quarta-feira, 22 de junho de 2022

O que a mídia Pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Avanços a preservar

Folha de S. Paulo

No programa econômico de Lula, versões maniqueístas se chocam com a realidade

Como vai demonstrando a elaboração do programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, está em desacordo com os fatos a versão petista segundo a qual a economia do país e suas normas pioraram continuamente desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

Se é fato que o desempenho brasileiro tem sido decepcionante, além de duramente prejudicado pelos impactos da pandemia, da guerra e das medidas eleitoreiras de Jair Bolsonaro (PL), há avanços a serem reconhecidos e preservados.

Recorde-se que, quando Dilma foi tirada do Planalto, o PIB brasileiro marcava contração de assustadores 7,9% em 24 meses —o que deveria servir como referência para comparações. Foi essa catástrofe de raras proporções que impôs providências difíceis e adiadas por anos, mas necessárias.

Tome-se a reforma trabalhista, agora tratada em tom mais ameno, sem defesa da revogação, na nova edição do programa de Lula. A possibilidade de contratações mais flexíveis, o freio à proliferação de processos judiciais e o fim do imposto sindical foram passos na direção correta, que nenhum governo reverterá sem custo elevado.

É notável, ademais, que o PT indique a preservação da outrora renegada autonomia do Banco Central, não mencionada no documento. A recente escalada da inflação, fenômeno global aqui agravado por erros do governo, poderia servir de argumento desonesto contra esse aperfeiçoamento institucional.

O texto petista parece propositalmente vago ao falar da reforma da Previdência, que logrou conter o maior fator de desequilíbrio do Orçamento federal. Não se expõe ali a intenção de modificar nenhum aspecto fundamental do redesenho do sistema de aposentadorias.

Existem outros progressos importantes do período a serem assimilados, como o marco legal do saneamento, as privatizações e a Lei das Estatais —ora sob ataque oportunista do centrão fisiológico em razão dos preços da Petrobras.

Quanto ao teto para os gastos federais, alvo de tantas contestações inflamadas, trata-se tão somente de uma medida emergencial e temporária para reequilibrar minimamente, e de forma gradual, as depauperadas finanças públicas.

Não há como eliminá-lo sem apresentar alguma alternativa crível de ajuste fiscal, ou o governo terá de pagar juros cada vez mais altos para buscar no mercado o dinheiro para suas atividades básicas.

Vive-se, sem dúvida, um momento dificílimo, de aumento da carestia e da pobreza —o que, aliás, favorece a candidatura oposicionista de Lula. A identificação correta das causas e seu enfrentamento demandarão o abandono progressivo de teses simplistas e maniqueístas da propaganda partidária.

Israel à deriva

Folha de S. Paulo

De volta ao impasse político, país parlamentarista terá a 5ª eleição em 3 anos

O fantasma da instabilidade voltou a assombrar a política de Israel. No poder desde junho de 2021, a improvável coalizão que encerrou o poderio de 12 anos do ex-premiê Binyamin Netanyahu anunciou, na segunda (20), a intenção de dissolver o Parlamento, levando o país ao mesmo impasse do qual, a duras penas, conseguira sair há um ano.

A decisão, que deve ser concretizada até o fim deste mês, fará com que os israelenses revisitem um roteiro bem conhecido nos últimos tempos —eleições, e nada menos que a quinta em três anos.

Formada por oito partidos e agora no fim, a aliança uniu oponentes de um vasto arco ideológico, da ultraesquerda à direita nacionalista, passando pelo centro. Incluiu ainda a primeira legenda árabe independente a integrar o governo.

Se apenas fruto da diversidade social ou sintoma da disfuncionalidade política do país, o fato é que a heterogeneidade do arranjo acabou se tornando sua ruína.

Verdade que, em sua curta existência, a coalizão logrou tirar o país do estado de paralisia em que se encontrava, ao ser capaz, por exemplo, de aprovar um novo Orçamento —o primeiro em mais de três anos— e de preencher cargos administrativos vazios há muito.

