O Estado de S. Paulo
Seria equivocado achar que esse grupo de apoiadores desconhece quem são Jair Bolsonaro e Donald Trump
Jair Bolsonaro não é liberal, tampouco
conservador. Mas o fato é que parcela considerável dos que se definem como
conservadores no Brasil continua apoiando o presidente Bolsonaro. Diante de tal
fenômeno, há quem classifique esses apoiadores como ingênuos ou mal informados.
Eles estariam sendo enganados pelo bolsonarismo – e seria urgente expor essa
manipulação, para que essas pessoas e grupos, descobrindo quem é Jair
Bolsonaro, deixem de apoiar aquele que, na realidade, é contrário a suas ideias
e ideais.
Mesmo que haja diferenças expressivas entre o que ocorre aqui e nos Estados Unidos, fenômeno parecido é visto há alguns anos em relação a Donald Trump. Muitos membros do Partido Republicano têm dado consistente apoio a uma pessoa cuja história de vida é manifestamente contrária aos históricos princípios cívicos do Grand Old Party.
Em tese, grupos conservadores prezam o
regime democrático. Querem votar, escolher seus representantes. Parte
importante do seu discurso contemporâneo está centrada na ideia de que eles
merecem ser ouvidos, de que sua opinião precisa ser levada em conta no debate
público. Por que, então, parcela considerável desses grupos continua apoiando
uma pessoa que aberta e deliberadamente agride e desmerece o processo
eleitoral? Qual é o cálculo a fundamentar essa opção?
Em tese, grupos conservadores prezam a independência
da Justiça. Os pensadores clássicos, reverenciados por esses grupos, defendem
que, para haver um ambiente de liberdade, é preciso ter um Judiciário não
subordinado ao Executivo, capaz de aplicar a lei. Por que, então, esses grupos
apoiam uma pessoa que aberta e deliberadamente agride e desmerece o Poder
Judiciário? Qual é o cálculo por trás dessa escolha?
Em tese, grupos conservadores prezam a
eficiência do poder público. No entanto, Jair Bolsonaro não tem nenhuma
pretensão a esse respeito. Todos tiveram acesso à reunião de 22 de abril de
2020. Todos viram a resposta do presidente da República à pandemia. Todos veem
o comportamento de Jair Bolsonaro diante da atual crise social e econômica.
Nada do que se observa no Palácio do Planalto desde 2019 aproxima-se
minimamente do que os pensadores clássicos propõem como virtudes necessárias de
um governante. Mesmo assim, grupos conservadores continuam apoiando
Jair Bolsonaro. Não querem sequer escutar
sobre outra opção nas eleições presidenciais deste ano. Qual é o cálculo que
embasa essa atitude?
A política sempre contém alguma dose de
manipulação, especialmente em fileiras populistas. O discurso não apenas anda
longe dos fatos, como é usado para esconder a própria realidade. Mas seria
equivocado achar que os apoiadores conservadores, especialmente as lideranças
desses grupos, desconhecem quem são Bolsonaro e Trump, como se estivessem
obnubilados por mensagens de Whatsapp ou pela timeline do Facebook. Eles sabem
exatamente quem são os dois políticos.
Os conservadores, especialmente suas
lideranças, têm acesso à informação. Leem livros e jornais. Falam mais de uma
língua. Muitos leem jornais estrangeiros. Têm um nível cultural muito acima da
média. Mesmo assim, essas pessoas continuam apoiando Jair Bolsonaro. O que o
presidente da República lhes entrega para que se disponham a interpretar
favoravelmente seus gestos, matizar suas incompetências e minimizar suas
grosserias? Não é fácil para essa turma apoiar Jair Bolsonaro. Afinal, são
pessoas que cultivam um senso moral elevado: ensinam suas filhas a não falarem
palavrão, pregam que o casamento é para a vida toda, abominam qualquer
corrupção, tanto na esfera pública como na privada. No entanto, apesar de tudo
isso, querem Jair Bolsonaro na Presidência da República em 2023. Por quê?
Porque esses grupos são, a seu modo,
consequencialistas na vida política. Avaliam que, apesar de todas as mazelas de
Jair Bolsonaro, ele é quem menos apoiará as causas contra as quais esses grupos
decidiram dedicar suas energias na esfera pública: a descriminalização do
aborto, a descriminalização das drogas, a “ideologia de gênero” e a regulação
da atividade econômica. Não importa se tem ônibus escolar superfaturado, se as
privatizações não saíram ou se a gestão do Orçamento foi dada ao Centrão. Se
Jair Bolsonaro não apoiou a agenda LGBT, então é o melhor governo dos últimos
30 anos.
Os grupos conservadores não alimentam
muitas expectativas. Sabem que Jair Bolsonaro não é comprometido, na esfera
pessoal e na política, com uma concepção abrangente de bem comum: é simples
interesse eleitoral. São cientes, portanto, de que não conseguirão muitas
coisas do governo. Em três anos e meio, ganharam um ministro do Supremo e apoio
ao projeto de lei autorizando o homeschooling (instrumento para a transmissão
intergeracional da sua visão de mundo). Mas estão felicíssimos. Nunca houve um
governante que lhes tenha tratado dessa forma. E não irão abandoná-lo até que
alguém lhes assegure, ao menos, algo similar. É a realpolitik de uma turma que,
cansada de assistir passivamente à cena pública, almeja ter mais voz e mais
poder.
*Advogado e jornalista
Um comentário:
Eu não sei pra que tanto preconceito com a ALGBTQI+,toda família deve ter um,e com essa sigla aumentando tanto assim,já deve ter um em cada cômodo da casa.
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