segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula repete erros na política para semicondutores

O Globo

Em vez de dar subsídios e invocar fetiche nacionalista, governo deveria integrar país às cadeias globais

Não é a primeira vez que o Brasil lança uma política para atrair indústrias, tampouco a primeira em que Luiz Inácio Lula da Silva assina na Presidência um plano para incentivar fabricantes de semicondutores. A julgar pela experiência anterior, há motivo para ceticismo.

É verdade que a pandemia e a guerra na Ucrânia criaram dificuldades nas cadeias globais de suprimento de componentes eletrônicos, levando vários países a investir na produção interna de semicondutores para reduzir a dependência externa. Só no Brasil, a falta de chips impediu a fabricação de 370 mil veículos em 2021, 250 mil no ano passado, e mais 113 mil deixarão de ser entregues às revendedoras neste ano.

Mas hoje há até excesso na oferta de chips. Sob essa categoria genérica, são classificados itens de várias naturezas. Nem todo “chip” representa o avanço tecnológico que fascina os mais afoitos. A fatia mais relevante e lucrativa do mercado global é hoje dominada por Taiwan, Coreia do Sul e Japão. Estados Unidos e Europa enfrentam dificuldades para desafiá-los. O Brasil perdeu a oportunidade de desenvolver a produção local nos anos 1990, quando o ambiente hostil levou a Intel a preferir instalar uma fábrica na Costa Rica.

Desde então, a iniciativa de fabricar semicondutores por aqui se resumiu ao fracasso do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), estatal criada em 2008 que consumiu R$ 800 milhões do governo, sempre trabalhou com tecnologia ultrapassada e jamais conquistou relevância nem no mercado interno. Os chips lá produzidos são triviais perto do que fabricam centros avançados e do que a indústria exige. A liquidação do Ceitec estava definida, mas o governo Lula, num arroubo nacionalista, decidiu suspendê-la.

Repete-se uma história conhecida no Brasil. Na ditadura militar, o presidente Ernesto Geisel quis reduzir a dependência do Brasil de fabricantes externos de bens de capital e insumos básicos. Para isso, instituiu “reserva de mercado” para atrair investimentos em novas fábricas. Tarifas aduaneiras garantiam que as empresas que aderissem ao programa de substituição de importações não teriam concorrência. Os bilhões transferidos em subsídios não tiveram o retorno esperado. O protecionismo gerou indústrias ineficientes e, mais uma vez, o contribuinte e o consumidor pagaram a conta. A experiência com outra “reserva de mercado”, no setor de informática, também foi pedagógica. Para não falar nas plataformas de petróleo e demais fetiches do nacional-desenvolvimentismo.

Lula deveria saber que não basta a vontade do presidente para criar um setor competitivo. Para o Brasil adquirir relevância em mercados de alta tecnologia como os semicondutores, precisa primeiro investir em conhecimento, em mão de obra qualificada e na integração às cadeias globais de suprimento. Sem protecionismo. Foi o roteiro seguido pelos maiores êxitos tecnológicos do país, Embrapa e Embraer.

Em vez disso, o Planalto criou o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), por onde fluirá o crédito subsidiado. O enredo lembra outras siglas como Embramec, Fibase ou Ibrasa, subsidiárias do BNDES, depois extintas, que canalizaram incentivos aos pretendentes a livrar o Brasil de suas importações. Nunca deu certo. Por ironia, foi o agronegócio com capital privado abundante e tecnologia de ponta que pagou a conta desses desvarios.

Intervenção em autoridade eleitoral mexicana desperta preocupação

O Globo

Nova lei apoiada pelo populista AMLO esvazia poder de organismo responsável pela lisura das eleições

O Zócalo, praça central da Cidade do México, foi tomado ontem por dezenas de milhares de manifestantes em protesto contra o Projeto de Lei aprovado na semana passada pelo Senado mexicano reduzindo o orçamento e o alcance do Instituto Nacional Eleitoral (INE), responsável pela organização e fiscalização das eleições no país. Pelo menos outras cem cidades foram palco de protestos sob o slogan “No meu voto não se mexe”. A esperança dos manifestantes é que a Suprema Corte considere as mudanças inconstitucionais a tempo de garantir um pleito justo na disputa presidencial do ano que vem.

