‘Opep das florestas’ terá de tornar real a promessa ambiental
O Globo
Brasil, Congo e Indonésia pretendem fazer
da preservação uma mercadoria tão valiosa quanto o petróleo
O principal item na pauta da viagem do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Brazzaville, prevista para o mês que
vem, é a aliança entre países com grandes áreas de floresta tropical, ativo
valorizado em razão do combate às mudanças climáticas. A iniciativa, cujo
objetivo é unificar o discurso e os compromissos de preservação perante os
países ricos, vem sendo chamada informalmente de “Opep
das florestas”, numa referência ao cartel que controla os
preços do petróleo.
Comparecerão à cúpula na capital da
República Democrática do Congo países de América do Sul, África Central e
Sudeste Asiático. Apenas três dos presentes — Brasil, Congo e Indonésia —
concentram 52% das florestas tropicais do planeta. Lula faz questão de levar
também Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Guiana, Suriname e Venezuela — integrantes
da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) —, além de outros
países africanos e asiáticos de grande cobertura florestal, de modo a reunir
80% das florestas tropicais do planeta.
A agenda oficial prevê a troca de experiências na preservação e exploração das florestas úmidas na Bacia Amazônica, na Bacia do Congo e na região do Bornéu-Mekong, no Sudeste Asiático. De acordo com o governo congolês, a proteção e o desenvolvimento das florestas precisam se assentar sobre três pilares: cooperação científica, cadeias de produção sustentáveis e mecanismos inovadores de financiamento para a biodiversidade.
Parece evidente que este último objetivo é
o mais relevante para Brasil, Congo e Indonésia. Apresentando-se como um grupo
unido, o novo cartel das florestas terá sem dúvida maior poder de barganha
diante de países ricos que poderão depender da preservação de florestas para
cumprir suas metas na redução de emissões de gases.
No caso do Brasil, o pedido de ajuda
financeira vem desde o governo passado, que não tinha credibilidade para
receber apoio. Com a troca de comando no Planalto, a Casa Branca anunciou no
mês passado que pedirá ao Congresso US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia,
destinado a financiar projetos ambientais. O Reino Unido prometeu recentemente
mais € 80 milhões. Dinheiro começa a aparecer, mas ainda é pouco. Sem falar na
necessidade de aplicá-lo com eficiência para evitar que se perca nos ralos da
corrupção e do desperdício.
Não há dúvida de que, se vingar a tal “Opep
das florestas”, ela terá muito mais trabalho para protegê-las que os produtores
de petróleo para manipular os preços de óleo e gás. Não é difícil viajar, fazer
reuniões e assinar atas de lançamento de tratados e entidades. Mas é preciso
que funcionem, indo além das citações retóricas em pronunciamentos políticos.
É indiscutível a necessidade de iniciativas
que disseminem pelo planeta as boas práticas de preservação florestal, capazes
de ocupar e sustentar de outra forma as populações que hoje vivem da derrubada
de árvores e da devastação. Só na hora em que se transformar em medidas
concretas veremos se a promessa de transformar as florestas em pé numa
mercadoria tão valiosa quanto o petróleo tem chance de se tornar realidade.
Iniciativa de reerguer indústria naval
revela que PT nada aprendeu
O Globo
Depois de vários fracassos, Petrobras é
mais uma vez usada para sustentar construção de navios no Brasil
O novo presidente da Transpetro, Sérgio
Bacci, informou que a empresa
constituiu um grupo de trabalho com o objetivo de formular um plano para o
Brasil voltar a construir navios. Operadora de uma rede de
8.500 quilômetros de gasodutos e oleodutos, dona de terminais marítimos e de
uma frota de navios, a subsidiária da Petrobras será
usada para, com suas encomendas, sustentar os estaleiros beneficiados pelo
programa. Eis uma evidência contundente de que o PT não parece ter aprendido
nada com os erros que cometeu nos 13 anos em que ficou no Palácio do Planalto.
O argumento dos defensores da proteção a
qualquer setor é sempre o mesmo: gerar empregos. Bacci lembrou que a indústria
naval empregava 82 mil em 2004 e agora apenas 20 mil. Fica subentendido que,
com o mercado garantido pelas encomendas da Transpetro, esse número voltará a
crescer.
