EDITORIAIS
Por uma agenda consensual pelo crescimento
O Globo
É comum ouvirmos gente dizer que economia é
difícil e que não dá para acompanhar o assunto. É verdade que o economês
declinado e escandido nas discussões afasta o tema da realidade, enquanto a
maioria continua a sofrer as consequências da inflação, do desemprego, dos
salários defasados e do futuro sacrificado pela qualidade sofrível da mão de
obra e da educação brasileiras. No debate público, clareza é tudo. Uma
discussão sem jargões, capaz de decifrar o sentido dos termos técnicos, das
dúvidas e das principais decisões diante do país, só tem a ganhar em qualidade.
Foi com esse espírito em mente que o GLOBO deu início a uma série de artigos que se estenderá pelos próximos meses. Em ano de eleição presidencial, os brasileiros precisam dedicar parte do tempo para decidir o melhor caminho adiante. O colunista Fábio Giambiagi, um dos economistas mais respeitados do país, com vasta experiência no setor público, proporá temas em suas colunas, depois comentados por representantes de diferentes escolas.
Há um paralelo oportuno a fazer com a
medicina, que ganhou as manchetes em virtude da pandemia. A economia brasileira
está doente. Vem desacelerando e patinando há anos. Quando comparamos nosso
desempenho a países semelhantes e à média mundial, comprovamos que estamos num
nível muito abaixo do desejável. Se fôssemos uma economia madura e
desenvolvida, talvez isso não fosse um problema maior. No nosso estágio de
desenvolvimento, a falta de dinamismo se traduz em mais pobreza, menos
oportunidades e na persistência de chagas como a miséria e a desigualdade.
Perdemos fôlego antes de ficarmos ricos. Isso precisa mudar — e logo.
Para sair dessa situação, o país deve,
antes de tudo, ter claro um diagnóstico. Começam aí as divergências entre os
economistas. É preciso ouvir as diferentes linhas de pensamento presentes na
academia, mas sem perder a objetividade. A disseminação de versões mentirosas,
distorcidas ou simplesmente equivocadas sobre os fatos talvez seja a principal
responsável por, até hoje, o Brasil insistir em repetir os mesmos erros. A
primeira questão a responder é: que remédios já tentados falharam? A segunda,
ainda mais relevante: que estratégias deram certo noutros países e poderiam ser
adaptadas ao Brasil? Feito esse diagnóstico, é preciso estabelecer prioridades
sem cair numa lista sem fim de medidas ideais e inexequíveis. Quem tem 20
prioridades não tem nenhuma.
Em debates no exterior, o Brasil é um
exemplo de país cuja elite política parece comprometida com o erro. É claro que
o baixo crescimento econômico também tem causas externas, como os altos e
baixos dos fluxos de capitais ou as flutuações dos preços das exportações. Mas
o que chama atenção no caso brasileiro é a falta de um senso de urgência da
classe política na criação de uma agenda consensual voltada ao crescimento. É
preciso implodir essa acomodação.
Uma nova janela de oportunidade se abre
neste ano. O presidente eleito, seja quem for, terá a força das urnas para
buscar apoio no Congresso Nacional. Tirar o Brasil do pelotão de trás na
corrida mundial deveria ser a principal meta da próxima administração. Como a
série de artigos do GLOBO deverá mostrar, os problemas da economia brasileira
têm solução, desde que saibamos respeitar a realidade e encarar os sacrifícios
necessários para resolvê-los.
Programa que legaliza garimpos na Amazônia
é ameaça à floresta
O Globo
O governo Bolsonaro arrumou uma forma torta
de acabar com o garimpo ilegal na Amazônia: legalizar. Nesta semana lançou o
Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala
(Pró-Mape). De acordo com o Planalto, ele proporá políticas públicas, “com
vista ao desenvolvimento sustentável regional e nacional” e estimulará a
formalização do setor. A Secretaria-Geral da Presidência afirma que “o garimpo
representa elevado potencial para geração de riqueza e renda para uma população
de centenas de milhares de pessoas”.
