Blog do Noblat / Metrópoles, 19.2.2022
O jeitinho é filho do negacionismo que
domina a política brasileira, desde sempre, por eleitos e eleitores, sobretudo
por populistas
Há décadas o orgulho brasileiro pela
prática de jeitinhos cobra alto preço, ao preferir gambiarras e ilusões, no
lugar do enfrentamento correto de nossos problemas. O atual presidente tentou a
gambiarra da cloroquina para enfrentar a tragédia do covid: o resultado são
centenas de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas. Mas a gambiarra
não é prática apenas do atual presidente. O jeitinho é filho do negacionismo
que domina a política brasileira, desde sempre, por eleitos e eleitores,
sobretudo por populistas e imediatistas.
Investimos em uma modernidade apressada,
tendo a indústria automobilística como carro chefe do crescimento, independente
de suas consequências. O resultado são nossas “monstrópoles”, resultantes do
inchaço das cidades, sem planejamento, sem cuidados, crescendo
descontroladamente e recebendo gambiarras no lugar de estruturas robustas.
A tragédia de Petrópolis, nesta semana, e muitas outras no passado recente, decorrem deste comportamento de jeitinhos e gambiarras fruto do negacionismo diante da dimensão do problema. A tentativa de controlar o preço do combustível é outro exemplo.
Para viabilizar a indústria
automobilística, baseamos nossa economia no petróleo. Apresentamos as linhas
férreas, desprezamos o transporte de cabotagem e fluvial, relegamos o
transporte coletivo urbano movido por eletricidade. Baseamos a mobilidade
diária de centenas de milhões de pessoas na queima do petróleo, que vai acabar
e cujo preço necessariamente tende a subir. Tomamos e mantemos esta opção,
mesmo sabendo que a crise ecológica vai provocar a proibição do uso do petróleo
para energia, como alguns países já estão fazendo.
No lugar de buscarmos alternativas,
preferimos negar as verdadeiras causas da crise e buscamos manipular o preço da
gasolina, tabelando na Petrobrás ou desviando recursos públicos para subsidiar
o preço do combustível na bomba. Todos os partidos disputam qual terá mais
criatividade para forçar a baixa do preço, nenhum propõe tocar nas causas reais
do aumento do preço. Fazem lembrar a ideia do kit covid para a cura do vírus.
Os mesmos que criticavam o atual desastroso presidente que renegava vacina e
defendia a cloroquina, agora defendem cloroquina para enfrentar a crise do
preço do combustível: a gasolina barata é a cloroquina do transporte.
O certo seria entender o terrível vírus que
mata o sistema de transporte baseado no automóvel privado movido a petróleo, e
buscar a vacina em um sistema de transporte sintonizado com o futuro: coletivo
e elétrico. Obviamente com medidas emergenciais para atender a população
carente no imediato.
Felizmente o povo brasileiro tomou vacina,
mesmo contra o governo, mas o povo não muda o padrão do sistema de transporte
e, lamentavelmente, os candidatos à presidência parecem todos preferirem a
cloroquina do transporte, o kit combustível, no lugar da vacina para o vírus do
transporte: não apresentam uma reorientação para evitar que o sistema de
transporte seja contaminado pelo petróleo, seus preços e custos ecológicos.
Para os candidatos, apenas o presente importa, e este pode ser administrado
pelo jeitinho, as gambiarras dos kits que diminuem a dor de cabeça até o dia em
que se precisa de entubação. Por décadas usamos gambiarras no dia a dia das
políticas brasileiras, e está chegando a hora de medidas não negacionistas, mas
todos somos negacionistas quando a vacina proposta exige sacrifícios.
Prefere-se adiar até o dia do colapso do transporte por falta de combustível,
ou o colapso das finanças por subsídios ao consumo de petróleo e o colapso
ecológico pela manutenção do consumo.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e
governador
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