Também foi assim nos governos anteriores do
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e da ex-presidente Dilma Rousseff. Com a descoberta do pré-sal, as
gestões petistas idealizaram a Sete Brasil, semiestatal que, de partida,
encomendou 29 sondas submarinas a estaleiros — alguns construídos só para o
negócio —, com investimentos totais previstos de US$ 26,4 bilhões.
Quase nada ficou pronto, porque a Sete,
além de naufragar em dívidas, tinha destaque no esquema do petrolão,
desbaratado pela Operação Lava-Jato. O dinheiro da Petrobras era desviado em
favor de políticos e partidos, entre os quais o PT. Para dar uma ideia do
prejuízo, só um acionista — o fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, o
Petros — firmou na Justiça um acordo para receber R$ 900 milhões como
ressarcimento pelo investimento perdido na Sete Brasil.
Não foi a primeira aventura naval
brasileira. Nos governos Ernesto Geisel e João Figueiredo, tentou-se até
exportar navios, fortemente subsidiados. O resultado foi um calote de US$ 500
milhões na Carteira de Comércio Exterior (Cacex) do Banco do Brasil. No final
do governo Figueiredo, em 1984, estourou o escândalo da Sunamam
(Superintendência Nacional da Marinha Mercante), agência que dava aval fajuto a
estaleiros com que estava em atraso, para eles levantarem dinheiro junto aos
bancos. Nada deu certo. Depois da ditadura, foi lançado o Programa de
Modernização e Expansão da Frota da Transpetro (Promef), também sem resultados
positivos.
Agora, mais uma vez a Petrobras será usada
na tentativa de substituir importações num setor em que o Brasil não tem chance
diante dos estaleiros asiáticos. Fala mais alto, porém, a ideia fixa do governo
petista de “reindustrializar” o país por meio de subsídios, esquemas de
proteção e reservas de mercado. Se o plano for adiante, os acionistas da
Petrobras, controladora da Transpetro, arcarão com os prejuízos de mais esse
erro empresarial cometido em nome do Estado. Num segundo momento, o
contribuinte será chamado a capitalizar estatais em apuros. E o país estará
novamente diante do naufrágio da mesmíssima iniciativa que tantas vezes já viu
soçobrar.
Folha de S. Paulo
Surgem sinais de corte do juro do BC, que
depende da responsabilidade do governo
Mesmo com as incertezas vigentes na
economia internacional e na conjuntura doméstica, que ainda resultam em riscos
para a inflação, começa a se consolidar a perspectiva de redução da taxa básica
de juros no segundo semestre.
Embora o Comitê de Política Monetária tenha
mantido a Selic em 13,75% ao ano, a ata da reunião trouxe sinais de que há
maior conforto com o balanço de riscos adiante.
O Copom mantém a cautela, ao destacar
fatores que ainda podem dificultar a convergência da inflação para a meta de 3%
em 2024.
Em especial, há incerteza em relação à nova
regra de controle das contas públicas que substituirá o teto de gastos, ao
passo que as expectativas para o índice de preços ao consumidor permanecem
elevadas e ainda distantes dos objetivos do Banco Central.
Contudo o órgão reconhece que a divulgação
de uma norma fiscal pelo governo contribuiu
para reduzir o risco de cenários mais adversos de descontrole
da dívida e disparada da taxa de câmbio, da inflação e dos juros no mercado.
A proposta ainda precisa ser votada no
Congresso, e espera-se que o Parlamento endureça a versão vinda da Fazenda,
retomando os gatilhos de ajuste e punições no caso de descumprimento das metas
de superávit nas contas.
A economia também dá sinais incipientes de
desaceleração. Embora o resultado do primeiro trimestre tenha sido sólido, em
parte devido ao excelente desempenho do agronegócio, acumulam-se evidências dos
efeitos da restrição monetária. O crédito e o ritmo de criação de novos
empregos mostram acomodação, o que sugere um menor vigor da demanda.
O risco ainda presente é a persistência
de projeções
elevadas para o IPCA —de 6,1% e 4,2% para este ano e 2024,
respectivamente. Porém, com o avanço da tramitação da regra fiscal e outros
fatores capazes de reduzir pressões inflacionárias, como a queda das
matérias-primas internacionais e de preços no atacado, além da valorização do
real, o prognóstico é de acomodação dos juros.