O projeto aprovado é uma bandeira do presidente Andrés Manuel López Obrador, ou AMLO. Populista de esquerda, ele perdeu as eleições de 2006 para Felipe Calderón por 0,6 ponto percentual. Na ocasião, não aceitou o resultado, organizou uma cerimônia de posse própria, pediu que seus seguidores saíssem às ruas em protesto e centrou suas baterias contra a autoridade eleitoral. Para ele, pouco importava que não houvesse evidência de fraude. Nada mudou no seu discurso quando o mesmo INE chancelou sua vitória em 2018.

Seus ataques e a nova lei são dirigidos à instituição que garante a qualidade da democracia no México. No ano 2000, o INE acabou com décadas de eleições fraudulentas que garantiram a permanência no poder do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Além de emitir o título dos 90 milhões de mexicanos aptos a votar, ele fiscaliza o financiamento de campanha, impugna candidaturas irregulares, é responsável pela infraestrutura e pela garantia de lisura nos pleitos.

Com os cortes aprovados, haverá redução de 85% na verba destinada ao serviço eleitoral, resultando na demissão de milhares de servidores responsáveis pela votação em regiões remotas. A reforma também afrouxa regras para candidatos em busca de reeleição, reduz a pena para quem violar limites de financiamento e diminui o período de organização das eleições.

O discurso de AMLO contra o INE é rico em insultos e pobre em substância. Ele acusa o instituto de ser reduto de conservadores e corruptos. Agora um comitê do Congresso, composto na maioria por integrantes de seu partido, Morena, deverá escolher quatro dos 11 representantes do conselho do INE, contribuindo para deteriorar sua independência. AMLO também argumenta que o instituto é caro demais. Em vez de sugerir cortes, decidiu solapar a autonomia financeira do INE.

A estratégia de AMLO é prova de que o populismo independe de coloração política. Ele segue a mesma cartilha do húngaro Viktor Orbán ou do brasileiro Jair Bolsonaro, situados no extremo oposto do espectro ideológico. Para populistas autoritários, as instituições do Estado são um obstáculo ao projeto de poder — e se tornam alvos. No Brasil, Bolsonaro tentou, insistiu, esperneou, mas não conseguiu enfraquecer o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), análogo do INE. No México, falta o veredito da Suprema Corte.

Gasolina política

Folha de S. Paulo

Desonerar combustíveis, como quer o PT, prejudica o governo a médio prazo

Permanece a disputa dentro do governo a respeito da volta da cobrança dos tributos federais PIS e Confins sobre gasolina e álcool. O prazo da isenção termina nesta terça (28), tendo sido prorrogado por dois meses no final do ano passado.

A reoneração é defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e poderia render R$ 25 bilhões para os cofres da União até o final do ano. Seria um sinal de que o governo preza a responsabilidade fiscal, atributo escasso até aqui.

Por certo haveria impacto nos preços —estima-se que o valor da gasolina na bomba poderia subir até 70 centavos. Aumentos adicionais viriam na hipótese de majoração do ICMS estadual.

Os entes regionais e a União negociam um acordo depois da redução promovida no ano passado, pelo qual a gasolina deixaria de ser considerada item essencial e poderia ser tributada com alíquotas maiores que o limite atual de 18%.

Já expoentes da ala política do governo e lideranças do PT são contra a volta da cobrança federal. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, defendeu a prorrogação da isenção até que a Petrobras defina uma nova política de preços. Tributar agora, segundo ela, seria impactante para a classe média e um descumprimento de compromisso de campanha eleitoral.

Gleisi está errada. O principal compromisso de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha foi incluir o pobre no Orçamento. É evidente que manter a desoneração promovida de modo eleitoreiro por Jair Bolsonaro (PL) vai de encontro a tal orientação.

