traumas, quando erra e perde sustentação política. Como o parlamentarismo já foi rejeitado pelos brasileiros em dois plebiscitos, resta tentar o semipresidencialismo, pois o Brasil não pode mais ficar à mercê de um Executivo que não sabe governar e, menos ainda, de um Legislativo que exerce o poder sem responsabilidade.

TSE frustra os liberticidas

O Estado de S. Paulo

Neste biênio, a Justiça Eleitoral teve de enfrentar pandemia, desinformação e ameaças contra a democracia. E pode-se dizer: o TSE cumpriu o seu dever

A Justiça Eleitoral é lenta e tem muitas falhas. Muitas vezes, criticou-se, neste espaço, a brandura com que partidos e políticos foram tratados em processos de prestação de contas e temas afins. É preciso reconhecer, no entanto, que a Justiça Eleitoral, em especial o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), exerceu nos últimos anos papel fundamental na defesa do regime democrático. Se os tempos atuais são esquisitos, com ameaças absolutamente despropositadas ao sistema eleitoral, convém lembrar que o País não esteve desprotegido. Nos últimos dois anos, o TSE cumpriu, de forma exemplar, seu dever de organizar e proteger as eleições, como destacou corretamente o ministro Luís Roberto Barroso em seu pronunciamento de despedida como presidente do TSE, feito no dia 18 passado. Os desafios foram e continuam sendo grandes, mas houve – e não existe motivo para deixar de haver – instituições funcionando.

“A primeira e principal missão do TSE e da Justiça Eleitoral é organizar as eleições”, lembrou Luís Roberto Barroso. Nesse sentido, foi louvável o trabalho da Justiça Eleitoral no pleito de 2020, em plena pandemia. As circunstâncias sanitárias excepcionais não foram empecilho para a realização das eleições municipais. Por cuidado com a saúde da população, o Congresso postergou as datas do primeiro e segundo turnos, mas não houve extensão de mandato político. A normalidade democrática foi integralmente mantida, com a posse, a seu devido tempo, dos novos eleitos no início de 2021.

As últimas eleições municipais foram um feito histórico. E a Justiça Eleitoral desempenhou, em todas as fases, um responsável protagonismo. Seu trabalho junto ao Congresso foi fundamental para que o adiamento do pleito fosse tratado, desde as primeiras tratativas, com prudência e em conformidade com os princípios democráticos.

Mas o biênio de Luís Roberto Barroso à frente do TSE não foi marcado apenas pelos desafios da pandemia. Houve, no período, um inédito patamar de desinformação e de ameaças e ataques ao sistema eleitoral, realizados não por grupos periféricos, mas pelo próprio presidente da República e seu entorno. Foram – e continuam sendo – tempos realmente excepcionais.

No combate à desinformação contra o processo eleitoral na campanha de 2020, o TSE implementou várias medidas; entre elas, parceria com as principais mídias sociais e aplicativos de mensagens (Facebook, Instagram, WhatsApp, YouTube, Twitter e TikTok) e com agências de checagem de notícias. “O foco principal da nossa atuação foi não o controle de conteúdos, mas, sobretudo, dos comportamentos coordenados inautênticos, como o uso de perfis falsos ou duplicados, robôs e trolls (gente contratada para amplificar as notícias falsas)”, disse Luís Roberto Barroso, cuja conduta à frente do TSE esteve sempre orientada por um inegociável respeito à liberdade de expressão.

No período, a mais importante batalha do TSE foi, sem dúvida, a defesa da integridade do processo eleitoral. O bolsonarismo montou uma campanha de desconfiança sobre as urnas eletrônicas, o que exigiu do TSE um intenso trabalho de comunicação, para mostrar à população que o sistema de votação eletrônica é seguro, transparente e auditável. Essa dedicação da Justiça Eleitoral, provendo o debate público com informações seguras e dados objetivos, foi decisiva para que o Congresso rejeitasse a PEC do Voto Impresso, que, além de custos desproporcionais, significaria cabal retrocesso, com a reintrodução da contagem pública manual – fonte de fraudes e de intermináveis discussões sobre o resultado das eleições.

A atuação do TSE teve erros e – fato incontestável – são muitas as suas limitações. Mas houve trabalho responsável. Houve a valentia de defender, mesmo com erros e limitações, o regime democrático, com os instrumentos que a Constituição e as leis disponibilizam. E isso produz resultados. Ao contrário do que queriam e continuam querendo os autoritários e liberticidas, haverá no segundo semestre eleições seguras, transparentes e auditáveis.

Revisão da Lei do Impeachment

O Estado de S. Paulo

A atualização da lei é desejável, mas, se ela não funcionou a contento, foi pela inércia ou heterodoxia dos políticos

Em boa hora, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, criou uma comissão para atualizar a Lei do Impeachment.

A Constituição prevê sete tipos de crimes de responsabilidade do presidente da República a serem definidos em lei especial. Tratase da Lei 1.079 de 1950, recepcionada pela Constituição, com exceção de alguns aspectos processuais, como o papel da Câmara de julgar não mais a procedência da acusação, mas apenas a sua admissibilidade. Em 2000, após o Congresso aprovar uma série de medidas de fortalecimento da responsabilidade fiscal, o texto sofreu alterações relativas aos crimes contra a Lei Orçamentária.

“É necessário (...) fazer um levantamento sobre quais são os atos que realmente mereceriam punição”, disse o jurista Miguel Reale Jr. “É necessário reduzir as hipóteses e melhorar a redação sobre as normas que incriminam.” Segundo Pacheco, “os problemas da lei já foram apontados em diversas ocasiões pela doutrina e jurisprudência como fonte de instabilidade institucional, demandando assim sua completa revisão”. Após sete décadas, essa revisão é desejável. Mas é preciso reconhecer que, mesmo que imperfeitamente, a lei cumpriu o seu papel.

O impeachment é um remédio constitucional a ofensas contra o sistema de governo que visa não tanto à punição do ofensor, mas o seu afastamento do cargo e do exercício de funções públicas. Se o processo tem bases jurídicas, sua natureza é política.

No caso do ex-presidente Fernando Collor, a remoção se deu por crimes contra a segurança interna do País e contra a probidade da administração; no caso de Dilma Rousseff, por crimes contra a Lei Orçamentária e contra o emprego legal do dinheiro público.

O presidente Jair Bolsonaro foi alvo de dezenas de pedidos de impeachment. A comissão de juristas convocada pela CPI da Covid, por exemplo, apontou crimes de responsabilidade contra direitos sociais e individuais à vida e à saúde. Se os processos não prosperaram não foi por falhas da lei, mas por falta de condições políticas.

No impeachment de Dilma, houve divergências em relação à constitucionalidade dos ritos aplicados. O STF, por exemplo, introduziu um juízo de admissibilidade do Senado para a abertura do processo, quando a Constituição atribui essa admissão exclusivamente à Câmara. Já no Senado, a sanção constitucional – “perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública” – foi “fatiada” para garantir a remoção sem a inabilitação. Mas tampouco isso se deve a um problema na lei, e sim ao exercício de “constitucionalidade criativa” do Senado, presidido pelo então presidente da Suprema Corte, Ricardo Lewandowski – que, curiosamente, foi agora escolhido para presidir a comissão do Senado.

A Lei do Impeachment pode e deve ser revisada. Mas, se houve “instabilidade institucional”, não foi tanto em razão da lei, e sim de seus intérpretes. Espera-se que, ao revisá-la, os parlamentares se atenham estritamente à letra da Constituição e se orientem por seu espírito, relegando a outras esferas seus talentos criativos.

 

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