Tal trajetória já é incorporada pelo
mercado, que indica a taxa básica em torno de 11,5% no final de 2023. É uma
melhora em relação ao início do ano, quando as desastrosas declarações do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra a responsabilidade fiscal
fizeram disparar o custo do dinheiro.
A retórica agressiva só gerou perda de
tempo. Com a melhora das últimas semanas, as expectativas apenas retornaram ao
patamar anterior à celeuma presidencial.
É preciso muito mais. Consolidar juros de
um dígito em 2024 e adiante demandará seriedade na definição de metas fiscais
e, principalmente, no seu cumprimento.
Cerrado sob pressão
Folha de S. Paulo
Foco brasileiro e internacional no desmate
deve englobar mais do que a Amazônia
A queda de
38% no desmatamento da Amazônia de janeiro a abril merece
festejo. Mas há que tomar com grãos de sal a flutuação em tais cifras, que
implica diversos fatores e consequências.
De pronto, ressalta a ameaça
crescente sobre o cerrado. Nessa que é a savana mais biodiversa do
mundo, a perda teve alta de 17% e está 48% acima da média histórica para os
quatro primeiros meses do ano.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
apontou no período perda de 1.132 km² no bioma amazônico, ante 2.206 km² no
cerrado. Quase o dobro, em termos absolutos, e proporcionalmente o quádruplo —o
domínio savânico tem metade da área da floresta chuvosa a oeste e norte.
Mesmo a boa-nova vinda da Amazônia pede
cautela. Considerando o cômputo oficial do corte raso pelo Inpe, que começa em
agosto, a mata tropical acumula quase 6 mil km² de destruição, a maior área
desde 2015 —indicando que o último semestre sob Jair Bolsonaro (PL) foi, aí
também, devastador.
A Amazônia tem a atenção internacional e
doméstica devida. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reativou a proteção de terras
indígenas, e Marina Silva retomou o bem-sucedido plano de combate ao
desmatamento de sua gestão anterior no Meio Ambiente.
Passa da hora, entretanto, de ampliar o
foco sobre o cerrado. Por lei, proprietários podem derrubar ali de 65% a 80% de
mata; na Amazônia, 20%. A savana conta só 7% da área protegida em unidades de
conservação (UCs), contra quase metade da floresta do norte.
O cerrado tem 25 mil km² de terras públicas
não destinadas e boa parte de seus 300 mil km² são pastos subutilizados. As
primeiras, hoje alvo de grilagem, deveriam ter prioridade para as UCs, e as
pastagens, para expansão agrícola.
A região abriga mananciais de água
decisivos para abastecimento energético, agrícola e urbano. Mas 9 entre 10 de
suas bacias tiveram vazões reduzidas desde 1985, resultado da combinação de
perda de vegetação e mudança do clima.
Há dúvidas sobre a vontade do poder público
de priorizar o cerrado. Na Casa Civil, Lula instalou Rui Costa, ex-governador
da Bahia, estado que concentrou em seu governo perdas no bioma; já o Congresso
acoita na bancada ruralista obstáculo a medidas ambientais.
Ajudaria se a União Europeia incluísse a savana brasileira na restrição, anunciada em abril, a commodities ligadas ao desmatamento.
O poder dos mitômanos
O Estado de S. Paulo
Na política da pós-verdade, Trump e George
Santos parecem ganhar mais votos quanto mais desmoralizam a realidade; para
competir com essa gente, é preciso provar que a verdade é valiosa
Na política da pós-verdade, Trump e Santos
ganham votos ao desmoralizar realidade.
Em 2022, Long Island (NY) elegeu um
deputado republicano que se dizia descendente de vítimas do Holocausto e do 11
de Setembro, diplomado em prestigiosas universidades, executivo da Broadway e
Wall Street, multimilionário e filantropo. Hoje, seus eleitores se descobriram
representados por um picareta indiciado por 13 crimes federais.