Sua fragilidade era evidente, porém, com diferenças irreconciliáveis entre seus membros em temas como a questão palestina, a relação entre religião e Estado e os direitos da minoria árabe em Israel.

O governo vinha claudicando desde abril, quando a maioria que detinha no Parlamento desfez-se após a defecção de membros da direita nacionalista.

No começo do mês veio o tiro de misericórdia. Membros árabes da coalizão se recusaram a votar projeto que renovava a proteção legal dada a colonos judeus na Cisjordânia, ocupada por Israel desde 1967. Diante do impasse, o premiê Naftali Bennett e o chanceler Yair Lapid optaram por chamar novas eleições, provavelmente em outubro.

Nesse cenário incerto, aventa-se até a possibilidade da volta de Netanyahu ao poder, mas seus problemas na Justiça tendem a afastar possíveis aliados.

Seja qual for o desenrolar, a volatilidade da política israelense é exemplo eloquente dos obstáculos à governabilidade que, em anos recentes, têm atingido também outros países parlamentaristas —e demonstra, mais uma vez, que a superioridade teórica desse regime na solução de crises nem sempre se verifica na prática.

O ataque dos cupins da República

O Estado de S. Paulo

Por imperativos eleitoreiros, Bolsonaro e seus aliados intensificam investida contra leis e dispositivos que dificultam a pilhagem do Estado e a destruição das contas públicas

O presidente Jair Bolsonaro e seus aliados no Congresso intensificaram sua ofensiva contra o conjunto de leis e dispositivos que dificultam a pilhagem do Estado e a destruição das contas públicas. Para os propósitos eleitoreiros dos bolsonaristas, essa cidadela republicana, responsável pela estabilidade da economia e pela redução da corrupção, tem de ser arruinada. O motivo é óbvio: onde há regras que limitam gastos públicos e que impõem boa governança em estatais, há pouco espaço para gastança populista e para o aparelhamento corrupto de empresas que devem servir ao País, e não ao grupo que está temporariamente no poder.

O alvo mais recente dessa ofensiva é a Lei das Estatais, um dos maiores marcos aprovados pelo Legislativo dos últimos anos. Meses após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o Congresso conseguiu elaborar um conjunto de normas que representaram o resgate da moralidade e estabeleceram padrões civilizados de governança nas empresas públicas. O texto, sancionado em junho de 2016, consolidou princípios de transparência, eficiência e boa gestão para as empresas públicas e sociedades de economia mista. A lei estabeleceu regras para a escolha de diretores e conselheiros, proibiu a indicação de dirigentes partidários, ministros, sindicalistas e parlamentares e passou a exigir comprovação de experiência prévia dos candidatos a cargos executivos.

Muito se fala sobre a elaboração de políticas públicas baseadas em evidências e na necessidade de avaliação constante de seus resultados. No caso das estatais, talvez não haja prova maior do sucesso dessa legislação do que os balanços financeiros. A Petrobras, principal vítima do intervencionismo estatal nos governos petistas, conseguiu rapidamente reverter uma trajetória de perdas bilionárias e obteve lucros expressivos. Surpreendentemente, isso se tornou um problema para a classe política e tem servido como desculpa para questionar a jovem Lei das Estatais. 

Bolsonaro, por exemplo, acusou a Petrobras de registrar um lucro “absurdo” e sugeriu que o comando da empresa atua contra o País. Por isso, quer colocar na direção da Petrobras um obediente apaniguado, embora esse indicado não tenha experiência na área de petróleo, como exige a Lei das Estatais. Ato contínuo, o presidente da Câmara, Arthur Lira, sugeriu ao Executivo que envie uma Medida Provisória, com força de lei desde a data de sua publicação, para alterar a Lei das Estatais.