Trata-se de um subsídio com altíssimo custo que não distingue ricos e pobres e beneficia principalmente os primeiros, à custa de maior descontrole fiscal e, aí sim, de mais inflação, que penaliza a população mais carente.

O temor da ala política é a perda imediata de popularidade presidencial, que em sua visão poderia exacerbar a polarização e tensionar ainda mais o ambiente.

Não parece ocorrer a esse grupo que a degradação da confiança numa gestão responsável é o maior risco a médio prazo. Insistir em medidas demagógicas que oneram o Orçamento adiará a queda dos juros, com crescentes obstáculos para o crescimento da economia.

Eis a receita para uma baixa duradoura da aprovação ao governo, que seria difícil de reverter. Decisões responsáveis neste início de mandato, bem explicadas à população, trariam benefícios adiante.

O quadro atual é delicado. Às vésperas de um teste fundamental para a política econômica —a esperada apresentação da nova regra fiscal, que substituirá o teto constitucional de gastos— deveria ser do interesse do presidente Lula operar pelo crédito de Haddad.

Marielle, 5 anos depois

Folha de S. Paulo

Pode-se perguntar se cooperação federal não deveria ter objetivos mais amplos

Prestes a completar cinco anos, as investigações sobre os assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, no centro do Rio, seguem sem conclusão. O caso se tornou bandeira política para a esquerda e o pior da direita bolsonarista.

Na semana passada, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, determinou instauração de inquérito na Polícia Federal para colaborar com as investigações da Promotoria do Rio de Janeiro.

As autoridades fluminenses ainda não foram capazes de esclarecer se houve um mandante, nem a motivação. Um ano após as mortes, em 2019, foram presos o sargento reformado Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos, e o ex-PM Élcio de Queiroz, acusado de dirigir o carro usado no crime.

O atraso não deve ser creditado apenas à complexidade do caso mas também às idas e vindas no comando do inquérito. Desde o início, as investigações foram objeto de tentativas de obstrução e pistas falsas. Em 2019, a Polícia Federal, que agora se soma às apurações, apontou que depoimentos falsos teriam sido dados para dificultar a solução do homicídio.

Falhas institucionais são abundantes. O delegado Alexandre Herdy foi o quinto a assumir o inquérito, em fevereiro de 2022. Recentes conflitos internos no Ministério Público também afetam o andamento do processo.

O setor mais desfalcado foi o Grupo de Atuação Especializada contra o Crime Organizado (Gaeco), responsável pelas principais apurações contra milícias e facções criminosas no estado —parte de seus integrantes está na força-tarefa sobre os assassinatos.

Em tese, a cooperação federal pode ajudar o andamento de casos, como os de Marielle e Anderson, nos quais há teias de interesses que podem minar investigações.

A ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge solicitou a federalização em 2019, que foi rejeitada pelo STJ, para o qual não houve "inércia ou inação" no caso.

De forma compreensível, a família de Marielle foi contra a federalização das apurações sob o governo Jair Bolsonaro (PL).

Deve-se perguntar, de um lado, por que as investigações estaduais não conseguem lidar com o enraizado envolvimento de milícias e facções em homicídios; de outro, se uma cooperação federal não deveria se dar com objetivos mais amplos do que dar andamento a uma apuração em particular.

Defesa da liberdade, não do cabresto

O Estado de S. Paulo.

Lula defende regulação das plataformas digitais. Preocupação no mundo todo, avançar na proteção dos direitos e da liberdade é fundamental. Nesse caminho, o PT tem muito a aprender

Na abertura da Conferência Internet for trust, realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em Paris, foi lida uma carta do presidente Lula da Silva defendendo a necessidade de a comunidade internacional encontrar modos adequados de regular as plataformas digitais. “Precisamos de equilíbrio”, disse, como meio de “garantir o exercício da liberdade de expressão individual, que é um direito humano fundamental”, e, ao mesmo tempo, assegurar “o direito de a sociedade receber informações confiáveis, e não a mentira e a desinformação.”

