Valor Econômico
Desaceleração faz parte da
transmissão da política monetária
Nas últimas semanas, cresceram
os alertas da equipe econômica do governo Lula e de analistas do setor privado
sobre um eventual aperto no mercado de crédito, devido à combinação dos juros
altos com o caso da Americanas. Isso preocupa o Banco Central?
O Banco Central, pelo seu mandato, deve sempre se preocupar com o assunto, e nesta semana certamente terá um olhar mais atento à saúde do mercado de crédito na reunião do seu Comitê de Estabilidade Financeira (Comef). Mas, pelos sinais emitidos pelos dirigentes do BC, não há nada de tão preocupante acontecendo.
A Federação Brasileira de
Bancos (Febraban) divulgou na sexta-feira novas projeções para a expansão do
crédito em 2023. A perspectiva, na verdade, melhorou, com uma estimativa de
crescimento de 8,3%. Em dezembro, antes da crise da Americanas, a previsão era
7,7%.
O presidente do BC, Roberto
Campos Neto, relatou há duas semanas, no programa Roda Viva, que havia ouvido
dos banqueiros que, apesar do episódio das Americanas, as previsões para a
expansão das carteiras estavam mantidas entre 8% e 10%.
As perdas dos bancos com a
varejista tiveram um impacto no curto prazo, afetando as provisões, e levaram
as instituições financeiras a revisitar seus procedimentos internos. Isso afeta
as linhas de “risco do sacado”, pivô dos problemas nas Americanas. É um assunto
que, por obrigação, o BC vai ter que seguir acompanhando. Mas, por enquanto, o
diagnóstico é que não altera a tendência mais geral de expansão de crédito.
Independentemente das
Americanas, haveria desaceleração no mercado de crédito, e talvez esse seja o
incômodo principal da equipe econômica. Pela projeção mais recente do BC, o
estoque de crédito vai crescer 8,3% neste ano, ante 14% em 2022.
Essa desaceleração faz parte
da transmissão da política monetária. Em fins de 2021, os juros básicos entraram
pela primeira vez em território contracionista. Os efeitos deveriam ter
começado a ser sentidos no segundo semestre de 2022, mas a expansão fiscal e de
crédito feitas pelo governo Jair Bolsonaro nas eleições atrapalharam.
Ao longo dos últimos meses, o
Banco Central produziu vários relatórios que mostravam que, ao contrário do que
muitos no mercado acreditavam, o aperto monetário estava sim se transmitindo
pelo mercado de crédito. Se tudo caminhar como o previsto, haverá um pouso
suave. A expansão de 8,3%, caso se confirme, significa que ainda assim haverá
um crescimento real nas operações de crédito. O ritmo de expansão menor,
espera-se, vai ajudar a criar capacidade ociosa na economia, que atuaria para
baixar a inflação.
Todos os rumores de que a
equipe econômica está preocupada com a desaceleração do mercado de crédito,
porém, podem jogar areia na transmissão da política monetária, dificultando um
pouco o trabalho do BC.
Na edição de sexta-feira,
o Valor revelou que o
governo está avaliando recriar a linha emergencial de liquidez para os bancos
que, durante a pandemia, permitiu que o sistema mantivesse as linhas de crédito
para as pequenas e microempresas.
A principal linha usada para
manter o fluxo de crédito, na verdade, está na alçada do BC. É a chamada Linha
Temporária Especial de Liquidez (LTEL), que fez R$ 122 bilhões em empréstimos.
Nessa linha, os bancos podem tomar empréstimos oferecendo como garantia as suas
carteiras. A LTEL não foi revogada. Pode ser retomada quando for necessário,
para enfrentar problemas de liquidez do sistema bancário, dependendo apenas de
uma decisão da diretoria do BC.
Os bancos quitaram, em
dezembro passado, as dívidas com essa linha de liquidez. Mas essa quitação não
provocou uma contração muito forte na liquidez, porque o Banco Central ofereceu
para o sistema empréstimos em outra linha de assistência, a nova Linha de
Liquidez a Termo (LLT). O balanço do Banco Central registrava, em 31 de
dezembro, R$ 33,088 bilhões desses empréstimos. Isso significa que, três anos
depois do primeiro caso do coronavírus no Brasil, o sistema de crédito ainda
opera com o suporte do BC.
Há rumores de que o governo
pretende fortalecer linhas de crédito criadas na pandemia. Na realidade, elas
acabaram apenas durante um breve período, mas foram retomadas.
O mercado de crédito segue
sendo apoiado pelo Programa Emergencial de Acesso ao Crédito (PEAC), que tem um
fundo garantidor de R$ 20 bilhões com recursos públicos.
A primeira fase do programa
vigorou durante a pandemia, emprestando R$ 92 bilhões. Em agosto do ano
passado, quando aperto de crédito já havia sido superado, foi reaberta até o
fim de 2024, como um programa eleitoral de acesso ao crédito. O volume
desembolsado chega a R$ 19,5 bilhões, até meados de fevereiro.
No ano passado, o Pronampe, um
programa de crédito a pequenas empresas, foi recriado como uma linha
permanente. Tem o mérito de atender um segmento da economia que sofre mais com
a restrição de crédito, mas não deixa de ser um empréstimo direcionado. Sua
operação se concentra, de forma desproporcional, nos bancos públicos. Neste
ano, foram feitos R$ 4,4 bilhões no Pronampe, dos quais 34% na Caixa Econômica
Federal e 30,2% no Banco
do Brasil.
Também existe toda a incerteza
sobre qual será o papel do BNDES no governo Lula. Há indicações de que o banco
pretende ampliar o crédito em relação aos volumes atuais, mas sem chegar aos
níveis do governo Dilma.
Não se sabe, ao certo, se o
governo vai turbinar o crédito direcionado. O Ministério da Fazenda, de forma
reservada, tem procurado passar a mensagem de que, na verdade, estuda
mecanismos para serem acionados no caso de uma queda mais abrupta no crédito.
Independentemente de serem
levadas adiante, as discussões sobre um eventual papel ampliado do Estado no
crédito estão entrando nos cálculos do mercado, pelo menos como risco. Se o
governo pisar no acelerador na política creditícia, maior é a sobrecarga na política
monetária para baixar a inflação às metas.
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