O surpreendente é que não são revelações
surpreendentes. Já nas eleições, adversários denunciaram George Santos como um
mentiroso descarado. O jornal local Leader endossou o candidato democrata,
mesmo querendo apoiar um republicano, mas Santos era “tão bizarro,
inescrupuloso e cara de pau que não podemos”. A maioria do eleitorado, ao
contrário, só queria ser representada por um republicano, por mais cara de pau
que fosse. Muitos se arrependeram, mas em vão, porque os republicanos, de quem
depende a deposição de Santos, estão preferindo a lealdade à decência.
Santos não é só trapaceiro. É mitômano. Mas
um mitômano que emprega sua psicopatia a favor da trapaça. “É o congressista
que os EUA merecem”, disse a revista The Economist, que acrescentou: “É o homem
certo para uma democracia em que vencer importa mais que qualquer coisa”. O
mesmo vale para Donald Trump, que ascendeu à Casa Branca contando mentiras
facilmente desmontáveis e tentou sequestrá-la com a maior mentira da democracia
moderna americana: a de que as eleições foram “roubadas”. Mas, por incrível que
pareça, Trump, que continua a mentir entre uma diástole e uma sístole, ainda é
o presidenciável republicano favorito. Na política da pós-verdade, gente como
Trump e George Santos parece ganhar mais votos quanto mais desmoraliza a
realidade.
Mentiras são o pão de muitos políticos
desde que existe a política. Mas elas eram fabricadas para se passar por
verdades. “Tal como se diz que a hipocrisia é o maior tributo à virtude, a arte
de mentir é o mais forte reconhecimento do poder da verdade”, disse William
Hazlitt. Não mais. O prefixo “pós” sugere que a verdade já não é essencial,
tornou-se obsoleta – e, em muitos sentidos, agora é indesejada por uma parte
dos eleitores. Na política da pós-verdade as emoções são elevadas acima da
razão, como princípio da ação política. As mentiras já não são contadas para
convencer os eleitores de uma falsa realidade, mas para inflamar seus
preconceitos, ressentimentos, paranoias.
Como disse o criador do termo “política da
pós-verdade”, David Roberts, ela é uma cultura “na qual a política – a opinião
pública e as narrativas da mídia – se tornou quase inteiramente desconectada
das políticas públicas – a substância da legislação”. A política se torna uma
disputa eleitoral permanente, mas não, como outrora, por visões de Estado, e
sim pela autopromoção e comoção pública, como nos reality shows e nas redes
sociais.
“Infelizmente, a mágica do retorno
pós-eleições à normalidade parece ter se perdido. A política democrática hoje é
consumida por um senso de extrema urgência, em que não há lugar para
concessões. Essa política é um choque de duas imaginações apocalípticas”,
diagnosticou o escritor Ivan Krastev. “À esquerda, ativistas ambientais
acreditam que, se não agirmos já, então, amanhã ou depois de amanhã, não haverá
mais vida humana na Terra. A direita nativista, de sua parte, é guiada não pelo
medo do fim da vida como tal, mas pelo medo de que nosso ‘modo de vida’ esteja
a ponto de acabar. Ambos compartilham um senso de que estamos empenhados em uma
‘luta final’.”
As democracias foram transformadas “pelo
poder dos sentimentos de modo que não podemos ignorar ou reverter”, disse
William Davies, no livro Estados Nervosos. Isso não significa que os que creem
em uma política baseada em evidências e racionalidade devem abandonar suas
convicções. Mas precisam encontrar modos de disseminálas com paixão genuína. Se
quiserem recuperar seu protagonismo no drama democrático, precisarão de
fórmulas criativas para atrair os apáticos à vida pública e esfriar a cólera
dos zelotas. Mas, para competir com os mentirosos profissionais, precisarão
provar que a verdade não é só valiosa, mas arrebatadora.
A construção de um mau caminho
O Estado de S. Paulo
Indicação de Zanin para o STF sintetizaria
o Lula 3: fiel a seus caprichos e indiferente ao interesse público. Dizem que
Zanin é um bom advogado, mas isso não basta para ser um bom ministro
A cada dia, a indicação de Cristiano Zanin
ao Supremo Tribunal Federal (STF) é dada como mais certa. Segundo o Estadão, o
presidente Lula da Silva estaria decidido a indicar seu advogado para a Corte,
apesar de todas as pressões contrárias do próprio PT. Além disso, o terreno
para a indicação parece cada vez mais preparado no Judiciário e no Legislativo.
