Valor Econômico
A inflação muito acima de padrões
históricos tem ampliado o risco de sua maior persistência
Os bancos centrais ocidentais mostraram-se
mais sensíveis à dinâmica desfavorável da inflação nas reuniões das últimas
duas semanas do que nos encontros anteriores - conforme apontei na minha última
contribuição para esta coluna. O Banco Central Europeu (BCE) elevou suas taxas
básicas em apenas 25 pontos base (pb), mas sua presidente, na entrevista após a
divulgação da decisão, sinalizou possíveis 50 pb na reunião de 21 de julho. O
Banco Nacional da Suíça (SNB) aumentou os juros básicos em 50 pb, surpreendendo
a maioria dos participantes de mercado que esperava estabilidade ou alta de 25
pb. Já o Banco da Inglaterra (BoE), que iniciou o ciclo de aperto monetário no
ano passado, subiu novamente sua taxa em 25 pb, com uma parte dos membros
voltando a defender 50pb. Os documentos divulgados sugerem possível elevação de
50 pb em 4 de agosto.
O mesmo processo foi seguido pelo Fed, que aumentou sua taxa de juros básica (fed funds) em 75 pb na semana passada, acima dos 50 pb apreçados na curva de juros até alguns dias antes da sua reunião. A inflação ao consumidor PCE nos EUA - acompanhado com atenção pela autoridade monetária - alcançou 6,2% em abril, com o núcleo totalizando 4,9%. Apesar de uma parte importante do movimento dever-se aos preços de energia, a alta de preços tem se mostrado mais disseminada.
A inflação muito acima de padrões
históricos tem ampliado o risco de sua maior persistência e de perda da
ancoragem frente à meta de 2%, conforme pesquisa de confiança da Universidade
de Michigan de junho, que indicou uma projeção de inflação de 5,4% para um ano
e de 3,3% para prazos mais longos (de cinco a 10 anos) - frente aos 3% dos
últimos meses.
O comitê de política monetária do Fed
(Fomc) revisou as projeções de atividade, inflação e taxa de juros básica na
semana passada.
A previsão de crescimento do PIB para 2022
diminuiu de 2,8% na reunião de 16 de março para 1,7% na reunião de 15 de junho,
com a expectativa para 2023 recuando de 2,2% para 1,7%. Já a projeção de taxa
de desemprego aumentou para 3,7% em 2022 e 3,9% em 2023, frente aos 3,5% em
ambos os anos na divulgação de março. O cenário do Fed de pouso suave da
economia tornou-se, assim, menos provável, com risco de ampliação do desemprego
e não apenas de declínio da demanda em excesso por trabalhadores.
A expectativa de inflação PCE do Fed também
foi revisada, frente à reunião de março, de 4,3% para 5,2% em 2022 e de 2,7%
para 2,6% em 2023, enquanto os números para o núcleo mudaram, respectivamente,
de 4,1% para 4,3% e de 2,7% para 2,6%. Apesar da revisão, esses valores ainda
continuam abaixo do consenso da Bloomberg de, respectivamente, 5,8% e 3%, com
núcleo de 4,7% e 2,8%.
A avaliação dominante no ano passado era de
que a inflação não aumentaria tanto e começaria a recuar já em meados deste
semestre, tornando desnecessário começar um ciclo de aperto monetário em 2022
ou mesmo em 2023. A contínua elevação da inflação e das expectativas ampliou o
tamanho da resposta requerida para garantir a convergência da inflação para
suas metas no horizonte de previsão, contribuindo para a leitura de que seria preciso
acelerar o aperto dos juros.
A estrutura a termo da taxa de juros
acompanhou essa mudança de sentimento. O fed funds previsto para a reunião de
27 de julho do Fomc, por exemplo, aumentou de 50 pontos base (pb) no início de
maio para 75 pb no fim da semana passada, enquanto a taxa para o fim do ano
variou de 2,82% para 3,45%. Os valores para períodos mais longos também
aumentaram de 2,7% para 3,18% no prazo de dois anos e de 3% para 3,34% no de
cinco anos. A taxa terminal do ciclo mudou de 3,35% para 3,75%, nos dois casos
sendo alcançada em meados de 2023.
Em entrevista após a reunião da semana
passada, o presidente do Fed afirmou que a alta do fed funds em julho,
porquanto mais provável de ser de 50 pb ou 75 pb, dependeria do comportamento
dos fundamentos, em particular inflação e atividade - no fim da semana passada,
a curva de juros apreçava acréscimos de 70 pb em julho, 60 pb em setembro, 40
pb em novembro e 25 pb em dezembro. A escolha está longe de ser definitiva.
Embora o perfil da inflação seja desfavorável, a magnitude da deterioração da
atividade na margem - construção civil mais desfavorável e piora das condições
de negócios no setor manufatureiro - influenciará a decisão.
A atual dinâmica da inflação e da atividade
requer um aperto monetário mais significativo do que o apreçado na curva de
juros para garantir um recuo relativamente rápido da inflação. Por conta da
baixa robustez das previsões, as decisões do Fed, bem como as de outros bancos
centrais, dependerão da sua convicção sobre a magnitude da diminuição da
inflação e da desaceleração da economia.
Em termos de balanço de riscos, uma
estabilidade da elevação de preços exigirá maior aperto monetário, ainda mais
se a atividade permanecer resiliente e o desemprego muito baixo nos próximos
trimestres. Como a redução da inflação não será expressiva neste mês, só uma
contração muito marcante da economia justificaria um aperto monetário de apenas
50 pb na reunião de julho. Do mesmo modo, um menor aumento de juros em setembro
exige um declínio mais confiável da inflação e a confirmação da desaceleração
da economia. O término do ciclo monetário no fim do ano e a estabilidade do fed
funds por um período prolongado em um patamar acima do observado nos últimos 10
anos só fariam sentido com uma grande convicção sobre o início de uma recessão
profunda ou sobre o recuo, mesmo que gradual, da inflação.
Em suma, a maioria dos bancos centrais das regiões desenvolvidas - BoE, ECB, Fed e SNB - enfrentam desafios similares, apesar das particularidades específicas de cada economia, sendo igualmente difícil antecipar as dinâmicas da inflação e da atividade sob circunstâncias tão incomuns como as atuais. Mesmo assim, parece cada vez mais necessário promover uma recessão com juros mais altos para garantir a convergência da inflação para suas metas até 2024.
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