Folha de S. Paulo
Invasão da Ucrânia e punição séria da
Rússia mexeriam com milho, trigo, petróleo e finança
A Ucrânia vende
17% do milho do mercado mundial. Tem peso relevante, embora fique atrás de EUA,
Brasil e Argentina. Ucrânia e Rússia exportam 30% do trigo comprado pelo resto
do planeta —é muito.
Quase 47% do gás e 25% do petróleo que a União Europeia importa sai da Rússia. Os russos têm mais ou menos 11% das exportações mundiais de petróleo, apenas atrás da Arábia Saudita (17%). Quase metade das exportações russas é de energia, o que sustenta a economia e as contas do governo.
Qual o impacto que uma guerra pode ter nos
preços da vidinha? Depende também do tamanho das sanções
contra a Rússia, claro, o que parece depender do tamanho da guerra, mas não
apenas.
Se a Rússia bloqueasse a saída da Ucrânia
para o mar, o preço dos grãos poderia subir bem. Mas a China, aliada mais ou
menos de Vladimir
Putin, compra um monte de seu milho na Ucrânia.
Se a exportação de energia da Rússia para a
União Europeia fosse interrompida, russos e europeus iriam para o buraco,
chutando de resto o preço do petróleo para o alto.
Na sexta-feira de frenesi de guerra na
mídia americana, a mídia especializada em grãos estava mais preocupada com a
safra de soja e milho de Brasil e Argentina, prejudicada pelo mau tempo.
Comentavam uma ligeira alta do preço do trigo, de passagem.
O petróleo está caro, passou de US$ 77 por
barril (Brent) no final do ano passado para US$ 93,5 no final da semana
passada. No entanto, é o preço em torno do qual tem flutuado desde o início de
fevereiro, quando piorou a crise na Ucrânia, mas não necessariamente por causa
do tumulto geopolítico.
Os negociantes de dinheiro, os mercados
financeiros, estão de fato mais nervosos, em particular nos Estados Unidos,
onde o governo de Joe Biden e a elite da política, da mídia e da finança parece
achar ou propagandear que a "guerra iminente" é agora inevitável.
Claro que uma invasão maciça da Ucrânia
pode ter consequências que vão além destas continhas e observações elementares.
Há desde o efeito pânico na finança até o imponderável: de risco de conflito
descontrolado até um fiasco russo, embora o International Institute of
Strategic Studies (IISS) diga que equipamento, composição e treinamento das
tropas russas tenham melhorado depois de vergonhas na rápida invasão da
Geórgia, em 2008.
Entre uma hipótese e outra, a Rússia pode
submeter a Ucrânia a um longo estado de sítio. Pode recorrer à guerra
cibernética, a intervenções por meio dos separatistas do leste ucraniano, a
sabotagens, a ameaças que criam desconfiança econômica e paralisia decisória
nos negócios e na política, enquanto desmoralizam o ânimo punitivo e inibem a
ação do "Ocidente". Isso deve ter um custo, mas marginal.
A questão maior é saber se, depois da
peste, ainda teremos guerra para valer. Além disso, no que interessa à
especulação econômica, é preciso descobrir que tipo de sanções duras que EUA e
aliados podem impor à Rússia sem que sofram um efeito bumerangue (petróleo
caro, mais inflação, acidentes nos mercados financeiros).
Como se sabe, os americanos ameaçam pegar o
dinheiro de oligarcas russos, das estatais do país e machucar os bancos. É um
estrago. E se não funcionar? A tentativa de quebrar as pernas econômicas da
Rússia não sairia de graça para o mundo, fora o risco de conflito armado ainda
maior.
Enquanto isso, o dólar cai sem parar no
Brasil de 2022. Apesar dos tombinhos do Ibovespa, continuou a entrar dinheiro
de não residentes ("estrangeiros") na Bolsa (até 16 de fevereiro, R$
52 bilhões, mais da metade do que entrou em 2021 inteiro). A entrada de dólares
no país neste ano supera à do total de 2021. É uma calmaria surpreendente.
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