Em entrevistas, ministros do Supremo, bem como os presidentes do Senado e da
Câmara, têm dito não haver objeções ao nome de Zanin.
Chama a atenção que, nas manifestações de
apoio a Cristiano Zanin, o máximo que se diz é que se trata de um advogado
competente. “Eu reputo (Zanin) como um ótimo advogado”, disse o ministro Gilmar
Mendes. Não há dúvida de que isso é um grande elogio, mas a questão é: basta
ser um bom advogado para ser ministro do Supremo?
Segundo a Constituição, os integrantes do
STF devem ser “cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, de notável
saber jurídico e reputação ilibada”. É um patamar exigente. Compor a Corte
constitucional requer mais do que uma excelência na práxis da advocacia. É
preciso ter notável saber jurídico. E aqui, sem desmerecer Cristiano Zanin, é
de justiça reconhecer a completa ausência de qualquer conhecimento sobre ele.
Não se sabe o que ele pensa. Suas posições jurídicas são uma incógnita. Não há
nada a indicar sua específica compreensão do Direito e da Constituição. Ou
seja, simplesmente não se sabe qual é, de fato, o seu saber jurídico.
Para preencher o requisito constitucional,
não basta ter profundo conhecimento do Direito. É preciso que esse conhecimento
seja notável. Não deve pairar nenhuma dúvida sobre ele. Caso contrário, já não
será “notável”. Essa dimensão pública do saber jurídico da pessoa indicada para
o Supremo relaciona-se diretamente com o papel da Corte, que precisa dispor de
autoridade.
A população não precisa gostar dos
ministros, tampouco concordar com suas posições. Mas é imprescindível que não
haja nenhuma sombra sobre seu saber jurídico. Por isso, não é nenhum demérito,
a princípio, não preencher os requisitos constitucionais. As exigências
específicas para integrar o Supremo – notável saber jurídico e reputação
ilibada – expressam o necessário cuidado com a Corte constitucional, de forma a
que ela tenha condições de exercer adequadamente sua função contramajoritária
de defesa da Constituição.
Esse cuidado com o STF, indicando pessoas
que indiscutivelmente cumprem os requisitos constitucionais, é aspecto
essencial do zelo pelo Estado Democrático de Direito. De outra forma, a
Constituição ficará desprotegida. As decisões da Corte que eventualmente
contrariem a opinião da maioria da população serão mais vulneráveis à
resistência. O caráter jurídico dos julgamentos do STF será mais facilmente
contestado. Nada disso é mera questão teórica. Para defender eficazmente as
liberdades fundamentais e as instituições democráticas, o Supremo precisa ter autoridade
reconhecida, com ministros de reputação ilibada e notável saber jurídico. Não
basta ser um bom advogado.
É frequente a avaliação de que, nesses
primeiros meses de governo, Lula da Silva tem escutado pouco e agido de forma
teimosa – ou mesmo arbitrária – em muitos assuntos. De certa forma, a indicação
de Cristiano Zanin para o STF seria a síntese perfeita desse modo obnubilado de
governar. Ao efetuá-la, o presidente explicitaria que, indiferente às
exigências constitucionais, é fiel apenas a seus impulsos, gostem os outros ou
não.
Por óbvio, esse jeito de governar gera
sérios problemas ao País. O despotismo serve para realizar caprichos, não para
identificar e implementar o interesse público. No entanto, em geral, há a
possibilidade de retificar o rumo. Por exemplo, mesmo que não haja expectativa
de nenhuma grande mudança em Lula, é possível esperar que, no segundo semestre,
ele não erre tanto como tem errado até agora. O problema é que, em relação à
indicação ao STF, não há essa possibilidade de correção. Feita a escolha
equivocada, não há volta, como Lula bem sabe.
A responsabilidade dos bancos centrais
O Estado de S. Paulo
Especialistas alertam que BCs precisam
aprimorar as normas de controle de risco dos bancos
Os principais bancos centrais (BCs) do
Ocidente estão sendo criticados – duramente – por não exercerem da forma
adequada seu papel de fiscalizador das instituições financeiras sob sua
supervisão. O detonador das observações negativas sobre sua atuação é a crise
bancária que afeta especialmente o mercado norteamericano, mas que também levou
à compra do Credit Suisse pelo seu maior concorrente, o UBS.
