Editoriais
Avanços a preservar
Folha de S. Paulo
No programa econômico de Lula, versões
maniqueístas se chocam com a realidade
Como vai demonstrando a elaboração
do programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, está em
desacordo com os fatos a versão petista segundo a qual a economia do país e
suas normas pioraram continuamente desde o impeachment de Dilma Rousseff, em
2016.
Se é fato que o desempenho brasileiro tem
sido decepcionante, além de duramente prejudicado pelos impactos da pandemia,
da guerra e das medidas eleitoreiras de Jair Bolsonaro (PL), há avanços a serem
reconhecidos e preservados.
Recorde-se que, quando Dilma foi tirada do
Planalto, o PIB brasileiro marcava contração de assustadores 7,9% em 24 meses
—o que deveria servir como referência para comparações. Foi essa catástrofe de
raras proporções que impôs providências difíceis e adiadas por anos, mas
necessárias.
Tome-se a reforma trabalhista, agora tratada em tom mais ameno, sem defesa da revogação, na nova edição do programa de Lula. A possibilidade de contratações mais flexíveis, o freio à proliferação de processos judiciais e o fim do imposto sindical foram passos na direção correta, que nenhum governo reverterá sem custo elevado.
É notável, ademais, que o PT indique a
preservação da outrora renegada autonomia do Banco Central, não mencionada no
documento. A recente escalada da inflação, fenômeno global aqui agravado por
erros do governo, poderia servir de argumento desonesto contra esse
aperfeiçoamento institucional.
O texto petista parece propositalmente vago
ao falar da reforma da Previdência, que logrou conter o maior fator de
desequilíbrio do Orçamento federal. Não se expõe ali a intenção de modificar
nenhum aspecto fundamental do redesenho do sistema de aposentadorias.
Existem outros progressos importantes do
período a serem assimilados, como o marco legal do saneamento, as privatizações
e a Lei das Estatais —ora sob ataque oportunista do centrão fisiológico em
razão dos preços da Petrobras.
Quanto ao teto para os gastos federais,
alvo de tantas contestações
inflamadas, trata-se tão somente de uma medida emergencial e
temporária para reequilibrar minimamente, e de forma gradual, as depauperadas
finanças públicas.
Não há como eliminá-lo sem apresentar
alguma alternativa crível de ajuste fiscal, ou o governo terá de pagar juros
cada vez mais altos para buscar no mercado o dinheiro para suas atividades
básicas.
Vive-se, sem dúvida, um momento dificílimo,
de aumento da carestia e da pobreza —o que, aliás, favorece a candidatura
oposicionista de Lula. A identificação correta das causas e seu enfrentamento
demandarão o abandono progressivo de teses
simplistas e maniqueístas da propaganda partidária.
Israel à deriva
Folha de S. Paulo
De volta ao impasse político, país
parlamentarista terá a 5ª eleição em 3 anos
O fantasma da instabilidade voltou a
assombrar a política de Israel. No poder desde junho de 2021, a improvável
coalizão que encerrou o poderio de 12 anos do ex-premiê Binyamin Netanyahu
anunciou, na segunda (20), a intenção de
dissolver o Parlamento, levando o país ao mesmo impasse do qual, a
duras penas, conseguira sair há um ano.
A decisão, que deve ser concretizada até o
fim deste mês, fará com que os israelenses revisitem um roteiro bem conhecido
nos últimos tempos —eleições, e nada menos que a quinta em três anos.
Formada por oito partidos e agora no fim, a
aliança uniu oponentes de um vasto arco ideológico, da ultraesquerda à direita
nacionalista, passando pelo centro. Incluiu ainda a primeira legenda árabe
independente a integrar o governo.
Se apenas fruto da diversidade social ou
sintoma da disfuncionalidade política do país, o fato é que a heterogeneidade
do arranjo acabou se tornando sua ruína.
Verdade que, em sua curta existência, a
coalizão logrou tirar o país do estado de paralisia em que se encontrava, ao
ser capaz, por exemplo, de aprovar um novo Orçamento —o primeiro em mais de
três anos— e de preencher cargos administrativos vazios há muito.