Para isso, o programa estabelece uma
comissão interministerial com representantes da Casa Civil e dos ministérios de
Cidadania, Justiça, Meio Ambiente e Saúde. A coordenação ficará com a pasta de
Minas e Energia, cujo voto, em caso de empate, valerá em dobro. A Amazônia,
onde o garimpo ilegal se tornou uma ameaça à floresta, é vista como região
prioritária para o desenvolvimento do programa.
Só que a tal “mineração artesanal” de que
fala o governo existe apenas na floresta imaginária que viceja no universo
paralelo dos ocupantes do Planalto. No mundo real, o garimpo se espalha como
praga pela Amazônia. Transforma grandes extensões de mata em paisagens lunares
e despeja enormes quantidades de mercúrio nos rios.
O ambiente paradisíaco de Alter do Chão, no
Pará, outrora conhecido como Caribe Amazônico, já não é tão paradisíaco depois
que as águas límpidas do Rio Tapajós ficaram turvas. Uma investigação da
Polícia Federal concluiu que elas mudaram de cor em consequência do garimpo
ilegal e do desmatamento. Diante disso, parece ridículo falar em
desenvolvimento sustentável.
Será que se pode chamar de artesanal uma
atividade que usa embarcações e equipamentos caros para extrair minério? Eram
artesanais as mais de 200 balsas que no ano passado formaram uma escandalosa
cidade flutuante no Rio Madeira? Elas só foram reprimidas depois que as imagens
correram o mundo, maculando ainda mais a imagem do Brasil. Garimpeiros ilegais
se associaram a narcotraficantes para expandir seus negócios escusos pela
floresta. Aterrorizam populações indígenas, levam morte e desgraça a regiões
antes pacíficas. No ano passado, duas crianças ianomâmis foram sugadas por uma
draga quando brincavam num rio. A atividade, segundo líderes indígenas, nunca
foi reprimida.
É ingenuidade, ou má-fé, achar que
legalizar o garimpo ajudará a população. Garimpos estão por toda parte, e os
índices de miséria na Amazônia Legal são alarmantes. Por trás dos garimpeiros
artesanais estão os barões da mineração. No início do mês, a Polícia Federal
prendeu em Goiás um empresário suspeito de mandar queimar dois helicópteros do
Ibama em represália a operações contra o garimpo em Roraima.
O decreto do garimpo é apenas uma nova
“boiada”, mais um “liberou geral” de um governo que não fiscaliza o mínimo.
Como distinguirá o legal do ilegal? Não será surpresa se houver explosão do
“garimpo artesanal” na Amazônia. Destruição em escala industrial.
Centrão na balança
Folha de S. Paulo
Grupo ajuda a moderar Bolsonaro, mas a
relação desequilibrada implica custos
O chamado centrão —conjunto de
congressistas dispostos a servir a qualquer governo em troca de cargos e
verbas— atua como um moderador do apetite despótico do presidente Jair
Bolsonaro (PL).
Ao recorrer aos préstimos do grupo quando a
própria sobrevivência no Planalto estava em questão, o mandatário abriu mão de
controlar porções da máquina federal com seu séquito de lunáticos autoritários.
Políticos profissionais, sem pretensão de ruptura com o statu quo, povoaram o
Executivo.
Como tudo o que se contrata na bacia das
almas, o seguro anti-impeachment acertado entre Bolsonaro e o centrão contém
cláusulas leoninas que acabam por desequilibrar a relação entre os dois
Poderes, com decalcada vantagem para os mandachuvas do Congresso.
Chegou-se ao ponto em que a execução de
parcela controvertida do Orçamento —as emendas parlamentares que podem ou não
ser pagas, a depender da conveniência política— está sob a tutela do centrão,
na sua ligação direta com o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), alçado a
premiê informal.