Se a crise se alastrar, poderá afetar a
ainda frágil retomada da economia mundial, como alertaram os ministros da
Fazenda da Ásia numa reunião no início do mês na Coreia do Sul. Suas
preocupações foram resumidas no discurso do ministro japonês, Shunichi Suziki:
“Os crescentes riscos financeiros observados na recente turbulência do setor
bancário nos Estados Unidos e na Europa podem prejudicar a recuperação
econômica global”.
Na sexta-feira, chamou a atenção o tom
severo com que o Banco Central Europeu (BCE) foi tratado pelo Tribunal de
Contas Europeu abordando questões técnicas. O BCE, afirma o comunicado, tem sido
muito negligente na supervisão dos maiores credores da zona do euro, ao se
pedir maiores garantias de que “o risco de crédito seja administrado e coberto
adequadamente”. Os auditores indicaram que o banco central dos europeus não foi
suficientemente agressivo ao pressionar os bancos da zona do euro a reduzir o
elevado nível de inadimplência dos empréstimos. O BCE teria sido lento nos
critérios para capital mínimo das instituições bancárias.
O relatório, de 121 páginas, veio coroar
uma série de comentários desfavoráveis aos bancos e alertas de que a crise
bancária não terminou, feitos por especialistas. Uma das vozes críticas foi de
Lucrezia Reichlin, professora de economia da London Business School, numa
entrevista divulgada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
A economista reconheceu que, nos últimos
anos, os bancos centrais intervieram proativamente como provedores de liquidez
e aprenderam a fazer isso melhor do que no passado. O senão que ela levanta é
que o sistema atual do modelo de negócios dos bancos, em muitos países, não
exige que os empréstimos sejam totalmente garantidos por depósitos. A recente
crise é um lembrete doloroso da “instabilidade fundamental” desse modelo,
afirmou Reichlin.
Num artigo para o Financial Times, outro
especialista, Amit Seru, professor da Universidade Stanford, informou que no
Silicon Valley Bank, um dos bancos que entraram em colapso em março, nos
Estados Unidos, 92,5% dos depósitos não eram segurados no fim do ano passado.
No caso de iliquidez de um banco, as
autoridades monetárias de um país precisam considerar como atuar para evitar
que outras instituições financeiras sejam contagiadas. E aí que mora o perigo
para o bolso das pessoas – às vezes, o banco central usa o dinheiro dos
contribuintes para evitar o impacto da falência de um banco.
No âmago desses e de outros alertas estão a preocupação com os rumos da economia mundial e a necessidade de aprimorar a fiscalização e o controle do sistema bancário, essencial para o funcionamento adequado de qualquer economia.
Economia desacelera devagar e inflação
resiste
Valor Econômico
A maior parte do esforço antinflacionário
já foi feita
A economia está desacelerando mais devagar
do que o previsto no fim do ano e, enquanto sobem as projeções para o PIB de
2023, a perspectiva de desinflação, como decorrência, marca passo. O IPCA de
abril, de 0,71% (0,61% em março), ficou acima das expectativas dos analistas,
com sinais de piora na qualidade dos indicadores. A média dos núcleos de
inflação avançou no mês, assim como os preços dos serviços e o índice de
difusão, a proporção dos itens em alta em relação ao total da cesta do IPCA.
A inflação em 12 meses recuou para 4,18%,
dentro da meta, mas não permanecerá aí por muito tempo. No segundo semestre,
com a saída da base de cálculo das deflações de julho, agosto e setembro do ano
passado, o IPCA deve se deslocar para perto da previsão contida no boletim
Focus, de 6%. A resistência da inflação expressa nos núcleos joga contra um
início próximo da redução das taxas de juros pelo Banco Central, a menos que em
junho, o Conselho Monetário Nacional mude a meta de inflação dos próximos anos
ou amplie a banda de variação - talvez o único expediente possível que conduza
o BC a flexibilizar a curto prazo a política monetária. Os efeitos de uma
possível mudança sobre as expectativas de inflação de médio prazo tendem a ser
negativos, porém.