Sua fragilidade era evidente, porém, com
diferenças irreconciliáveis entre seus membros em temas como a questão
palestina, a relação entre religião e Estado e os direitos da minoria árabe em
Israel.
O governo vinha claudicando desde abril,
quando a maioria que detinha no Parlamento desfez-se após a defecção de membros
da direita nacionalista.
No começo do mês veio o tiro de
misericórdia. Membros árabes da coalizão se recusaram a votar projeto que
renovava a proteção legal dada a colonos judeus na Cisjordânia, ocupada por
Israel desde 1967. Diante do impasse, o premiê Naftali Bennett e o chanceler
Yair Lapid optaram por chamar novas eleições, provavelmente em outubro.
Nesse cenário incerto, aventa-se até a
possibilidade da volta de Netanyahu ao poder, mas seus problemas na Justiça
tendem a afastar possíveis aliados.
Seja qual for o desenrolar, a volatilidade
da política israelense é exemplo eloquente dos obstáculos à governabilidade
que, em anos recentes, têm atingido também outros países parlamentaristas —e demonstra,
mais uma vez, que a superioridade teórica desse regime na solução de crises nem
sempre se verifica na prática.
O ataque dos cupins da República
O Estado de S. Paulo
Por imperativos eleitoreiros, Bolsonaro e seus aliados intensificam investida contra leis e dispositivos que dificultam a pilhagem do Estado e a destruição das contas públicas
O presidente Jair Bolsonaro e seus aliados
no Congresso intensificaram sua ofensiva contra o conjunto de leis e
dispositivos que dificultam a pilhagem do Estado e a destruição das contas
públicas. Para os propósitos eleitoreiros dos bolsonaristas, essa cidadela
republicana, responsável pela estabilidade da economia e pela redução da
corrupção, tem de ser arruinada. O motivo é óbvio: onde há regras que limitam
gastos públicos e que impõem boa governança em estatais, há pouco espaço para
gastança populista e para o aparelhamento corrupto de empresas que devem servir
ao País, e não ao grupo que está temporariamente no poder.
O alvo mais recente dessa ofensiva é a Lei
das Estatais, um dos maiores marcos aprovados pelo Legislativo dos últimos
anos. Meses após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o Congresso
conseguiu elaborar um conjunto de normas que representaram o resgate da
moralidade e estabeleceram padrões civilizados de governança nas empresas
públicas. O texto, sancionado em junho de 2016, consolidou princípios de
transparência, eficiência e boa gestão para as empresas públicas e sociedades
de economia mista. A lei estabeleceu regras para a escolha de diretores e
conselheiros, proibiu a indicação de dirigentes partidários, ministros,
sindicalistas e parlamentares e passou a exigir comprovação de experiência
prévia dos candidatos a cargos executivos.
Muito se fala sobre a elaboração de
políticas públicas baseadas em evidências e na necessidade de avaliação
constante de seus resultados. No caso das estatais, talvez não haja prova maior
do sucesso dessa legislação do que os balanços financeiros. A Petrobras,
principal vítima do intervencionismo estatal nos governos petistas, conseguiu
rapidamente reverter uma trajetória de perdas bilionárias e obteve lucros
expressivos. Surpreendentemente, isso se tornou um problema para a classe
política e tem servido como desculpa para questionar a jovem Lei das
Estatais.
Bolsonaro, por exemplo, acusou a Petrobras
de registrar um lucro “absurdo” e sugeriu que o comando da empresa atua contra
o País. Por isso, quer colocar na direção da Petrobras um obediente apaniguado,
embora esse indicado não tenha experiência na área de petróleo, como exige a
Lei das Estatais. Ato contínuo, o presidente da Câmara, Arthur Lira, sugeriu ao
Executivo que envie uma Medida Provisória, com força de lei desde a data de sua
publicação, para alterar a Lei das Estatais.