Esse agigantamento dos oligarcas do
Legislativo federal representa uma anomalia a embotar o funcionamento do
sistema presidencialista brasileiro, que confere ao chefe do governo os
instrumentos e a responsabilidade para zelar pelos interesses difusos e
coletivos.
Quando parlamentares, com sua vinculação
localista e seus interesses particularistas —ademais imunes à responsabilização
pela inobservância de regras de prudência orçamentária—, passam a manejar eles
mesmos o timão, o resultado é o que se tem visto: gastança, desperdício,
populismo e dissipação das perspectivas de futuro.
Em razão desse desmantelo na governança, o
Brasil atravessará este ano sem um programa estruturante e duradouro de combate
à pobreza. Improvisou-se um remendo de péssima qualidade que só dura até 31 de
dezembro.
Outra resultante da estrangulação do papel
típico do Executivo é o virtual desmoronamento da regra remanescente para
disciplinar os gastos federais, o teto que limita despesas ao montante do ano
anterior, considerada a inflação.
As várias iniciativas para controlar ou
reduzir preços de mercado em debate no Congresso constituem um caso de estudo
para a baderna que toma conta da política quando saem de cena os agentes que
deveriam se responsabilizar pela estabilidade intertemporal da economia, que é
um bem público.
Se o centrão ajuda a moderar um presidente
com ímpetos autoritários, um presidente minimamente capaz também auxiliaria na
tarefa de evitar os efeitos colaterais do centrão. É preciso reequilibrar essa
relação a partir de janeiro de 2023.
Tragédia recorrente
Folha de S. Paulo
Prevenir desastres como o de Petrópolis
demanda reorganizar os espaços urbanos
É senso comum, repetido a cada
tragédia como
a que abala Petrópolis (RJ), o propósito de prevenir desabamentos de casas
e outras construções em terrenos instáveis ou à mercê de destroços. É preciso
haver alertas meteorológicos, informar as pessoas da ameaça e removê-las das
áreas de risco.
São paliativos inevitáveis, que não
respondem à totalidade do problema. Muitas cidades dispõem de mapas de perigo;
há leis em profusão para lidar com o assunto.
Mas para onde remover populações
vulneráveis? Como evitar que mais gente volte a ocupar terrenos à beira da
ruína, migração não raro gerida por grileiros urbanos, milícias e outras
facções criminosas?
Em São Paulo, cerca de 500 mil pessoas
vivem em 175,5 mil moradias sujeitas a desmoronamento. Segundo estimativa
preliminar do IBGE de 2020, há quase 530 mil domicílios dentro do que o
instituto chama de "aglomerados subnormais", 13% do total da cidade.
Trata-se de ocupação "irregular de
propriedade alheia" para habitação, na definição do instituto. Tem
"padrão urbanístico irregular" e carece de serviços públicos.
No Brasil, é o caso de quase 8% dos
domicílios —19,3% no Rio, 55,5% em Belém. São "favelas, invasões, grotas,
baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos,
palafitas".
O motivo de base dessas ocupações é a
pobreza combinada à desigualdade de renda e de patrimônio, agravada pela
iniquidade social e territorial das melhorias urbanas. Em termos crus, falta de
dinheiro para o aluguel de habitações decentes, próximas de empregos e serviços
públicos.
Na cidade de São Paulo, há vastas regiões
centrais e urbanizadas tomadas por terrenos e edificações ociosos. Não há,
porém, programa eficaz de tributação e de regulação de investimento público ou
privado que transforme essas terras baldias e improdutivas em lugar de moradia
e trabalho.
De resto, a despesa pública em urbanização
e transporte privilegia ou privilegiou regiões ricas, o que resulta em
valorização do patrimônio dos mais afortunados.
De imediato, é necessário evitar mortes com
paliativos, decerto. Mas urgente também é implementar um plano de
redistribuição de imóveis e de recursos públicos, incentivado por meio de
tributação progressiva e indução de investimento privado socialmente relevante.
Áreas de risco são faceta de uma distorção mais duradoura.