A média dos cinco núcleos levados em conta
pelo BC para sentir o pulso da inflação se elevou de 0,37% para 0,51% em abril,
mas recuou em 12 meses, de 7,78% para 7,31%, colocando-se a 2,56 pontos
percentuais distante do teto da meta, de 4,75%, segundo cálculo da MCM
Consultores. A média desses núcleos de três meses anualizada, com ajuste
sazonal, não dá conforto e foi de 6,6% em abril. Os preços dos serviços tiveram
variação positiva superior a de março, de 0,25% para 0,52%, e de 7,52% em 12 meses,
tendência igualmente observada pelos serviços subjacentes, mais aderentes ao
estágio do ciclo econômico.
Reajuste de remédios autorizados pelo
governo empurraram o IPCA no mês, com impacto de 0,19 ponto percentual do item
saúde e cuidados pessoais, seguido por alimentos (principalmente leite e
tomate) e bebidas, com 0,15 ponto percentual. Em doze meses, a variação dos
alimentos se afastou bastante do pico de dois dígitos, ainda que acima da média
do IPCA, com 5,88%. Saúde e cuidados pessoais, por seu lado, são o segundo item
com maior alta em um ano, com 11,71%, um pouco atrás de vestuário, com 12,9%.
Apesar do desvio, a tendência para alimentos é favorável, com a perspectiva de
próxima safra recorde.
Os preços dos serviços indicam pressão de
demanda ainda intensa, que será contida pelos juros altos, mas de forma
vagarosa porque enquanto o BC tenta desacelerar as atividades, o governo faz o
contrário. A PEC de Transição deu à nova administração a possibilidade de
ampliar gastos em R$ 165 bilhões. O novo regime fiscal elaborado pela equipe
econômica pretende fazer um ajuste pelo lado das receitas, para acomodar gastos
que crescerão sempre acima da inflação. Incentivos à economia não param de
chegar.
Em maio, o salário mínimo teve aumento real
de 2,8%. O Planalto antecipou o 13º salário de aposentados e pensionistas de
agosto e novembro para maio e julho, o que significa mover no calendário o
pagamento de algo em torno de R$ 60 bilhões. A tabela de imposto de renda de
pessoas físicas foi atualizada para isentar quem ganha até 2 salários mínimos,
beneficiando ao menos 13,7 milhões de pessoas, retirando o desconto na fonte de
quem ganhava acima de R$ 1903,98 até, agora, R$ 2.640. Em junho, é a vez de ser
pago o reajuste salarial de 9% do funcionalismo federal. Os pagamentos mensais
do Bolsa Família atingem a média de R$ 714, o triplo do pagamento anterior,
acrescentando mais R$ 70 bilhões ao que já fora pago no último ano do governo
de Jair Bolsonaro.
Se a política fiscal deixará de ser
expansionista para ser neutra ou moderadamente contracionista dependerá em
parte do êxito do ministro Fernando Haddad em ampliar as receitas da União em
mais de R$ 100 bilhões e reduzir o déficit primário previsto para o ano de R$
220 bilhões para pouco mais de R$ 50 bilhões (0,5% do PIB), como prometido no
novo regime fiscal.
Esse enxugamento de recursos pode ajudar
por ora o Banco Central na tarefa de acelerar a volta da inflação à meta. A
nova política de preços da Petrobras declaradamente trará reajustes menores dos
combustíveis do que a anterior e, no curto prazo, há folga nos preços para que
eles sejam reduzidos, o que também ajuda o IPCA.
Não é possível prever com precisão a
resultante do jogo contraditório de forças da política monetária e da política
fiscal. O efeito principal é mais do mesmo: a economia não está esfriando tanto
quanto deveria diante de uma carga cavalar de juros, e as estimativas de
crescimento estão subindo e não caindo, como deveria ocorrer. Em decorrência, a
inflação não está sendo reduzida na velocidade esperada, retardando a queda da
taxa de juros que também provavelmente será mais lenta do que poderia ser. A
maior parte do esforço antinflacionário já foi feita e não falta muito para que
o IPCA volte a ser comportado. Falta apenas paciência ao governo para que isso
aconteça.
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