Bolsonaro elegeu a Petrobras como inimiga do País com o objetivo de mobilizar sua base e, principalmente, desviar o foco do fracasso de seu governo. Para o Centrão, no entanto, trata-se de uma imperdível oportunidade para retomar o poder que o grupo tinha nas empresas públicas. Descoberto nos governos petistas, o petrolão contou com a participação direta de partidos como o PP de Lira. O presidente da Câmara afirmou que a mudança na lei seria uma forma a assegurar “maior sinergia entre as estatais e o governo do momento”, o que é a senha para a submissão das empresas aos interesses políticos do governo, o exato oposto do que preconiza a Lei das Estatais.

Assim como o teto do ICMS para bens essenciais, mudar a Lei das Estatais não derrubará os preços dos combustíveis, mas aumentará as chances de a Petrobras voltar a ser saqueada pelo governo de turno e seus aliados. Essa estratégia diversionista começa a ficar repetitiva – elevar os benefícios do Auxílio Brasil para vulneráveis foi a desculpa para destruir o teto de gastos e violar a Lei de Responsabilidade Fiscal, dar calote nos precatórios da União, garantir recursos para o fundo eleitoral e manter o pagamento integral das emendas de relator. Destruir os pilares macroeconômicos teve resultados imediatos na bolsa, nos juros e no valor da moeda, mas também para a população, ampliando a corrosão do poder de compra das famílias. A intervenção na Petrobras também terá efeitos trágicos – e já se sabe quais são eles. Se não for impedido, o governo Bolsonaro deixará como legado a destruição do aparato de proteção do Estado contra os cupins da República. 

Os muitos ganhos do ensino integral

O Estado de S. Paulo

Estudo feito em Pernambuco mostra que ampliação da jornada escolar não só melhora o desempenho dos alunos, como ainda reduz as taxas de homicídios de jovens

Por qualquer ângulo que se olhe, o ensino integral é um investimento que vale a pena. Melhoria da aprendizagem, redução de desigualdades, maior empregabilidade e salários mais altos para quem conclui a educação básica, entre outros benefícios, já haviam sido constatados em levantamentos anteriores. Uma recente pesquisa acaba de evidenciar mais um ganho ligado à oferta de ensino em tempo integral: a diminuição, em até 50,8%, das taxas de homicídios de adolescentes homens na faixa de 15 a 19 anos.

Os dados, noticiados pelo Estadão na última segunda-feira, retratam a realidade de Pernambuco, onde foram comparadas taxas de homicídio de jovens em municípios com e sem escolas de ensino em tempo integral, inclusive em Estados vizinhos. Desde 2004, a rede pernambucana investe em escolas de tempo integral, com 70% das vagas de ensino médio nesse formato de carga horária dobrada, o mais elevado índice do País. 

Cada município pernambucano conta atualmente com pelo menos uma escola em horário integral. O investimento, como não poderia deixar de ser, resultou em aumento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal indicador de qualidade do ensino brasileiro, que leva em conta o desempenho dos alunos em provas de matemática e língua portuguesa, além da aprovação ao final de cada ano letivo.

Os benefícios do ensino em tempo integral são intuitivos e ecoam o senso comum: ao permanecer mais horas na escola, crianças e adolescentes têm mais tempo de aula, de estudo e de convívio. Não surpreende, então, que aprendam mais e que sua vivência escolar seja capaz de abrir mais portas, quando terminarem o ensino médio e partirem rumo à universidade ou ao mercado de trabalho. Não por outra razão, países desenvolvidos adotam o ensino em tempo integral, enquanto a regra, na maioria das escolas brasileiras, é apenas um turno de quatro horas.

Vale registrar, porém, que a jornada mais longa, por si só, não basta. Mais do que uma escola em tempo integral, o que se busca é uma escola que ofereça educação integral, isto é, que dê conta da formação dos estudantes em diversas frentes: a cognitiva, a socioemocional, a física, a cidadã e a profissional, entre outras. Qualidade, em todos os sentidos, é a palavra-chave. Daí que uma política educacional centrada nesse modelo requer ações articuladas. Tanto os professores devem atuar em regime de dedicação integral quanto o currículo precisa ser atrativo e diferenciado, com foco no protagonismo e no projeto de vida dos jovens. Se a escola for desinteressante e de má qualidade, quem vai querer permanecer mais tempo nela?