Bolsonaro elegeu a Petrobras como inimiga
do País com o objetivo de mobilizar sua base e, principalmente, desviar o foco
do fracasso de seu governo. Para o Centrão, no entanto, trata-se de uma
imperdível oportunidade para retomar o poder que o grupo tinha nas empresas
públicas. Descoberto nos governos petistas, o petrolão contou com a
participação direta de partidos como o PP de Lira. O presidente da Câmara
afirmou que a mudança na lei seria uma forma a assegurar “maior sinergia entre
as estatais e o governo do momento”, o que é a senha para a submissão das
empresas aos interesses políticos do governo, o exato oposto do que preconiza a
Lei das Estatais.
Assim como o teto do ICMS para bens
essenciais, mudar a Lei das Estatais não derrubará os preços dos combustíveis,
mas aumentará as chances de a Petrobras voltar a ser saqueada pelo governo de
turno e seus aliados. Essa estratégia diversionista começa a ficar repetitiva –
elevar os benefícios do Auxílio Brasil para vulneráveis foi a desculpa para
destruir o teto de gastos e violar a Lei de Responsabilidade Fiscal, dar calote
nos precatórios da União, garantir recursos para o fundo eleitoral e manter o
pagamento integral das emendas de relator. Destruir os pilares macroeconômicos
teve resultados imediatos na bolsa, nos juros e no valor da moeda, mas também
para a população, ampliando a corrosão do poder de compra das famílias. A intervenção
na Petrobras também terá efeitos trágicos – e já se sabe quais são eles. Se não
for impedido, o governo Bolsonaro deixará como legado a destruição do aparato
de proteção do Estado contra os cupins da República.
Os muitos ganhos do ensino integral
O Estado de S. Paulo
Estudo feito em Pernambuco mostra que ampliação da jornada escolar não só melhora o desempenho dos alunos, como ainda reduz as taxas de homicídios de jovens
Por qualquer ângulo que se olhe, o ensino
integral é um investimento que vale a pena. Melhoria da aprendizagem, redução
de desigualdades, maior empregabilidade e salários mais altos para quem conclui
a educação básica, entre outros benefícios, já haviam sido constatados em
levantamentos anteriores. Uma recente pesquisa acaba de evidenciar mais um
ganho ligado à oferta de ensino em tempo integral: a diminuição, em até 50,8%,
das taxas de homicídios de adolescentes homens na faixa de 15 a 19 anos.
Os dados, noticiados pelo Estadão na
última segunda-feira, retratam a realidade de Pernambuco, onde foram comparadas
taxas de homicídio de jovens em municípios com e sem escolas de ensino em tempo
integral, inclusive em Estados vizinhos. Desde 2004, a rede pernambucana
investe em escolas de tempo integral, com 70% das vagas de ensino médio nesse
formato de carga horária dobrada, o mais elevado índice do País.
Cada município pernambucano conta
atualmente com pelo menos uma escola em horário integral. O investimento, como
não poderia deixar de ser, resultou em aumento do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb), principal indicador de qualidade do ensino brasileiro,
que leva em conta o desempenho dos alunos em provas de matemática e língua
portuguesa, além da aprovação ao final de cada ano letivo.
Os benefícios do ensino em tempo integral
são intuitivos e ecoam o senso comum: ao permanecer mais horas na escola,
crianças e adolescentes têm mais tempo de aula, de estudo e de convívio. Não
surpreende, então, que aprendam mais e que sua vivência escolar seja capaz de
abrir mais portas, quando terminarem o ensino médio e partirem rumo à
universidade ou ao mercado de trabalho. Não por outra razão, países
desenvolvidos adotam o ensino em tempo integral, enquanto a regra, na maioria
das escolas brasileiras, é apenas um turno de quatro horas.
Vale registrar, porém, que a jornada mais
longa, por si só, não basta. Mais do que uma escola em tempo integral, o que se
busca é uma escola que ofereça educação integral, isto é, que dê conta da
formação dos estudantes em diversas frentes: a cognitiva, a socioemocional, a
física, a cidadã e a profissional, entre outras. Qualidade, em todos os
sentidos, é a palavra-chave. Daí que uma política educacional centrada nesse
modelo requer ações articuladas. Tanto os professores devem atuar em regime de
dedicação integral quanto o currículo precisa ser atrativo e diferenciado, com
foco no protagonismo e no projeto de vida dos jovens. Se a escola for
desinteressante e de má qualidade, quem vai querer permanecer mais tempo nela?