Muito poder, pouca responsabilidade
O Estado de S. Paulo
O Brasil não pode continuar à mercê de um
Executivo que não sabe governar e de um Legislativo que só usufrui dos bônus do
poder acumulado
A evidente insuficiência intelectual,
moral, administrativa e política de Jair Bolsonaro para o exercício da Presidência
levou a um quadro de degradação do regime presidencialista jamais visto, ao
menos não desde a redemocratização do País.
É de justiça reconhecer que Bolsonaro não
deu início a esse processo. O presidencialismo começou a enfraquecer no Brasil
durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, uma pessoa sabidamente
avessa às concertações políticas que, ao fim e ao cabo, mantêm o fino
equilíbrio de forças entre os Três Poderes da República e sustentam a
governabilidade. Tanto foi assim que Dilma acabou cassada, malgrado todas as
concessões que fez ao Congresso, em especial as que permitiram ao Poder
Legislativo aumentar seu poder sobre a execução do Orçamento da União.
O governo do sucessor de Dilma, Michel
Temer, representou uma tentativa de estabelecer um novo equilíbrio entre as
prerrogativas do Executivo e do Legislativo, num arremedo do que se
convencionou chamar de “semipresidencialismo”. “Eu trouxe o Congresso para
governar comigo, não apenas porque isso é da minha formação democrática, mas
porque, no presidencialismo, entendo que não se pode governar sem o Congresso”,
disse Temer, um dos maiores defensores da adoção do regime semipresidencialista
no País. Merece destaque o emprego do pronome pessoal “comigo”. De fato, como o
reconhecido constitucionalista que é e cioso de suas responsabilidades no
cargo, errando e acertando, em momento algum Temer abdicou do exercício da
Presidência da República.
Bolsonaro, por sua vez, conseguiu uma
proeza, levando a degradação do regime presidencialista ao paroxismo. O
incumbente não teve a habilidade para seguir o modelo de seu antecessor e ainda
logrou agravar o processo de apequenamento da Presidência da República iniciado
por Dilma Rousseff, que Temer, hoje se sabe, apenas sobrestou.
É seguro afirmar que, antes de Bolsonaro,
nunca houve um presidente tão dispensável, no que concerne à definição dos
rumos do País, como o atual mandatário. O próprio líder do governo na Câmara
dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), disse em alto e bom som há poucos dias
que uma coisa é o governo e outra, muito distinta, são as vontades do
presidente, como se pudessem ser coisas dissociadas, como se Bolsonaro fosse um
presidente “café com leite”. Do ponto de vista estritamente pragmático, ele é,
e essa separação é até benfazeja para o País, pois, se todas as “ideias”,
chamemos assim, de Bolsonaro fossem adiante e se transformassem em realidade,
triste destino teria o Brasil. Entretanto, do ponto de vista institucional, a
fraqueza do presidente da República
é muito ruim por causar uma distorção na
organização do Estado definida pela Constituição.
O que se tem hoje é uma estrovenga política
representada por um Congresso extremamente poderoso que usufrui apenas dos
bônus desse poder acumulado, sem arcar com as responsabilidades por seus eventuais
desvios.
O Poder Legislativo controla a execução do
Orçamento da União com uma discricionariedade jamais vista. As emendas de
relator-geral, base do orçamento secreto revelado pelo Estadão, foram somadas
às emendas individuais, de bancada e de comissão como instrumentos de aumento
desse controle sobre o destino dos recursos dos contribuintes. E nem sempre às
claras. A transparência, já determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em
consonância com a Lei Maior, é dada quando, e se, o Congresso bem entende. A
ação de um grupo parlamentar liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), também tornou muito mais difícil a vida dos parlamentares não
alinhados, desprovidos que foram de parte dos instrumentos legítimos de que
dispõe a oposição em uma democracia.
