Binyamin Appelbaum, editorialista do “New York Times”, se junta a nomes como Thomas Friedman e Joseph Stiglitz no livro “A hora dos economistas”
Por Diego Viana - Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
Lançado originalmente em 2019, “A hora dos
economistas: falsos profetas, livre mercado e a divisão da sociedade” se
inscreve em um subgênero de não ficção que se consolidou nos Estados Unidos na
última década. Trata-se do diagnóstico de uma era, um meio século quase paradoxal,
em que o país mais rico do mundo vivenciou uma explosão de consumo e riqueza,
ao mesmo tempo que sentia seu poderio se erodir aos poucos. O autor, Binyamin
Appelbaum, que é editorialista do “New York Times”, se junta a nomes como o
colunista Thomas Friedman (“Éramos nós”, de 2011) e o economista Joseph
Stiglitz (“Povo, poder e lucro”, 2019) na tentativa de explicar esse paradoxo.
Seu foco está na ascensão de um determinado
grupo de economistas que, mais do que gerir a economia, quiseram revolucionar o
mundo e as mentes. Para Appelbaum, é, de fato, uma revolução, cujos componentes
são, por vezes, difíceis de distinguir. Na introdução, o leitor é apresentado a
três vertentes: o prestígio ampliado do economista, que, segundo o autor,
deixou de ser encarado como calculadora humana para se tornar conselheiro
governamental em quase qualquer tema; as ideias sobre regulação financeira e
política pública adotadas desde a década de 1980; e a relação às vezes
conflituosa, às vezes simbiótica, entre o conservadorismo econômico e o social.
Abrindo ao mesmo tempo todas essas portas, o autor busca fazer um registro equilibrado. De um lado, pesa a convicção de que “os mercados são uma das ideias mais geniais da humanidade”, que em 50 anos legaram um acesso quase irrestrito a bens e uma economia global. Do outro, Appelbaum considera que o redesenho dos governos e das sociedades, a partir da visão de mundo dos economistas, “foi longe demais”: agravou a desigualdade, destruiu relações humanas e resultou na crise de 2008. A escolha de termos, porém, desequilibra a balança, já que os economistas são ditos “alquimistas” e “falsos profetas” que dividiram a sociedade.
O leitor pode estranhar que esse período em
particular seja a era dourada dos economistas, considerando que os casos
relatados aconteceram décadas depois de Keynes ter escrito que “os homens
práticos, que se consideram isentos de toda influência intelectual, costumam
ser escravos de algum economista morto”. O próprio Appelbaum traça um breve
panorama histórico da relação entre os economistas e os poderosos desde os
tempos de Adam Smith. O que explica o recorte cronológico é o alcance ampliado
das ideias da escola de Chicago, que radicalizou o liberalismo a ponto de
naturalizar a ideia de que tudo na vida pode ser analisado pela lógica das
transações.
Para entender por que há tantas dimensões
simultâneas e por que a interpretação de Appelbaum comporta ambiguidades, vale
a pena enxergar na obra duas histórias paralelas, ainda que seus protagonistas
sejam os mesmos personagens, atuando a partir de um princípio comum. A primeira
história é macroeconômica e diz respeito a temas amplamente conhecidos, como o
investimento público, o papel do Banco Central e a regulação de mercados. A
outra conta como um determinado padrão de análise, alicerçado em pressupostos
microeconômicos, passou a orientar a avaliação de políticas públicas e os
objetivos do governo.
Essa dupla história é contada a partir da
trajetória de alguns intelectuais que tomaram decisões chave no período em pauta.
Uns são muito famosos, como Milton Friedman, pai do monetarismo, e Alan
Greenspan, presidente do Federal Reserve entre 1987 e 2006. Outros são menos
conhecidos, como Walter Oi, que formalizou o argumento econômico para acabar
com o serviço militar obrigatório nos EUA, em plena Guerra do Vietnã, e Alfred
Kahn, que se dedicou a desregular o mercado de viagens aéreas.
Pelo ângulo macroeconômico, sobressaem Paul
Volcker, presidente do Federal Reserve que combateu a inflação da década de
1970 aumentando violentamente a taxa de juros, e Arthur Laffer, que em certa
tarde de 1974 desenhou em um guardanapo (reza a lenda) a imagem do princípio
segundo o qual, a partir de um certo ponto, aumentos da carga tributária
reduzem a arrecadação. Robert Mundell recebe a avaliação mais negativa: foi um
dos criadores da “economia pelo lado da oferta”, que fundamentou as políticas
de redução de impostos para grandes corporações, e um dos formuladores
intelectuais da união monetária na Europa. Appelbaum julga que ambas as políticas
foram catastróficas. Também há espaço para os “Chicago boys” que exportaram
políticas de liberalização, a começar pelo Chile de Augusto Pinochet, na década
de 1970.
Entre os intelectuais com um papel mais
acentuado nas reformas microeconômicas, o mais célebre é provavelmente George
Stigler, expoente da teoria da escolha pública e da economia da informação.
Estão presentes também Thomas Schelling, autor do método que atribui um valor
monetário à vida humana, algo que economistas talvez considerem bastante
controverso, mas hoje fundamenta muitas decisões de política pública, e William
Kip Viscusi, que trabalhou para que essas decisões fossem baseadas em cálculos
de custo/benefício.
Por vezes, o foco em indivíduos deixa menos
espaço do que o devido para movimentos estruturais tão importantes quanto a
capacidade de convencimento dos economistas. Appelbaum mostra como a ascensão
dos intelectuais formados em Chicago coincide com o esgotamento da era
keynesiana, nascida, por sua vez, das profundezas da Grande Depressão. O que
não fica tão claro é que as transições intelectuais, para se consolidarem,
dependem da conexão com os interesses concretos que movem as lideranças
políticas e econômicas. Nos Estados Unidos dos anos 1970, muitas delas buscavam
expressamente fazer pender o conflito distributivo em desfavor do trabalho e
não foi por acaso que as mensagens antirregulatórias do grupo de Friedman
soaram como música a seus ouvidos.
Se é verdade que a coruja de Minerva só
alça voo ao anoitecer, então, quando uma época começa a ser diagnosticada, é
porque já se encerrou ou está próxima do fim. Appelbaum sugere que a grande
crise financeira de 2008 sepultou a “hora dos economistas”. Mas, do jeito como
esse encerramento é descrito, vê-se que o autor tem em mente a primeira parte
da história: a macroeconômica. Nesse campo, de fato, muita coisa mudou. A
crença na desregulação financeira deixou de ser unânime. Embora a partir de
2009 o esforço para retomar o crescimento, reativar a inflação e reduzir o
desemprego nos países ricos tenha recorrido sobretudo à expansão monetária,
seguindo uma visão mais friedmaniana que keynesiana, hoje a política fiscal já
deixou de ser anátema. Já a economia do lado da oferta de Mundell, que
pretendia fomentar o crescimento com cortes de impostos para os mais ricos,
saiu de moda.
Como o livro não faz a distinção entre os
dois níveis da revolução descrita, o leitor pode ficar confuso quando olhar em
volta e perceber que a regulação microeconômica de sua vida segue intocada. Os
desenhos de políticas públicas, inclusive as voltadas para o alívio da pobreza
e da desigualdade, exacerbadas pelos “falsos profetas” que Appelbaum critica,
recorrem cada vez mais a análises de custo/benefício, critérios de eficiência e
esquemas de incentivo de cunho utilitarista. Nesse campo, a hora dos
economistas certamente não se encerrou.
A hora dos economistas
Binyamin Appelbaum Sextante. 432 págs. R$ 79,90
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