O levantamento em Pernambuco foi realizado
por pesquisadores do Insper e da Universidade de São Paulo (USP), com apoio do
Instituto Natura. Assim como estudos anteriores, jogou luz sobre algo essencial
nas políticas educacionais: investir em escolas de ensino em tempo integral
gera resultados positivos. Ou seja, do ponto de vista dos governos e das
prioridades orçamentárias, é um tipo de investimento que compensa e vale a
pena. Logo, deveria servir de referência para gestores educacionais em todo o
País, seja em Brasília, onde o Ministério da Educação (MEC), sob o atual
governo, já demonstrou não ter projeto educacional à altura dos desafios
nacionais, ou nos gabinetes das secretarias municipais e estaduais de Educação.
Não há mágica para solucionar os problemas
educacionais nem é preciso reinventar a roda. O ensino em tempo integral já
comprovou ser um caminho que traz avanços. Nos últimos anos, a Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo acordou para a importância dessa iniciativa, a
exemplo de Estados como Ceará e Paraíba. Na rede estadual de São Paulo, como
informou o Estadão, o número de escolas de ensino fundamental e médio em
tempo integral saltou de 364, em 2018, para 2.050, um acréscimo de 463%. A meta
é alcançar 3 mil unidades no ano que vem. Eis um investimento que dá resultado.
O País só tem a ganhar se todas as redes de ensino seguirem esse mesmo
rumo.
Inflação imprevista pede mais arrocho
O Estado de S. Paulo
Alta de preços persistente e deterioração do cenário requerem aperto monetário forte e prolongado, diz a ata do Copom
Para conter uma inflação maior e mais
persistente do que se previa, o aperto monetário, com dinheiro caro e crédito
escasso, também deverá prolongar-se por mais tempo, segundo informa o Copom, o
Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC). Com seu efeito
contracionista, o arrocho deverá impactar a economia mais fortemente no segundo
semestre, estima o comitê, e a partir daí a alta de preços deverá perder
impulso. O objetivo é levar a inflação, projetada em 4% no próximo ano, para o
centro da meta, fixado em 3,25% para 2023 e 3% em 2024. Essas informações
aparecem na ata da última reunião do Copom, encerrada na quarta-feira da semana
passada, quando a taxa básica de juros foi elevada de 11,75% para 13,25% ao
ano. O texto só menciona o ano-calendário de 2023 quando se refere ao
“horizonte relevante” da política monetária.
Em nova alta, prevista para o começo de
agosto, a taxa básica deverá atingir 13,50% ou 13,75%, segundo indicação do
Copom. Ao descrever as pressões inflacionárias externas e internas, a ata,
divulgada nesta terça-feira, é bem mais sombria que a nota publicada logo
depois da reunião, na quarta-feira anterior. O ambiente externo continuou em
deterioração, com revisão para baixo do crescimento previsto para as grandes
economias, políticas monetárias mais contracionistas e piora das condições
financeiras. Internamente, o crescimento econômico tem superado as previsões,
mas a inflação ao consumidor continua elevada e mais persistente do que se
esperava. Contudo, os dados da atividade recente “ainda refletem,
majoritariamente”, a normalização depois da pandemia e também “o estímulo
fiscal transitório efetuado no primeiro semestre”. Houve, além disso, a
utilização de parte da poupança acumulada pelas famílias na fase de maior
restrição.
Esgotados esses efeitos, a atividade
perderá impulso nos próximos trimestres, “quando os impactos defasados da
política monetária se fizerem mais presentes”. Também está pressuposta,
naturalmente, alguma contenção da alta de preços, como consequência da alta de
juros.
A defasagem normal dos efeitos da política
monetária explica parcialmente a forte alta de preços nos últimos meses. Mas a
ata assinala também uma “deterioração tanto na dinâmica inflacionária de curto
prazo quanto em suas projeções mais longas, ainda que o cenário esteja cercado
de incerteza e volatilidade acima do usual”. Em outras palavras, o desajuste
dos preços ainda se agravou, enquanto o Copom apertava sua política. Sobra da
leitura, portanto, uma dúvida importante. Dada essa deterioração, será mesmo
possível esperar um efeito positivo da política anti-inflacionária neste
semestre?
