quarta-feira, 22 de junho de 2022

Mariliz Pereira Jorge: Método Damares

Folha de S. Paulo

Ela protagonizou uma das cenas mais grotescas da história deste país

Nada justifica separar da mãe uma criança de 11 anos, vítima de estupro. Não há fundamento para que a Justiça tenha mandado a menina para um abrigo e negado o direito ao aborto. A única explicação para a atrocidade que aconteceu em Santa Catarina nesta semana é o legado deixado pela ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.

O caso revelado pelo Intercept mostra que o filme de terror que já havia começado pela violência sexual ganhou crueldade. O hospital negou o procedimento, a promotora Mirella Dutra Alberton pediu que a menina fosse para uma instituição, medida acatada pela juíza Joana Ribeiro Zimmer, que ressaltou a importância de "proteger o bebê".

Já vimos esse filme. Em 2020, reportagem da Folha mostrou que a então ministra agiu nos bastidores para impedir que uma capixaba de 10 anos fosse submetida a um aborto. O nome da criança foi vazado, os responsáveis, achacados, perseguidos, ameaçados. Como a história do Espírito Santo, a de Santa Catarina ganhou repercussão e deixa evidente que a ação de Damares validou que autoridades atropelem o Estado de Direito por crenças pessoais. Duvido que sejam casos isolados.

A juíza Joana Ribeiro Zimmer protagonizou uma das cenas mais grotescas da história do país. Na audiência com a criança, perguntou se ela queria escolher o nome do bebê, tratou o estuprador como "pai", pressionou a menina a aguentar "mais um pouquinho" a gestação para que ela não visse o "bebê" ser tirado de sua barriga e ficasse agonizando até morrer. Isso é tortura psicológica.

O que aconteceu com a juíza? Foi transferida. O que vai acontecer com essa criança? Teve a vida destruída pela caneta do Estado, empunhada por gente que adota o "método Damares" para cometer injustiças porque acredita que o país deveria ser uma teocracia. Se você viu "O Conto de Aia", digo uma coisa: not under my eyes.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Querendo ou não o estuprador é o pai da criança,pior foi a juíza preocupada em saber se ele concordaria com a adoção.