O levantamento em Pernambuco foi realizado por pesquisadores do Insper e da Universidade de São Paulo (USP), com apoio do Instituto Natura. Assim como estudos anteriores, jogou luz sobre algo essencial nas políticas educacionais: investir em escolas de ensino em tempo integral gera resultados positivos. Ou seja, do ponto de vista dos governos e das prioridades orçamentárias, é um tipo de investimento que compensa e vale a pena. Logo, deveria servir de referência para gestores educacionais em todo o País, seja em Brasília, onde o Ministério da Educação (MEC), sob o atual governo, já demonstrou não ter projeto educacional à altura dos desafios nacionais, ou nos gabinetes das secretarias municipais e estaduais de Educação.

Não há mágica para solucionar os problemas educacionais nem é preciso reinventar a roda. O ensino em tempo integral já comprovou ser um caminho que traz avanços. Nos últimos anos, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo acordou para a importância dessa iniciativa, a exemplo de Estados como Ceará e Paraíba. Na rede estadual de São Paulo, como informou o Estadão, o número de escolas de ensino fundamental e médio em tempo integral saltou de 364, em 2018, para 2.050, um acréscimo de 463%. A meta é alcançar 3 mil unidades no ano que vem. Eis um investimento que dá resultado. O País só tem a ganhar se todas as redes de ensino seguirem esse mesmo rumo. 

Inflação imprevista pede mais arrocho

O Estado de S. Paulo

Alta de preços persistente e deterioração do cenário requerem aperto monetário forte e prolongado, diz a ata do Copom

Para conter uma inflação maior e mais persistente do que se previa, o aperto monetário, com dinheiro caro e crédito escasso, também deverá prolongar-se por mais tempo, segundo informa o Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC). Com seu efeito contracionista, o arrocho deverá impactar a economia mais fortemente no segundo semestre, estima o comitê, e a partir daí a alta de preços deverá perder impulso. O objetivo é levar a inflação, projetada em 4% no próximo ano, para o centro da meta, fixado em 3,25% para 2023 e 3% em 2024. Essas informações aparecem na ata da última reunião do Copom, encerrada na quarta-feira da semana passada, quando a taxa básica de juros foi elevada de 11,75% para 13,25% ao ano. O texto só menciona o ano-calendário de 2023 quando se refere ao “horizonte relevante” da política monetária.

Em nova alta, prevista para o começo de agosto, a taxa básica deverá atingir 13,50% ou 13,75%, segundo indicação do Copom. Ao descrever as pressões inflacionárias externas e internas, a ata, divulgada nesta terça-feira, é bem mais sombria que a nota publicada logo depois da reunião, na quarta-feira anterior. O ambiente externo continuou em deterioração, com revisão para baixo do crescimento previsto para as grandes economias, políticas monetárias mais contracionistas e piora das condições financeiras. Internamente, o crescimento econômico tem superado as previsões, mas a inflação ao consumidor continua elevada e mais persistente do que se esperava. Contudo, os dados da atividade recente “ainda refletem, majoritariamente”, a normalização depois da pandemia e também “o estímulo fiscal transitório efetuado no primeiro semestre”. Houve, além disso, a utilização de parte da poupança acumulada pelas famílias na fase de maior restrição.

Esgotados esses efeitos, a atividade perderá impulso nos próximos trimestres, “quando os impactos defasados da política monetária se fizerem mais presentes”. Também está pressuposta, naturalmente, alguma contenção da alta de preços, como consequência da alta de juros.