Mesmo com algum efeito positivo do arrocho,
pressões inflacionárias ainda serão provavelmente sensíveis em 2023. Quem
estiver no Executivo quase certamente será forçado a enfrentar uma combinação
tóxica de inflação intensa, juros altos, desemprego ainda elevado (apesar de
alguma redução em 2022) e contas públicas contaminadas pelo jogo eleitoral
deste ano.
É preciso desatar nó do investimento em
infraestrutura
O Globo
Os investimentos do Brasil em
infraestrutura nos últimos anos foram insuficientes até para garantir a
manutenção do que já foi construído. Tal situação dificulta qualquer meta de
melhora ou novos projetos. Faltando seis meses para o fim, o governo de Jair
Bolsonaro não terá tempo para reverter seu fracasso nessa área. Resta-lhe
apenas explicar as falhas e apresentar seus planos para saná-las caso reeleito.
Os demais candidatos também deveriam apresentar alternativas robustas e
críveis.
Dados da Confederação Nacional da Indústria
(CNI) publicados pelo GLOBO revelam que o Brasil investiu em infraestrutura o
equivalente a 1,57% do PIB (R$ 135 bilhões) em 2021, menor patamar em pelo
menos 12 anos. É um percentual próximo do divulgado em maio pela consultoria
especializada Inter.B (1,73%). Tanto um levantamento quanto o outro revelam a
mesma realidade: é certo que recentemente houve um bem-vindo aumento nos
aportes privados, mas foi registrada queda drástica nos investimentos públicos.
Em 2020 e 2021, o atual governo encontrou R$ 38,1 bilhões (em valores
corrigidos) para comprar apoio no Congresso via emendas do relator (o
proverbial orçamento secreto). Parte desse dinheiro foi para obras de estradas
e mobilidade urbana, mas o critério usado para decidir o destino nem sempre foi
cartesiano, muito menos republicano. No total, o investimento público em
infraestrutura ficou em mirrados R$ 42 bilhões em 2021.
A História ajuda a entender a importância
da infraestrutura para o crescimento econômico, algo evidente já nos primórdios
da Revolução Industrial, que livrou a humanidade de milênios de escassez. Na
Grã-Bretanha do século XVIII, levar carvão em carroças com destino às fábricas
nascentes era lento e caro. A construção de canais para o transporte por balsas
foi a solução durante décadas antes da disseminação das estradas de ferro. O
Brasil do século XXI ainda não aprendeu a lição. A CNI calcula que seria
necessário investir no mínimo 4% do PIB, ou R$ 344 bilhões anuais (em dinheiro
público e privado), por uma década para ampliar e manter a infraestrutura de
estradas, aeroportos, usinas, portos, ferrovias e comunicação.
Em alguns segmentos, como telecomunicações
e energia, a participação da iniciativa privada já é considerável. Noutros, há
espaço para crescer, desde que o governo pare de atrapalhar com insegurança
jurídica, burocracia e outras mazelas. É mais importante assegurar um ambiente
de investimentos confiável, com regras estáveis e garantias no longo prazo, do
que tentar oferecer crédito subsidiado via BNDES, como o governo fez durante
anos — incentivando o compadrio dos empresários “amigos” com os políticos
corruptos, e não a eficiência na alocação de recursos.
O Brasil já dispõe de mecanismos eficientes
para atrair capital em investimentos de longo prazo, como as parcerias
público-privadas, as concessões ou privatizações. Claro que a participação do
Estado não pode ser desprezada em projetos que ultrapassem a capacidade do
setor privado em razão do risco ou do retorno social esperado. É o que ocorre
em todas as grandes economias do mundo. Mas é preciso que isso seja feito
preservando a boa governança, o equilíbrio fiscal e com total transparência.
