quarta-feira, 22 de junho de 2022

Fernando Exman: Revisitando a greve dos caminhoneiros

Valor Econômico

Paralisação é risco para a economia e o ambiente político

Uma nova greve dos caminhoneiros está no radar de preocupações daqueles que enumeram os riscos à economia e à ordem pública até o fim do ano.

Deveria constar, também, da lista do presidente Jair Bolsonaro. No entanto, ao que parece ele acredita que pode se beneficiar politicamente de um movimento semelhante ao que paralisou o país quatro anos atrás. Afeito a criar cortinas de fumaça para distrair a opinião pública dos problemas que o seu próprio governo não resolve, Bolsonaro pode acabar tumultuando o que lhe resta de mandato se fizer essa aposta.

Anteontem, comentou que soube da possibilidade de um grupo se reunir na segunda-feira a fim de pressionar a Petrobras a reduzir o preço do diesel. O problema é que um dos organizadores do encontro é acusado de realizar atos antidemocráticos no 7 de Setembro: incentivar essa mobilização será um erro, o qual pode ainda ter efeitos danosos à economia e ao ambiente de negócios.

A experiência de 2018 precisa ser recapitulada.

Era domingo, dia 20 de maio, quando o então candidato à Presidência pelo PSL divulgou um vídeo defendendo a greve. Deputado do baixo clero, ele afirmou que a categoria não encontrava apoio no Legislativo e o Executivo teimava em se omitir. “Somente a paralisação prevista a partir de segunda-feira poderá forçar o presidente da República a dar uma solução para o caso.”

Mas o mundo dá voltas, as rodas dos caminhões giram.

Aquela foi uma semana tensa. Enquanto os negociadores do governo mantinham contato direto com lideranças dos caminhoneiros, um gabinete de crise se reunia diariamente às 10h da manhã. Por fim, fechou-se um acordo na quinta-feira.

A União decidiu ressarcir a Petrobras para garantir uma redução de 10% no preço final do diesel. Para dar mais previsibilidade aos custos da categoria, ficou definido que o preço cobrado só mudaria a cada 30 dias. Houve a eliminação da Cide que incidia sobre o diesel, o estabelecimento de uma reserva de 30% das cargas da Conab para transportadores autônomos e a discussão de uma tabela com um piso para os fretes. Assim como hoje faz Bolsonaro, o governo federal também apelou para que os Estados reduzissem o ICMS que incide sobre os combustíveis.

O alívio pouco durou. No dia seguinte, o presidente Michel Temer fez um pronunciamento à nação em tom grave. Lembrou que um acordo havia sido assinado, mas uma ala radical da categoria insistia em bloquear trechos de rodovias.

Após listar as concessões feitas aos transportadores, concluiu: estava decretada uma ação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), na qual militares ajudariam as polícias estaduais e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) a assegurar a circulação de insumos em todo território nacional. “O governo teve, como tem sempre, a coragem de dialogar. O governo, agora, terá a coragem de exercer sua autoridade em defesa do povo brasileiro”, declarou Temer.

No dia 29, pouco antes do fim total da greve, a postura de Bolsonaro mudou. “Chegamos ao limite nesta questão. Não colaboro mais com esticar a corda. Tenho apelado aos caminhoneiros de forma bastante humilde que revejam a situação”, disse em uma entrevista. “Nós não podemos quebrar o Brasil para atingir uma classe política ineficiente. A minha classe política é um desastre”, acrescentou.

Dados oficiais dão dimensão ao estrago. Num primeiro momento, avaliou-se no governo de forma conservadora que a greve dos caminhoneiros custaria entre R$ 15 bilhões e R$ 16 bilhões para a economia, ou o equivalente a 0,2 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) daquele ano. A previsão de crescimento era 2,5%, a qual foi logo revisada para baixo por causa da greve.

O PIB de 2018 acabou crescendo 1,8%, de acordo com dados revisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - ante uma alta inicialmente divulgada de 1,3%. Ainda assim, nada a comemorar: nas contas feitas à época pelo extinto Ministério da Fazenda, o impacto negativo da crise de abastecimento decorrente da paralisação chegou a 1,2 ponto percentual do PIB.

Isso deveu-se à falta de combustíveis e alimentos, por exemplo, em mercados e feiras. A agropecuária também sentiu os efeitos danosos do movimento: criadores tiveram que sacrificar animais por falta de ração, produtores de leite viram milhões de litros de leite se perder por falta de transporte até o consumidor. A inflação acelerou. Um estudo do Banco Central concluiu que, além do impacto direto sobre a atividade, a greve afetou a confiança dos agentes em relação à recuperação econômica, com possíveis impactos sobre as decisões de produção, consumo e investimento.

Um dos principais negociadores do governo Temer durante a greve de 2018, o ex-ministro da Secretaria de Governo Carlos Marun destaca uma diferença daquele momento com o que se observa hoje: “De um dia para o outro foi praticamente parado o Brasil. Isso não se faz simplesmente com alguns caminhoneiros trocando mensagens por WhatsApp. Houve uma organização maior. Os organizadores são simpatizantes hoje do bolsonarismo e não estão interessados em criar uma situação que possa atrapalhar mais ainda o difícil caminho de reeleição do presidente. Não acredito numa nova greve, principalmente com aquela força que tivemos que enfrentar”.

Ainda assim, militares estão acompanhando a situação com atenção. No Judiciário, onde está em análise a constitucionalidade do tabelamento dos fretes, avalia-se que os caminhoneiros saíram fortalecidos da pandemia depois de terem mantido as atividades durante os momentos mais graves da crise. Algo a classe política irá dar para a categoria se acalmar.

Existe, porém, um outro efeito colateral dessa mobilização. Em 2018, Nereu Crispim (PSD-RS) destacou-se e se tornou líder da frente parlamentar do segmento. André Janones (Avante-MG) também virou deputado e hoje é pré-candidato ao Planalto. Agora, a categoria tenta se organizar para eleger uma bancada maior na Câmara e nas assembleias legislativas de 12 Estados.

É impossível prever o futuro. Porém, mais do que possível, é necessário revisitar o passado para escolher melhores saídas diante dos desafios do presente.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Bolsonaro apoia tudo que não presta.