segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Alex Ribeiro - Cenário do BC prevê pouso suave do crédito

Valor Econômico

Desaceleração faz parte da transmissão da política monetária

Nas últimas semanas, cresceram os alertas da equipe econômica do governo Lula e de analistas do setor privado sobre um eventual aperto no mercado de crédito, devido à combinação dos juros altos com o caso da Americanas. Isso preocupa o Banco Central?

O Banco Central, pelo seu mandato, deve sempre se preocupar com o assunto, e nesta semana certamente terá um olhar mais atento à saúde do mercado de crédito na reunião do seu Comitê de Estabilidade Financeira (Comef). Mas, pelos sinais emitidos pelos dirigentes do BC, não há nada de tão preocupante acontecendo.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) divulgou na sexta-feira novas projeções para a expansão do crédito em 2023. A perspectiva, na verdade, melhorou, com uma estimativa de crescimento de 8,3%. Em dezembro, antes da crise da Americanas, a previsão era 7,7%.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, relatou há duas semanas, no programa Roda Viva, que havia ouvido dos banqueiros que, apesar do episódio das Americanas, as previsões para a expansão das carteiras estavam mantidas entre 8% e 10%.

As perdas dos bancos com a varejista tiveram um impacto no curto prazo, afetando as provisões, e levaram as instituições financeiras a revisitar seus procedimentos internos. Isso afeta as linhas de “risco do sacado”, pivô dos problemas nas Americanas. É um assunto que, por obrigação, o BC vai ter que seguir acompanhando. Mas, por enquanto, o diagnóstico é que não altera a tendência mais geral de expansão de crédito.

Independentemente das Americanas, haveria desaceleração no mercado de crédito, e talvez esse seja o incômodo principal da equipe econômica. Pela projeção mais recente do BC, o estoque de crédito vai crescer 8,3% neste ano, ante 14% em 2022.

Essa desaceleração faz parte da transmissão da política monetária. Em fins de 2021, os juros básicos entraram pela primeira vez em território contracionista. Os efeitos deveriam ter começado a ser sentidos no segundo semestre de 2022, mas a expansão fiscal e de crédito feitas pelo governo Jair Bolsonaro nas eleições atrapalharam.

Ao longo dos últimos meses, o Banco Central produziu vários relatórios que mostravam que, ao contrário do que muitos no mercado acreditavam, o aperto monetário estava sim se transmitindo pelo mercado de crédito. Se tudo caminhar como o previsto, haverá um pouso suave. A expansão de 8,3%, caso se confirme, significa que ainda assim haverá um crescimento real nas operações de crédito. O ritmo de expansão menor, espera-se, vai ajudar a criar capacidade ociosa na economia, que atuaria para baixar a inflação.

Todos os rumores de que a equipe econômica está preocupada com a desaceleração do mercado de crédito, porém, podem jogar areia na transmissão da política monetária, dificultando um pouco o trabalho do BC.

Na edição de sexta-feira, o Valor revelou que o governo está avaliando recriar a linha emergencial de liquidez para os bancos que, durante a pandemia, permitiu que o sistema mantivesse as linhas de crédito para as pequenas e microempresas.

A principal linha usada para manter o fluxo de crédito, na verdade, está na alçada do BC. É a chamada Linha Temporária Especial de Liquidez (LTEL), que fez R$ 122 bilhões em empréstimos. Nessa linha, os bancos podem tomar empréstimos oferecendo como garantia as suas carteiras. A LTEL não foi revogada. Pode ser retomada quando for necessário, para enfrentar problemas de liquidez do sistema bancário, dependendo apenas de uma decisão da diretoria do BC.

Os bancos quitaram, em dezembro passado, as dívidas com essa linha de liquidez. Mas essa quitação não provocou uma contração muito forte na liquidez, porque o Banco Central ofereceu para o sistema empréstimos em outra linha de assistência, a nova Linha de Liquidez a Termo (LLT). O balanço do Banco Central registrava, em 31 de dezembro, R$ 33,088 bilhões desses empréstimos. Isso significa que, três anos depois do primeiro caso do coronavírus no Brasil, o sistema de crédito ainda opera com o suporte do BC.

Há rumores de que o governo pretende fortalecer linhas de crédito criadas na pandemia. Na realidade, elas acabaram apenas durante um breve período, mas foram retomadas.

O mercado de crédito segue sendo apoiado pelo Programa Emergencial de Acesso ao Crédito (PEAC), que tem um fundo garantidor de R$ 20 bilhões com recursos públicos.

A primeira fase do programa vigorou durante a pandemia, emprestando R$ 92 bilhões. Em agosto do ano passado, quando aperto de crédito já havia sido superado, foi reaberta até o fim de 2024, como um programa eleitoral de acesso ao crédito. O volume desembolsado chega a R$ 19,5 bilhões, até meados de fevereiro.

No ano passado, o Pronampe, um programa de crédito a pequenas empresas, foi recriado como uma linha permanente. Tem o mérito de atender um segmento da economia que sofre mais com a restrição de crédito, mas não deixa de ser um empréstimo direcionado. Sua operação se concentra, de forma desproporcional, nos bancos públicos. Neste ano, foram feitos R$ 4,4 bilhões no Pronampe, dos quais 34% na Caixa Econômica Federal e 30,2% no Banco do Brasil.

Também existe toda a incerteza sobre qual será o papel do BNDES no governo Lula. Há indicações de que o banco pretende ampliar o crédito em relação aos volumes atuais, mas sem chegar aos níveis do governo Dilma.

Não se sabe, ao certo, se o governo vai turbinar o crédito direcionado. O Ministério da Fazenda, de forma reservada, tem procurado passar a mensagem de que, na verdade, estuda mecanismos para serem acionados no caso de uma queda mais abrupta no crédito.

Independentemente de serem levadas adiante, as discussões sobre um eventual papel ampliado do Estado no crédito estão entrando nos cálculos do mercado, pelo menos como risco. Se o governo pisar no acelerador na política creditícia, maior é a sobrecarga na política monetária para baixar a inflação às metas.

 

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