A defasagem normal dos efeitos da política monetária explica parcialmente a forte alta de preços nos últimos meses. Mas a ata assinala também uma “deterioração tanto na dinâmica inflacionária de curto prazo quanto em suas projeções mais longas, ainda que o cenário esteja cercado de incerteza e volatilidade acima do usual”. Em outras palavras, o desajuste dos preços ainda se agravou, enquanto o Copom apertava sua política. Sobra da leitura, portanto, uma dúvida importante. Dada essa deterioração, será mesmo possível esperar um efeito positivo da política anti-inflacionária neste semestre?

Mesmo com algum efeito positivo do arrocho, pressões inflacionárias ainda serão provavelmente sensíveis em 2023. Quem estiver no Executivo quase certamente será forçado a enfrentar uma combinação tóxica de inflação intensa, juros altos, desemprego ainda elevado (apesar de alguma redução em 2022) e contas públicas contaminadas pelo jogo eleitoral deste ano. 

É preciso desatar nó do investimento em infraestrutura

O Globo

Os investimentos do Brasil em infraestrutura nos últimos anos foram insuficientes até para garantir a manutenção do que já foi construído. Tal situação dificulta qualquer meta de melhora ou novos projetos. Faltando seis meses para o fim, o governo de Jair Bolsonaro não terá tempo para reverter seu fracasso nessa área. Resta-lhe apenas explicar as falhas e apresentar seus planos para saná-las caso reeleito. Os demais candidatos também deveriam apresentar alternativas robustas e críveis.

Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicados pelo GLOBO revelam que o Brasil investiu em infraestrutura o equivalente a 1,57% do PIB (R$ 135 bilhões) em 2021, menor patamar em pelo menos 12 anos. É um percentual próximo do divulgado em maio pela consultoria especializada Inter.B (1,73%). Tanto um levantamento quanto o outro revelam a mesma realidade: é certo que recentemente houve um bem-vindo aumento nos aportes privados, mas foi registrada queda drástica nos investimentos públicos. Em 2020 e 2021, o atual governo encontrou R$ 38,1 bilhões (em valores corrigidos) para comprar apoio no Congresso via emendas do relator (o proverbial orçamento secreto). Parte desse dinheiro foi para obras de estradas e mobilidade urbana, mas o critério usado para decidir o destino nem sempre foi cartesiano, muito menos republicano. No total, o investimento público em infraestrutura ficou em mirrados R$ 42 bilhões em 2021.

A História ajuda a entender a importância da infraestrutura para o crescimento econômico, algo evidente já nos primórdios da Revolução Industrial, que livrou a humanidade de milênios de escassez. Na Grã-Bretanha do século XVIII, levar carvão em carroças com destino às fábricas nascentes era lento e caro. A construção de canais para o transporte por balsas foi a solução durante décadas antes da disseminação das estradas de ferro. O Brasil do século XXI ainda não aprendeu a lição. A CNI calcula que seria necessário investir no mínimo 4% do PIB, ou R$ 344 bilhões anuais (em dinheiro público e privado), por uma década para ampliar e manter a infraestrutura de estradas, aeroportos, usinas, portos, ferrovias e comunicação.

Em alguns segmentos, como telecomunicações e energia, a participação da iniciativa privada já é considerável. Noutros, há espaço para crescer, desde que o governo pare de atrapalhar com insegurança jurídica, burocracia e outras mazelas. É mais importante assegurar um ambiente de investimentos confiável, com regras estáveis e garantias no longo prazo, do que tentar oferecer crédito subsidiado via BNDES, como o governo fez durante anos — incentivando o compadrio dos empresários “amigos” com os políticos corruptos, e não a eficiência na alocação de recursos.

O Brasil já dispõe de mecanismos eficientes para atrair capital em investimentos de longo prazo, como as parcerias público-privadas, as concessões ou privatizações. Claro que a participação do Estado não pode ser desprezada em projetos que ultrapassem a capacidade do setor privado em razão do risco ou do retorno social esperado. É o que ocorre em todas as grandes economias do mundo. Mas é preciso que isso seja feito preservando a boa governança, o equilíbrio fiscal e com total transparência.