O tema das fake news preocupa o mundo inteiro. Os regimes democráticos são diariamente tensionados por parcelas expressivas da população submetidas à desinformação sobre questões econômicas, políticas, sociais e de saúde pública, o que interfere diretamente na confiança das pessoas sobre as instituições e na própria vida em sociedade. “Não podemos permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada pelas decisões de alguns poucos atores que hoje controlam as plataformas”, disse Lula.

A liberdade de expressão foi sempre o grande meio de proteção da sociedade contra autoritarismos e manipulações. No entanto, o mundo aparentemente sem lei das plataformas digitais parece inverter agora os termos da questão. Sob pretexto de liberdade de expressão, alguns poucos difundem irresponsavelmente desinformação, distorcendo e manipulando o debate público para seus interesses liberticidas. E as plataformas, que lucram com essa prática abusiva, têm feito muito pouco para combatê-la. Diante desse cenário, a comunidade internacional – com destaque, para a União Europeia – vem estudando caminhos e possibilidades de regulação. A conferência da Unesco é parte desse esforço.

O diagnóstico do desafio é evidente. Trata-se de construir um ambiente digital mais seguro e confiável, com uma responsabilização mais efetiva das partes envolvidas nos abusos – também das plataformas –, assegurando, ao mesmo tempo, as liberdades de expressão, de opinião e de imprensa. O que ainda não existe é um consenso sobre como fazer isso.

Segundo Lula, “o Brasil poderá contribuir de forma significativa para a construção de um ambiente digital mais justo e equilibrado, baseado em estruturas de governança transparentes e democráticas”. Certamente, o País tem todas as condições de participar ativamente no debate. A legislação nacional sobre internet é referência internacional de equilíbrio entre liberdade e responsabilidade. Além disso, o uso das redes sociais por aqui é particularmente intenso, quando comparado com outros países. Ou seja, uma regulação adequada das plataformas digitais é de grande e imediato interesse público.

Mas, para que esse protagonismo brasileiro aconteça e, mais importante, possa contribuir de fato para uma internet mais livre, segura e confiável, é necessário que o tema da regulação das plataformas digitais não seja abocanhado pelo PT como mais um capítulo de sua tentativa de controle da imprensa e da comunicação social. Lula tem razão quando diz que o 8 de Janeiro “foi o ápice de uma campanha, iniciada muito antes, que usava, como munição, a mentira e a desinformação”. Mas é preciso admitir também que o PT é adepto contumaz de campanhas baseadas em mentiras e desinformação. Pior, sua pretensão de hegemonia política e social produz uma compreensão distorcida de liberdade de expressão. A verdade seria o que o partido dita.

A necessária regulação das plataformas digitais é pauta da sociedade, e não do governante do momento. É pauta de liberdade, e não pretexto para um partido político doutrinar ou impor sua versão dos fatos. O País sente a falta de uma adequada legislação a respeito das redes sociais. É muito oportuno, portanto, que o Executivo federal esteja atento ao tema e, no que lhe couber, promova estudos e debates, tendo sempre presente que o local próprio dessa discussão é o Congresso. Afinal, legislação, no regime democrático, é competência do Legislativo.

A anatomia de uma desfaçatez

O Estado de S. Paulo.

Fim do sigilo sobre o processo militar contra Pazuello expõe a delinquência hermenêutica que o gestou e o quão baixo alguns militares desceram por um desqualificado como Bolsonaro

Por requisição da Controladoria-Geral da União (CGU) a partir de pedido do Estadão com base na Lei de Acesso à Informação, o Exército tornou público o processo disciplinar que instaurou para apurar a participação do general intendente Eduardo Pazuello em um comício do então presidente Jair Bolsonaro no Rio, em 23 de maio de 2021.

A rigor, nada havia a apurar, só a punir. As imagens do comício, com Bolsonaro e Pazuello discursando em cima de um trio elétrico, falavam por si sós. À época, Pazuello, hoje deputado federal, era oficial da ativa, e tinha encerrado sua catastrófica passagem pelo Ministério da Saúde havia dois meses.