Como está não é bom para o Brasil. O melhor
teria sido adotar o parlamentarismo, em que o governo é exercido no Parlamento
e cai, sem grandes traumas, quando erra e perde sustentação política. Como o
parlamentarismo já foi rejeitado pelos brasileiros em dois plebiscitos, resta
tentar o semipresidencialismo, pois o Brasil não pode mais ficar à mercê de um
Executivo que não sabe governar e, menos ainda, de um Legislativo que exerce o
poder sem responsabilidade.
TSE frustra os liberticidas
O Estado de S. Paulo
Neste biênio, a Justiça Eleitoral teve de
enfrentar pandemia, desinformação e ameaças contra a democracia. E pode-se
dizer: o TSE cumpriu o seu dever
A Justiça Eleitoral é lenta e tem muitas
falhas. Muitas vezes, criticou-se, neste espaço, a brandura com que partidos e
políticos foram tratados em processos de prestação de contas e temas afins. É
preciso reconhecer, no entanto, que a Justiça Eleitoral, em especial o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), exerceu nos últimos anos papel fundamental na defesa
do regime democrático. Se os tempos atuais são esquisitos, com ameaças
absolutamente despropositadas ao sistema eleitoral, convém lembrar que o País
não esteve desprotegido. Nos últimos dois anos, o TSE cumpriu, de forma exemplar,
seu dever de organizar e proteger as eleições, como destacou corretamente o
ministro Luís Roberto Barroso em seu pronunciamento de despedida como
presidente do TSE, feito no dia 18 passado. Os desafios foram e continuam sendo
grandes, mas houve – e não existe motivo para deixar de haver – instituições
funcionando.
“A primeira e principal missão do TSE e da
Justiça Eleitoral é organizar as eleições”, lembrou Luís Roberto Barroso. Nesse
sentido, foi louvável o trabalho da Justiça Eleitoral no pleito de 2020, em
plena pandemia. As circunstâncias sanitárias excepcionais não foram empecilho
para a realização das eleições municipais. Por cuidado com a saúde da
população, o Congresso postergou as datas do primeiro e segundo turnos, mas não
houve extensão de mandato político. A normalidade democrática foi integralmente
mantida, com a posse, a seu devido tempo, dos novos eleitos no início de 2021.
As últimas eleições municipais foram um
feito histórico. E a Justiça Eleitoral desempenhou, em todas as fases, um responsável
protagonismo. Seu trabalho junto ao Congresso foi fundamental para que o
adiamento do pleito fosse tratado, desde as primeiras tratativas, com prudência
e em conformidade com os princípios democráticos.
Mas o biênio de Luís Roberto Barroso à
frente do TSE não foi marcado apenas pelos desafios da pandemia. Houve, no
período, um inédito patamar de desinformação e de ameaças e ataques ao sistema
eleitoral, realizados não por grupos periféricos, mas pelo próprio presidente
da República e seu entorno. Foram – e continuam sendo – tempos realmente
excepcionais.
No combate à desinformação contra o
processo eleitoral na campanha de 2020, o TSE implementou várias medidas; entre
elas, parceria com as principais mídias sociais e aplicativos de mensagens
(Facebook, Instagram, WhatsApp, YouTube, Twitter e TikTok) e com agências de
checagem de notícias. “O foco principal da nossa atuação foi não o controle de
conteúdos, mas, sobretudo, dos comportamentos coordenados inautênticos, como o
uso de perfis falsos ou duplicados, robôs e trolls (gente contratada para
amplificar as notícias falsas)”, disse Luís Roberto Barroso, cuja conduta à
frente do TSE esteve sempre orientada por um inegociável respeito à liberdade
de expressão.
No período, a mais importante batalha do TSE
foi, sem dúvida, a defesa da integridade do processo eleitoral. O bolsonarismo
montou uma campanha de desconfiança sobre as urnas eletrônicas, o que exigiu do
TSE um intenso trabalho de comunicação, para mostrar à população que o sistema
de votação eletrônica é seguro, transparente e auditável. Essa dedicação da
Justiça Eleitoral, provendo o debate público com informações seguras e dados
objetivos, foi decisiva para que o Congresso rejeitasse a PEC do Voto Impresso,
que, além de custos desproporcionais, significaria cabal retrocesso, com a
reintrodução da contagem pública manual – fonte de fraudes e de intermináveis
discussões sobre o resultado das eleições.