Seria absurdo jogar fora vacinas contra a Covid por falta de uso

O Globo

Em junho do ano passado, a vacinação contra a Covid-19 no país avançava lentamente, devido à escassez crônica de vacinas, compradas tardiamente pelo governo. Tornou-se cena comum o cidadão ir ao posto de saúde e encontrar um cartaz informando que a aplicação estava suspensa por falta de doses — várias capitais chegaram a interromper as campanhas mais de uma vez. Um ano depois, vive-se situação inversa. Vacinas existem, o que está em falta é o cidadão disposto a se vacinar.

A situação é tão esdrúxula que o país corre o risco de perder vacinas. Uma inspeção do Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que o Ministério da Saúde tem em estoque mais de 28 milhões de doses contra a Covid-19 que perderão a validade em agosto. Parte delas, 11,7 milhões, vence no mês que vem. De acordo com o TCU, as vacinas, da Pfizer e da AstraZeneca, custaram R$ 1,1 bilhão ao governo.

Ao longo da campanha de vacinação, houve casos em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a prorrogação do prazo de validade. Mas a questão não se resume a isso. Os estoques perto do vencimento expõem mais uma vez falhas na logística do Ministério da Saúde. É inaceitável que o país possa perder vacinas, especialmente quando uma nova onda de Covid-19 provoca aumento de casos, de mortes e pressiona os hospitais.

Se vacinas sobram, é porque os brasileiros não vão aos postos com a frequência esperada. E, se não fazem isso, é porque existem obstáculos. Uma pesquisa encomendada pelo próprio Ministério da Saúde mostrou que muitos não se vacinaram devido a problemas como falta de doses, posto fechado, horários incompatíveis com a rotina de trabalho etc. Não basta comprar as vacinas e achar que está tudo resolvido. Ministério da Saúde, estados e prefeituras precisam convencer os cidadãos a tomá-las, além de facilitar-lhes as condições para isso.

A vida do brasileiro voltou relativamente ao normal graças à vacinação. Ela já avançou bastante, mas não o suficiente para proteger a população. A dose de reforço, fundamental contra as novas variantes, ainda patina (apenas 55% do público-alvo tomou a terceira dose). Problemas localizados deveriam merecer atenção do governo. Caso da vacinação infantil (menos de 65% receberam a primeira dose), afetada pelas campanhas de desinformação, e dos adultos jovens, que resistem a completar o ciclo vacinal. As propagandas veiculadas pelo Ministério da Saúde não cumprem seu papel, pois passam mais tempo enaltecendo o governo do que combatendo as mentiras e explicando por que é importante se vacinar.

A despeito da negligência na compra de vacinas e da campanha contrária patrocinada pelo presidente Jair Bolsonaro, foi notório o esforço da sociedade para exigir que o governo adquirisse as doses que ajudaram a salvar milhares de vidas. Ainda que aos trancos e barrancos, essa etapa foi vencida. As vacinas estão aí, mas precisam ser aplicadas, para conter as hospitalizações e mortes que ainda persistem. Jogá-las fora, seja por que motivo for, seria, mais que desperdício, um descalabro.

Investida contra Petrobras pode atingir Lei das Estatais

Valor Econômico

Um governo sem planejamento como o de Bolsonaro é incapaz de encontrar saídas engenhosas para questões complexas

Toda a baderna promovida pelo presidente Jair Bolsonaro, alguns de seus ministros e próceres do Centrão, em torno da política de preços da Petrobras pode ter um desfecho pior do que o esperado - e o que se espera já é muito ruim. Após entrar no coro de guerra à estatal, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), foi ao que interessa à base governista: mudanças na Lei da Estatais. “Elas se tornaram seres autônomos e com vida própria”, advertiu. Ontem, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP), afirmou que está em preparação uma medida provisória com essa finalidade, como sugeriu Lira. As mudanças retirariam as restrições para o exercício de cargos de direção e reabririam as portas para as indicações políticas.

