Valor Econômico
Empreendimentos de infraestrutura que já estão em operação enfrentam aumento de custo difícil de acomodar nas planilhas. Cimento asfáltico subiu 79% e pedágios, 16%
Manancial de boas notícias para o governo
na primeira metade do mandato de Jair Bolsonaro, o programa federal de
concessões vem acumulando problemas. Os empreendimentos que já estão em
operação enfrentam um aumento de custo difícil de acomodar nas planilhas.
Algumas concessões que estão na prateleira já encalharam, por dois tipos de incertezas:
as comuns a todo o planeta e as made in Brazil.
Um dos dados mais impressionantes que o
ministro da Economia, Paulo Guedes, usa para mostrar que o Brasil está
“condenado a crescer” é a carteira de quase R$ 900 bilhões em investimentos que
as concessionárias de rodovias, portos, aeroportos, de energia, de óleo e gás e
de saneamento precisarão fazer ao longo da próxima década. São expansões de
infraestrutura com as quais as empresas se comprometeram, ao obter a concessão.
No entanto, o ritmo de execução desses investimentos está ameaçado. As concessionárias de rodovia começam na próxima semana uma negociação com o governo sobre, por exemplo, o aumento de 79% do preço do cimento asfáltico nos 18 meses encerrados em março. A inflação, que corrige o valor das tarifas, subiu 16% no mesmo período.
Um “tarifaço” para corrigir o desequilíbrio
poderia ser uma solução. No entanto, a preferência é por alternativas que
preservem o usuário, disse o presidente da Associação Brasileira de
Concessionárias de Rodovias (ABCR), Marco Aurélio Barcelos. Por exemplo,
estabelecer um outro cronograma para investimentos ou modificar os prazos de
duração da concessão.
“Tem concessionária que está sangrando”,
disse ele a esta coluna. A tese que as empresas vão defender junto ao governo é
que os custos aumentaram dessa forma desproporcional por efeito da pandemia.
Ela está na raiz da ruptura das cadeias internacionais de fornecimento de
insumos.
A expectativa é que o governo dê ao aumento
de custos o mesmo tratamento já dispensado a outro problema provocado pela
covid: a brutal queda na demanda em rodovias e aeroportos. O movimento menor
derrubou as receitas das concessões e os contratos foram adaptados a essa
realidade.
O mesmo desequilíbrio entre tarifas e
custos para expandir a infraestrutura afeta concessões que estão em preparação,
diz Marco Aurélio. Cálculos terão de ser refeitos.
“As premissas estão se descolando da
realidade, e isso dificulta o cenário”, concorda a advogada Letícia Queiroz,
uma especialista em concessões, sócia do escritório Queiroz Maluf.
A alta da inflação e a economia fraca
retomam o sabor de um fracasso já conhecido: as ambiciosas concessões de
rodovias e aeroportos realizadas no governo de Dilma Rousseff, um problemaço
até hoje sem solução.
Uma grande dose de esforço foi gasta pelo
governo para oferecer às concessionárias uma porta de saída para os abacaxis
que tinham em mãos: contratos cujas contas só fechavam se a economia estivesse
“bombando”.
A saída oferecida foi: o concessionário
podia devolver o negócio ao governo federal. Mas, até que fosse realizado um
leilão e encontrada outra empresa para assumir o empreendimento, a antiga
concessionária continuaria no comando, em “modo econômico”. Isso foi chamado de
“relicitação”.
Essa solução tropeçou num grande “x”: como
indenizar a concessionária que está de saída pelos investimentos que ela
realizou. Ficou acertado que eventuais discordâncias iriam para arbitragem. E
que a antiga concessionária só sairia do empreendimento depois de receber sua
parte.
A lei 14.368, sancionada semana passada,
mudou isso. Determinou que a concessionária pode sair do negócio levando só a
parcela da indenização sobre a qual não há controvérsia.
Essa mudança da regra em pleno andamento do
jogo provocou dois tipos de reação. Por um lado, potenciais investidores,
principalmente estrangeiros, ficaram preocupados.
“Além de analisar as condições referentes
ao momento de entrada, o investidor observa atentamente a conduta do governo
frente às regras pré-estabelecidas e acordadas para o momento de saída”, alerta
o CEO da ASV Infra Partners, Adalberto Vasconcelos, que no governo de Michel
Temer estruturou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e foi seu
primeiro comandante. “Segurança jurídica e previsibilidade de fato são fatores
imprescindíveis em sua decisão de participar dos certames licitatórios.”
Por outro lado, alguns dos atuais
concessionários que estão em relicitação consideram essa saída menos ruim do
que ficarem presos ao negócio até o fim da arbitragem, segundo se comenta no
mercado.
Esses problemas técnicos se amontoam num
ambiente em que é difícil encontrar razões para otimismo. Os fantasmas da
recessão e da inflação de dois dígitos rondam economias que pareciam imunes a
esses males tão próprios do mundo em desenvolvimento. As cadeias de suprimento
continuam claudicantes e a guerra no centro da Europa só piora o ambiente todo.
O Brasil é apresentado por Guedes como uma
ilha nesse mundo perigoso: inflação cedendo, contas públicas superavitárias,
uma grande frente de investimentos contratados. Mais do que isso, o país é
fonte de alimentos e energia, está numa área livre de conflitos geopolíticos
(“friendshoring”) e próxima dos EUA e da Europa (“nearshoring”).
Entre esse potencial e sua concretização há
uma distância que só é percorrida com a ajuda de recursos privados quando o
investidor é capaz de apostar em regras estáveis. Mas o Brasil de hoje flerta
no sentido oposto. Quem atua no mercado ouve perguntas sobre golpe de Estado e
enfraquecimento das instituições democráticas.
Não deveria ser assim. Os brasileiros merecem que essas oportunidades de crescimento e desenvolvimento sejam aproveitadas.
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