Seria absurdo jogar fora vacinas contra a
Covid por falta de uso
O Globo
Em junho do ano passado, a vacinação contra
a Covid-19 no país avançava lentamente, devido à escassez crônica de vacinas,
compradas tardiamente pelo governo. Tornou-se cena comum o cidadão ir ao posto
de saúde e encontrar um cartaz informando que a aplicação estava suspensa por
falta de doses — várias capitais chegaram a interromper as campanhas mais de
uma vez. Um ano depois, vive-se situação inversa. Vacinas existem, o que está
em falta é o cidadão disposto a se vacinar.
A situação é tão esdrúxula que o país corre
o risco de perder vacinas. Uma inspeção do Tribunal de Contas da União (TCU)
constatou que o Ministério da Saúde tem em estoque mais de 28 milhões de doses
contra a Covid-19 que perderão a validade em agosto. Parte delas, 11,7 milhões,
vence no mês que vem. De acordo com o TCU, as vacinas, da Pfizer e da
AstraZeneca, custaram R$ 1,1 bilhão ao governo.
Ao longo da campanha de vacinação, houve
casos em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a
prorrogação do prazo de validade. Mas a questão não se resume a isso. Os
estoques perto do vencimento expõem mais uma vez falhas na logística do
Ministério da Saúde. É inaceitável que o país possa perder vacinas,
especialmente quando uma nova onda de Covid-19 provoca aumento de casos, de
mortes e pressiona os hospitais.
Se vacinas sobram, é porque os brasileiros
não vão aos postos com a frequência esperada. E, se não fazem isso, é porque
existem obstáculos. Uma pesquisa encomendada pelo próprio Ministério da Saúde
mostrou que muitos não se vacinaram devido a problemas como falta de doses,
posto fechado, horários incompatíveis com a rotina de trabalho etc. Não basta
comprar as vacinas e achar que está tudo resolvido. Ministério da Saúde,
estados e prefeituras precisam convencer os cidadãos a tomá-las, além de
facilitar-lhes as condições para isso.
A vida do brasileiro voltou relativamente
ao normal graças à vacinação. Ela já avançou bastante, mas não o suficiente
para proteger a população. A dose de reforço, fundamental contra as novas
variantes, ainda patina (apenas 55% do público-alvo tomou a terceira dose).
Problemas localizados deveriam merecer atenção do governo. Caso da vacinação
infantil (menos de 65% receberam a primeira dose), afetada pelas campanhas de
desinformação, e dos adultos jovens, que resistem a completar o ciclo vacinal.
As propagandas veiculadas pelo Ministério da Saúde não cumprem seu papel, pois
passam mais tempo enaltecendo o governo do que combatendo as mentiras e
explicando por que é importante se vacinar.
A despeito da negligência na compra de
vacinas e da campanha contrária patrocinada pelo presidente Jair Bolsonaro, foi
notório o esforço da sociedade para exigir que o governo adquirisse as doses
que ajudaram a salvar milhares de vidas. Ainda que aos trancos e barrancos,
essa etapa foi vencida. As vacinas estão aí, mas precisam ser aplicadas, para
conter as hospitalizações e mortes que ainda persistem. Jogá-las fora, seja por
que motivo for, seria, mais que desperdício, um descalabro.
Investida contra Petrobras pode atingir Lei
das Estatais
Valor Econômico
Um governo sem planejamento como o de
Bolsonaro é incapaz de encontrar saídas engenhosas para questões complexas
Toda a baderna promovida pelo presidente
Jair Bolsonaro, alguns de seus ministros e próceres do Centrão, em torno da
política de preços da Petrobras pode ter um desfecho pior do que o esperado - e
o que se espera já é muito ruim. Após entrar no coro de guerra à estatal, o
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), foi ao que interessa à
base governista: mudanças na Lei da Estatais. “Elas se tornaram seres autônomos
e com vida própria”, advertiu. Ontem, o líder do governo na Câmara, Ricardo
Barros (PP), afirmou que está em preparação uma medida provisória com essa
finalidade, como sugeriu Lira. As mudanças retirariam as restrições para o
exercício de cargos de direção e reabririam as portas para as indicações
políticas.