Militares da ativa, como sabe qualquer manga-lisa, são expressamente proibidos de participar de atos políticos. A razão para essa vedação é tão óbvia que seria um desrespeito ao leitor destacá-la. Entretanto, o Exército não apenas livrou Pazuello de qualquer punição, em afrontosa violação da Constituição e do Estatuto dos Militares, como ainda impôs sigilo de 100 anos sobre o processo.

Se esse sigilo, per se, já era uma aberração, a razão que o motivou é uma das maiores vergonhas para o Exército. Como agora sabemos, de fato, nada foi apurado. O que houve foi uma deliberada operação de acobertamento de evidente transgressão militar, tão evidente que basta para explicar a tentativa de mantê-la em segredo por nada menos que um século.

Como se lê no documento agora tornado público, Pazuello, ciente de que estava prestes a violar a Constituição e o Estatuto dos Militares, teve o “cuidado”, digamos assim, de avisar o então comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, com um dia de antecedência, de que compareceria ao ato político convocado por Bolsonaro. Em depoimento, Pazuello disse que aceitou o convite feito por Bolsonaro por ter com ele “laços de respeito e camaradagem”, malgrado o fato óbvio de que se tratava de comício – o que, por definição, deveria ter desestimulado sua participação.

No processo, consta que o general Paulo Sérgio confirmou ter sido avisado pelo subordinado, mas não o que respondeu a ele. Nem precisava. A participação de Pazuello no ato, com direito a discurso em cima de um carro de som, é a evidência de que o intendente decerto não foi dissuadido pelo então comandante do Exército.

Registre-se que a maioria dos membros do Alto Comando do Exército defendeu a punição exemplar de Pazuello. A presença de um oficial da ativa naquele comício, uma transgressão militar inquestionável, era um ultraje à história de respeito às leis e à Constituição construída pelas Forças Armadas desde a redemocratização, além de configurar quebra da hierarquia e da disciplina, balizas da vida castrense. Entretanto, prevaleceu a vontade do general Paulo Sérgio. Pudera. Como punir Pazuello se, na véspera, o transgressor avisara seu comandante de que iria transgredir as normas militares e nada foi feito para impedi-lo?

Tentando justificar o injustificável para absolver Pazuello, o general Paulo Sérgio, que mais tarde se tornaria ministro da Defesa de Bolsonaro, concluiu que o discurso do intendente no trio elétrico não teve, ora vejam, “viés político-partidário” – como se oferecer apoio explícito ao então presidente da República diante de possíveis eleitores, que era ao que se prestavam as tais e frequentes “motociatas” de Bolsonaro, não fosse um ato político por definição.

A CGU acertou ao levantar o sigilo sobre o processo porque, a um só tempo, explicitou a anatomia de uma delinquência hermenêutica, cometida com o claro propósito de acobertar infrações militares irrefutáveis, e restabeleceu o princípio constitucional da transparência. Numa República democrática, como o Brasil, a regra é a transparência; sigilo sobre informações de interesse público só vale para casos excepcionalíssimos, definidos por lei e pela Constituição. Não era o caso da indisciplina do intendente Pazuello nem do acobertamento de seu comando na época.

Esse lamentável episódio é revelador de quão fundo foi o buraco em que parcela das Forças Armadas se dispôs a descer em nome de um desqualificado como Jair Bolsonaro.

A gasolina precisa ser tributada

O Estado de S. Paulo.

Dar fim aos subsídios que garantiram a desoneração do combustível é uma medida tão impopular quanto necessária

Os Estados iniciaram uma articulação no Congresso para rever os termos da lei complementar que impôs um limite nas alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre a gasolina. O Comitê dos Secretários de Fazenda (Comsefaz) quer convencer deputados e senadores a reverter a essencialidade do combustível, aprovada em meados do ano passado. Se aprovada, a proposta permitiria elevar o ICMS em níveis acima do teto de 17% ou 18%, em vigor na maioria dos Estados.