A atuação do TSE teve erros e – fato
incontestável – são muitas as suas limitações. Mas houve trabalho responsável.
Houve a valentia de defender, mesmo com erros e limitações, o regime
democrático, com os instrumentos que a Constituição e as leis disponibilizam. E
isso produz resultados. Ao contrário do que queriam e continuam querendo os
autoritários e liberticidas, haverá no segundo semestre eleições seguras,
transparentes e auditáveis.
Revisão da Lei do Impeachment
O Estado de S. Paulo
A atualização da lei é desejável, mas, se
ela não funcionou a contento, foi pela inércia ou heterodoxia dos políticos
Em boa hora, o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco, criou uma comissão para atualizar a Lei do Impeachment.
A Constituição prevê sete tipos de crimes
de responsabilidade do presidente da República a serem definidos em lei
especial. Tratase da Lei 1.079 de 1950, recepcionada pela Constituição, com
exceção de alguns aspectos processuais, como o papel da Câmara de julgar não
mais a procedência da acusação, mas apenas a sua admissibilidade. Em 2000, após
o Congresso aprovar uma série de medidas de fortalecimento da responsabilidade
fiscal, o texto sofreu alterações relativas aos crimes contra a Lei
Orçamentária.
“É necessário (...) fazer um levantamento
sobre quais são os atos que realmente mereceriam punição”, disse o jurista
Miguel Reale Jr. “É necessário reduzir as hipóteses e melhorar a redação sobre
as normas que incriminam.” Segundo Pacheco, “os problemas da lei já foram
apontados em diversas ocasiões pela doutrina e jurisprudência como fonte de
instabilidade institucional, demandando assim sua completa revisão”. Após sete
décadas, essa revisão é desejável. Mas é preciso reconhecer que, mesmo que
imperfeitamente, a lei cumpriu o seu papel.
O impeachment é um remédio constitucional a
ofensas contra o sistema de governo que visa não tanto à punição do ofensor,
mas o seu afastamento do cargo e do exercício de funções públicas. Se o
processo tem bases jurídicas, sua natureza é política.
No caso do ex-presidente Fernando Collor, a
remoção se deu por crimes contra a segurança interna do País e contra a
probidade da administração; no caso de Dilma Rousseff, por crimes contra a Lei
Orçamentária e contra o emprego legal do dinheiro público.
O presidente Jair Bolsonaro foi alvo de
dezenas de pedidos de impeachment. A comissão de juristas convocada pela CPI da
Covid, por exemplo, apontou crimes de responsabilidade contra direitos sociais
e individuais à vida e à saúde. Se os processos não prosperaram não foi por
falhas da lei, mas por falta de condições políticas.
No impeachment de Dilma, houve divergências
em relação à constitucionalidade dos ritos aplicados. O STF, por exemplo,
introduziu um juízo de admissibilidade do Senado para a abertura do processo,
quando a Constituição atribui essa admissão exclusivamente à Câmara. Já no
Senado, a sanção constitucional – “perda do cargo, com inabilitação, por oito
anos, para o exercício de função pública” – foi “fatiada” para garantir a
remoção sem a inabilitação. Mas tampouco isso se deve a um problema na lei, e
sim ao exercício de “constitucionalidade criativa” do Senado, presidido pelo
então presidente da Suprema Corte, Ricardo Lewandowski – que, curiosamente, foi
agora escolhido para presidir a comissão do Senado.
A Lei do Impeachment pode e deve ser
revisada. Mas, se houve “instabilidade institucional”, não foi tanto em razão
da lei, e sim de seus intérpretes. Espera-se que, ao revisá-la, os
parlamentares se atenham estritamente à letra da Constituição e se orientem por
seu espírito, relegando a outras esferas seus talentos criativos.
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