Correio Braziliense / Estado de Minas
A filiação de Garcia ao PSDB
gerou duas fricções: uma com o DEM, que se fundiu ao PSL, formando a União
Brasil, afastando-se de Doria; outra, a dissidência de Alckmin, Aloysio e
Aníbal
Oh! Minhas alucinações!/ Como um possesso
num acesso em meus aplausos/ aos heróis do meu Estado amado!../ E as esperanças
de ver tudo salvo!/ Duas mil reformas, três projetos…/ Emigraram os futuros
noturnos… E verde, verde, verde!…/ Oh! minhas alucinações!/ Mas os deputados,
chapéus altos,/ mudavam-se pouco a pouco em cabras!/ Crescem-lhes os cornos,
descem-lhes as barbinhas…/ E vi que os chapéus altos do meu estado amado,/ com
os triângulos de madeira no pescoço,/ nos verdes esperanças, sob as franjas de
oiro da tarde,/ se punham a pastar/ rente do palácio do senhor presidente…/ Oh!
minhas alucinações!”
Os versos de Mário de Andrade, publicados em 1922, são considerados um marco modernista da literatura brasileira. Composto por 22 poemas, Pauliceia Desvairada tem como pano de fundo a acelerada modernização e a urbanização de São Paulo. Marcados pelo afeto e pelo sarcasmo, pela crítica ao transformismo dos políticos, traduzem a realidade de uma forma exagerada, alucinatória, que produz um novo olhar sobre a realidade, despido de fórmulas prontas e preconceitos. O moderno, a renovação, a experimentação pedem passagem, sem nenhuma ingenuidade.
Seu poema Ode ao Burguês foi lido durante a
semana, no Teatro Municipal de São Paulo, para uma perplexa plateia
aristocrática: “Eu insulto o burguês! O burguês-níquel, / o burguês-burguês! /A
digestão bem-feita de São Paulo! / O homem-curva! O homem-nádegas! /O homem
que, sendo francês, brasileiro, italiano, / é sempre um cauteloso
pouco-a-pouco!”. Era um manifesto e um aviso.
Calça apertada”; “Ken”, o namorado da
Barbie; “coxinha”… Tão incômodos são os apelidos de João Doria que seus os
marqueteiros resolveram assumir o risco de incorporá-los à imagem do
pré-candidato à Presidência da República. Nas prévias do PSDB, produziram um
antídoto: “Bom, enquanto eles procuravam apelidos pro Doria, o Doria procurava
uma vacina pro Brasil. E o ‘coxinha’, ‘calça apertada’, atravessou o mundo para
conseguir a única vacina que o Brasil teve no pior momento da pandemia. A
vacina que salvou vidas de idosos, médicos e enfermeiros; de petistas e de
bolsonaristas”. Doria venceu as prévias, mas até agora não levou.
Na política, São Paulo gosta de audácia,
principalmente na capital, palco de viradas espetaculares, como a volta de
Jânio Quadros, a vitória de Luiza Erundina, a eleição de Celso Pitta, a
ascensão de Marta Suplicy. O governador João Doria é um fenômeno político
meteórico, tipicamente paulista, eleito prefeito da capital; a partir dessa
plataforma, alçou-se ao Palácio dos Bandeirantes. Agora, mira a Presidência.
Pesquisas
Pesquisa divulgada na sexta-feira pelo
Instituto Ipespe mostra que Doria continua sem empolgar o eleitorado paulista,
com 4% de intenções de votos nas pesquisas espontâneas e 5%, nas induzidas, muito
atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 34%, e de Jair
Bolsonaro (PL), que tem 26%. Ensanduichado, também fica atrás do ex-ministro
Sergio Moro (Podemos), com 11%, e em incômodo empate técnico com Ciro Gomes
(PDT), que tem 7%. Por um mistério da autonomia da política, o governador João
Doria faz uma excelente administração, cujo rigor fiscal, agora, lhe permite
executar R$ 26 bilhões em investimentos e aumentar os salários do
funcionalismo, porém, isso ainda não se traduz eleitoralmente.
Suas dificuldades no plano nacional eram
esperadas: é paulista demais, tem zero quilômetro rodado no Congresso, não
conhece a realidade dos demais estados etc. Entretanto, nada disso o impediu de
vencer as prévias do PSDB, derrotando o governador gaúcho, Eduardo Leite. A
vitória apertada tem um detalhe preocupante: perdeu a disputa entre vereadores,
ou seja, a turma que capilariza a campanha e carrega o piano. Entretanto,
talvez a chave de suas dificuldades não esteja no cenário nacional, mas, sim,
no quadro eleitoral de São Paulo, que é muito difícil.
A filiação do vice-governador Rodrigo
Garcia ao PSDB gerou duas fricções: uma com o DEM, que se fundiu ao PSL,
formando a União Brasil, afastando-se de Doria; outra, a dissidência de Geraldo
Alckmin, Aloysio Nunes Ferreira e José Aníbal, todos ultrapassados na fila de
sua sucessão. O ambiente polarizado de uma disputa presencial antecipada e o
cenário estadual criaram uma situação inédita em São Paulo: pela primeira vez,
a expectativa de poder na largada da disputa eleitoral é muito maior no campo
da oposição do que no Palácio dos Bandeirantes.
Na mesma pesquisa Ipespe, Garcia tem apenas
1% de votos na espontânea, num cenário no qual seus adversários mais fortes são
Fernando Haddad, com 6%, o candidato de Lula; e Tarcísio Freitas, o ministro de
Infraestrutura, um estreante, apoiado por Bolsonaro, tem 5%. Na consulta
induzida, no melhor cenário, Garcia tem 10%, contra 38% de Haddad, e Tarcísio,
com 25%. No cenário com Haddad (28%), França (18%), Boulos (11%) e Tarcísio
(10%), Garcia tem apenas 5%. É ou não é uma Pauliceia desvairada? Entretanto,
Doria e Garcia não estão espiritualmente derrotados. Ninguém ganha nem perde
eleições de véspera.
Cidadania
A propósito, o Diretório Nacional do
Cidadania aprovou ontem a federação com o PSDB. A maioria dos membros votou de
forma favorável a aliança. O partido decidiu também de forma unânime pela
manutenção do senador Alessandro Vieira (SE) como pré-candidato à presidência
da República. Vieira foi responsável por coordenar o comitê de negociação
sobre as federações e se absteve nos dois turnos. A maioria optou por
fechar com o partido tucano, com 56 votos pela federação contra 47 do PDT e 7
abstenções. No primeiro turno, foram 54 votos pela federação com o
PSDB, 37 com o PDT, 14 com o Podemos e 5 abstenções.
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