O tema já foi discutido com o Supremo Tribunal Federal (STF), a quem os Estados apelaram para obrigar a União a compensá-los pelos prejuízos. Desde que a lei entrou em vigor, os Estados calculam ter perdido R$ 45 bilhões. O Tesouro, por sua vez, teria concordado em pagar R$ 26 bilhões em até três anos. O STF intermediou, também, a construção de um acordo para manter o caráter essencial do diesel e do gás de cozinha, mas não houve consenso sobre a gasolina. A iniciativa do Comsefaz mostra que os Estados querem não só a reparação das perdas do passado, mas também a recomposição das receitas do futuro.

O imbróglio era mais do que esperado. A desoneração da gasolina nunca foi uma prioridade do País, exceto para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que transformou o tema no centro de sua campanha à reeleição. Para isso, ele pressionou o Legislativo e conseguiu que até mesmo o Senado ignorasse os governadores e desse aval a uma lei que causaria perdas bilionárias aos Estados. Também houve perdas para a União – que, espera-se, sejam revertidas o mais brevemente possível. A reoneração dos tributos federais que incidem sobre a gasolina foi adiada até 28 de fevereiro, mas há pressão para que a isenção de PIS e Cofins seja prorrogada mais uma vez.

Este é o tipo de assunto que precisa ser debatido com muita seriedade, considerando não apenas as preocupações fiscais e as questões políticas. Nesse sentido, recente entrevista do economista Sergio Margulis ao Estadão é uma contribuição lúcida a esse debate. “Subsidiar o diesel pode até conversar, mas a gasolina, nem pensar. Está se privilegiando proprietários de automóveis. E a maioria esmagadora das pessoas que consomem gasolina não precisa de subsídio. E é uma opção ter automóvel. É o tipo de subsídio perverso. Quanto mais ficarmos incentivando o uso de combustível fóssil, mais estaremos na contramão da sustentabilidade ambiental”, disse ele.

Margulis é economista-chefe do “Convergência pelo Brasil”, que reúne ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central de diferentes governos em defesa da inclusão da temática da sustentabilidade na política econômica. O posicionamento do movimento é significativo neste momento. Conceder subsídios da gasolina certamente é algo popular, mas esse é o tipo de política que precisa urgentemente ser revertida.

Em um país em que caminhões transportam 66% das cargas, o diesel pode até ser considerado um item essencial; o mesmo raciocínio vale para o gás de cozinha. Não é esse, no entanto, o caso da gasolina.

Desoneração de combustíveis volta a dividir o governo

Valor Econômico

Haddad deveria ter a palavra final e acabar com o benefício

Não só a inflação subiu em janeiro como as expectativas de inflação continuam a se distanciar das metas, mesmo depois do arrefecimento das críticas do governo contra a atuação do Banco Central. Segundo o IPCA-15, oito dos nove grupos de bens e serviços tiveram alta neste mês, ainda que o ritmo tenha sido menor em cinco deles e maior em quatro. Os núcleos de inflação continuam mostrando evolução perto dos 9%. No bimestre, o IPCA-15 soma 1,31%, o equivalente a 40% do objetivo perseguido pelo BC, que já sabe que a meta não será atingida pelo terceiro ano consecutivo.

Há fatores positivos, como o recuo dos preços dos alimentos, instável diante dos aguaceiros que despencam no Sudeste e que vem encarecendo frutas, verduras e hortaliças. Mesmo com ritmo menor de elevação (0,39% no mês), a comida ficou 10,61% mais cara nos doze meses encerrados agora. Os combustíveis continuaram dando sua essencial contribuição baixista. Mas itens de forte sazonalidade, como a educação, empurraram o índice para cima. Com a volta às aulas, os preços de matrículas, materiais e outros produtos relacionados subiram 6,4%, acrescentando 0,36 ponto percentual ao índice cheio, isto é, quase metade dele (0,76%).