Bolsonaro e Lira, com o Centrão, têm muitos
interesses comuns, diversos e complementares. Todos os malabarismos feitos pelo
governo são para melhorar as chances eleitorais do presidente. Já Lira busca
ampliar seu poder de fogo no Congresso, continuar no comando da Câmara em 2023
e alargar os espaços no aparelho do Estado para a influência crescente dos
partidos fisiológicos do Centrão. A mudança na Lei das Estatais permitiria a
volta dos apadrinhados políticos à diretoria da Petrobras - já há um à espera,
indicado pelo governo para compor o Conselho, o secretário-executivo da Casa
Civil, Jonathan Nery de Castro, braço direito de Ciro Nogueira, líder do PP,
que ao que tudo indica, pelas regras vigentes, terá problemas para ser
aprovado.
A investida histérica de Bolsonaro e seu
comboio partidário incluiu a ameaça de uma CPI da Petrobras, com chantagem
explícita expressa em artigo de Lira (Folha de S. Paulo (20-6). A CPI
investigaria os conselheiros que, na sua maioria, foram indicados pelo próprio
governo. Barros, líder do governo, diz que a CPI investigará a política de
preços da estatal, algo que uma reunião de alguns minutos com a diretoria da
empresa poderia esclarecer. Depois que a pressão surtiu efeito e José Mauro
Coelho, já demitido, decidiu sair da Presidência, Lira não se comprometeu com a
CPI e alguns dos partidos do Centrão voltaram atrás, pois a manobra já tinha
cumprido seu objetivo.
Desde que apoiou a greve dos caminhoneiros
em maio de 2018, Bolsonaro teve motivos e tempo para refletir sobre o problema
dos reajustes de combustíveis e um governo inteiro a sua disposição para
encontrar soluções para ele. Mas o presidente foge de responsabilidades e não
gosta de governar. Bolsonaro deixou claro que o ócio não lhe trouxe ideias
razoáveis, ou até mesmo qualquer ideia a respeito: quer agora simplesmente que
não haja reajustes de combustíveis, pelo menos até as eleições.
O governo bate cabeças e com toda a
barafunda, ainda não tem uma resposta clara. O ministro da Casa Civil, Ciro
Nogueira, sugeriu que não se devia mexer na política de preços e defendeu que a
Petrobras tivesse “medidas de transição” para crises, embora não as detalhasse
nem definisse (Valor,
ontem). Para ele, a governança atual, que privilegia o lucro, foi fruto de um
período “nefasto” da Petrobras, de corrupção, que causou “prejuízo jamais visto
na história das empresas petrolíferas no mundo”. Nesse período, um indicado
pelo PP, de Ciro, Paulo Roberto Costa, diretor de Abastecimento, foi o alvo que
nutriu a maior operação anticorrupção da República, a Lava-Jato. Agora, se
prosperar a intenção de Lira, o PP deve voltar à Petrobras.
Até conseguir o que quer, o presidente e
seus aliados prometem mais circo, com a CPI, ou taxação em dobro da CSLL sobre
o lucro da Petrobras, cobrando com uma mão o que a outra lhe retira, com a
diminuição dos dividendos resultantes da medida - no ano, até julho, a estatal
destinou R$ 32 bilhões a seu acionista majoritário.
Todo esse circo patético, que só prejudica
a Petrobras e o país, foi armado para que Bolsonaro ganhe as eleições. Há
várias formas de amenizar os efeitos das altas do diesel, entre elas subsídio
ao transporte público, auxílio financeiro à população de baixa renda que sofre
mais intensamente os efeitos das altas e outras. Mas um governo sem planejamento
como o de Bolsonaro é incapaz de encontrar saídas engenhosas para questões
complexas.
Os desatinos de Bolsonaro provocaram
críticas de outros presidenciáveis e elas indicaram que a Petrobras deve
continuar na berlinda por mais tempo. O ex-presidente Lula, à frente nas
pesquisas, disse que resolveria tudo com uma “canetada”. A última canetada,
dada pela presidente Dilma Rousseff, trouxe um prejuízo à estatal maior do que
os assaltos desvendados pela Lava-Jato. Ciro Gomes seguiu a toada, chamando
Bolsonaro de “frouxo”.
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