Bolsonaro e Lira, com o Centrão, têm muitos interesses comuns, diversos e complementares. Todos os malabarismos feitos pelo governo são para melhorar as chances eleitorais do presidente. Já Lira busca ampliar seu poder de fogo no Congresso, continuar no comando da Câmara em 2023 e alargar os espaços no aparelho do Estado para a influência crescente dos partidos fisiológicos do Centrão. A mudança na Lei das Estatais permitiria a volta dos apadrinhados políticos à diretoria da Petrobras - já há um à espera, indicado pelo governo para compor o Conselho, o secretário-executivo da Casa Civil, Jonathan Nery de Castro, braço direito de Ciro Nogueira, líder do PP, que ao que tudo indica, pelas regras vigentes, terá problemas para ser aprovado.

A investida histérica de Bolsonaro e seu comboio partidário incluiu a ameaça de uma CPI da Petrobras, com chantagem explícita expressa em artigo de Lira (Folha de S. Paulo (20-6). A CPI investigaria os conselheiros que, na sua maioria, foram indicados pelo próprio governo. Barros, líder do governo, diz que a CPI investigará a política de preços da estatal, algo que uma reunião de alguns minutos com a diretoria da empresa poderia esclarecer. Depois que a pressão surtiu efeito e José Mauro Coelho, já demitido, decidiu sair da Presidência, Lira não se comprometeu com a CPI e alguns dos partidos do Centrão voltaram atrás, pois a manobra já tinha cumprido seu objetivo.

Desde que apoiou a greve dos caminhoneiros em maio de 2018, Bolsonaro teve motivos e tempo para refletir sobre o problema dos reajustes de combustíveis e um governo inteiro a sua disposição para encontrar soluções para ele. Mas o presidente foge de responsabilidades e não gosta de governar. Bolsonaro deixou claro que o ócio não lhe trouxe ideias razoáveis, ou até mesmo qualquer ideia a respeito: quer agora simplesmente que não haja reajustes de combustíveis, pelo menos até as eleições.

O governo bate cabeças e com toda a barafunda, ainda não tem uma resposta clara. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, sugeriu que não se devia mexer na política de preços e defendeu que a Petrobras tivesse “medidas de transição” para crises, embora não as detalhasse nem definisse (Valor, ontem). Para ele, a governança atual, que privilegia o lucro, foi fruto de um período “nefasto” da Petrobras, de corrupção, que causou “prejuízo jamais visto na história das empresas petrolíferas no mundo”. Nesse período, um indicado pelo PP, de Ciro, Paulo Roberto Costa, diretor de Abastecimento, foi o alvo que nutriu a maior operação anticorrupção da República, a Lava-Jato. Agora, se prosperar a intenção de Lira, o PP deve voltar à Petrobras.

Até conseguir o que quer, o presidente e seus aliados prometem mais circo, com a CPI, ou taxação em dobro da CSLL sobre o lucro da Petrobras, cobrando com uma mão o que a outra lhe retira, com a diminuição dos dividendos resultantes da medida - no ano, até julho, a estatal destinou R$ 32 bilhões a seu acionista majoritário.

Todo esse circo patético, que só prejudica a Petrobras e o país, foi armado para que Bolsonaro ganhe as eleições. Há várias formas de amenizar os efeitos das altas do diesel, entre elas subsídio ao transporte público, auxílio financeiro à população de baixa renda que sofre mais intensamente os efeitos das altas e outras. Mas um governo sem planejamento como o de Bolsonaro é incapaz de encontrar saídas engenhosas para questões complexas.

Os desatinos de Bolsonaro provocaram críticas de outros presidenciáveis e elas indicaram que a Petrobras deve continuar na berlinda por mais tempo. O ex-presidente Lula, à frente nas pesquisas, disse que resolveria tudo com uma “canetada”. A última canetada, dada pela presidente Dilma Rousseff, trouxe um prejuízo à estatal maior do que os assaltos desvendados pela Lava-Jato. Ciro Gomes seguiu a toada, chamando Bolsonaro de “frouxo”.

 

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