Em doze meses, 7 dos nove setores estão com evolução muito acima da média de 5,63% - só comunicações e transportes ficaram abaixo. Sem a desoneração de gasolina e etanol, promovida com fins eleitoreiros pelo presidente Jair Bolsonaro, e prorrogada até dia 28 pelo presidente Lula, a inflação seria bem maior, a despeito da enorme carga de juro real, perto de 8%, a maior desde o início do primeiro mandato de Lula.

A política monetária ainda não teve pleno impacto e a economia pode não ter esfriado o suficiente para quebrar a dinâmica dos preços, como tem mostrado o setor de serviços - a divulgação do PIB do ano passado na próxima semana dará uma ideia do grau de desaceleração contratado para esse início do ano.

A inflação resiste por vários motivos. Um deles é que houve elevação razoável e permanente da capacidade de consumo de cerca de 20 milhões de famílias que recebem o Bolsa Família de R$ 600, o triplo da média do programa até ele ser majorado, com o Auxílio Brasil, também eleitoreiro, pelo presidente Jair Bolsonaro. Neste ano o programa consumirá cerca de R$ 155 bilhões, contra R$ 65 bilhões no ano passado - o auxílio começou a ser pago só em agosto.

Na mesma direção vai agora o salário mínimo, que teve pequeno aumento real no início do ano e terá outro a ser pago a partir de maio. De maneira geral, o governo recebeu autorização para gastar fora do teto quase R$ 200 bilhões a mais. Bolsonaro, com seus incentivos fiscais, parafiscais e aumento genuíno de despesas já despejara outros R$ 300 bilhões de estímulos no ano passado. Há assim limites para o que um aperto monetário possa fazer nessas circunstâncias, se o Executivo não contiver gastos.

Há falta de sintonia no governo, o que não ajuda em um ambiente em que a inflação ainda não foi domada. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teria terminado a desoneração da gasolina e do álcool no primeiro dia de governo, mas alas do PT convenceram Lula a evitar desgastes imediatos em sua popularidade. Uma parte da desoneração foi mantida até o ano que vem e outra, até o último dia de fevereiro. Chegou a hora, mas as mesmas alas do PT que criticaram a demagogia eleitoreira de Bolsonaro querem que ela seja mantida por mais tempo.

“Fazer isso agora é penalizar o consumidor, gerar mais inflação e descumprir compromisso de campanha”, afirma a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que sugeriu esperar a mudança da política de preços da Petrobras para fazê-lo. Pode-se depreender de suas palavras que os preços da gasolina e álcool serão reduzidos com a nova gestão, com seu “abrasileiramento”, e que nada há de errado em incentivar o consumo de combustíveis fósseis como se o aquecimento global não existisse e os consumidores penalizados e motorizados são os de baixa renda. Gleisi está na linha de frente das críticas ao BC pelos juros altos e julga correto que R$ 28,8 bilhões de recursos escassos aliviem alguns contribuintes - uma fórmula no limite quebra o Estado.

Haddad deveria ter a palavra final e acabar com a desoneração, cujos efeitos inflacionários previsíveis ocorrerão em um ano em que a meta de inflação já está perdida. Com a divisão, as decisões do novo governo são agônicas. O presidente Lula terá de arbitrar e não se sabe que decisão tomará.

2 comentários:

Anônimo disse...

"O Estado de S. Paulo.
Fim do sigilo sobre o processo militar contra Pazuello expõe a delinquência hermenêutica que o gestou e o quão baixo alguns militares desceram por um desqualificado como Bolsonaro"

Nossos milicos, assim como o bozo, nunca desceram a um nível tão baixo; sempre lá estiveram.
Simples assim. Todos sabemos q pazuello nunca desceu - ele sempre esteve láááá embaixo. E ele não é exceção.

Anônimo disse...

Viva o ladrão e sua gangue que novamente estão se apoderando do dinheiro público entregando a política agrária para o MST, a turma que fez o L é responsável pelo desastre econômico anunciado