Valor Econômico
As incertezas que persistem sobre as contas
públicas dificultam uma valorização adicional do real, assim como medidas do
governo que elevam a insegurança jurídica
Nos últimos dias, a taxa de câmbio tem
oscilado na casa de R$ 5 ou menos. Para alguns analistas, o real tem potencial
para se fortalecer ainda mais em relação à moeda americana, com estimativas
para o valor justo apontando para números entre R$ 4,40 e R$ 4,70. As
incertezas que persistem sobre as contas públicas, mesmo após a apresentação do
projeto do novo arcabouço fiscal, dificultam uma valorização adicional da
divisa brasileira. Também atrapalham medidas e declarações do governo que
elevam a insegurança jurídica, como mudanças na Lei das Estatais, decretos que
buscavam alterar o marco do saneamento e a ação no Supremo Tribunal Federal
(STF) contra aspectos da privatização da Eletrobras. Para completar, as
críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Banco Central (BC) e ao
nível dos juros jogam contra um câmbio mais apreciado.
Um real mais valorizado teria efeitos bastante favoráveis neste momento. Ajudaria a reduzir as pressões sobre os preços e as expectativas de inflação, dando mais conforto para o BC começar a cortar os juros, além de contribuir para um alívio das condições financeiras, fator importante para a retomada da atividade.
Um dólar mais fraco no mercado
internacional tem favorecido moedas emergentes como o Brasil. Além disso, o
país conta com juros elevados, que atraem os dólares de investidores
estrangeiros e dos próprios exportadores brasileiros. Uma fatia maior das
empresas que exportam passou a trazer recursos do exterior para aproveitar o
diferencial entre as taxas internas e externas.
Nesse cenário, o real se fortaleceu. Na
sexta-feira, fechou em R$ 4,92. Em 24 de março, estava próximo de R$ 5,30. A
apresentação do arcabouço no fim daquele mês ajudou um pouco na queda do dólar.
Os estrangeiros, em especial, viram no anúncio um sinal de algum compromisso
com o equilíbrio das contas públicas, ainda que o novo regime dependa de um
aumento forte e incerto de receitas. Analistas brasileiros em geral veem com
mais ceticismo o arcabouço, cujas normas preveem elevação anual das despesas
sempre acima da inflação, de 0,6% a 2,5%. Esses problemas tendem a impedir um
fortalecimento ainda maior do real.
Nas estimativas dos economistas Rafael
Murrer e Felipe Wajskop França, do Bradesco,
o valor justo do câmbio está na casa de R$ 4,70. Em relatório, os dois fazem um
exercício para explicar a desvalorização acentuada do real desde 2020 e o seu
descolamento em relação às moedas de outros 19 emergentes. No estudo, o câmbio
real (descontada a inflação) é explicado pelo conjunto formado por contas
externas, atividade econômica, juros e contas públicas. O método usado
pelo Bradesco “define
pesos para cada país e constrói um grupo que mais se assemelha às
características do Brasil no período pré-pandemia (de 2002 a 2019)”.
Pelos resultados obtidos, os países que
mais se aproximam do Brasil, ficando com os maiores pesos, são Colômbia, Índia
e Turquia, pela ordem. A partir desses pesos, são ponderadas as variações do
câmbio real da amostra, construindo-se uma “variação sintética” da moeda
brasileira. De acordo com o exercício, caso o real “tivesse se comportado como
os pares desde a pandemia, o câmbio poderia estar ao redor R$ 4,70”, dizem
Murrer e França.
Por enquanto, o banco projeta o dólar a R$
5 no fim do ano. Mas, para os economistas, alguns vetores apontam para um “real
ainda mais apreciado, podendo até alcançar um nível próximo ao sugerido pelo
exercício”. Entre os fatores, eles destacam o melhor desempenho relativo da
economia brasileira, a diferença ainda elevada entre taxas externas e internas,
contas externas ajustadas e o menor déficit em conta corrente quando comparado
a outros emergentes, “amplamente financiado pelas entradas de investimentos estrangeiros
diretos e auxiliada pelo superávit comercial recorde”. Eles afirmam ainda que a
apresentação do arcabouço reduziu os riscos mais extremos, avaliando que a
aprovação da nova regra e o cumprimento das metas fiscais podem ajudar na
valorização do real à frente.
No fim de abril, o economista-chefe da MB
Associados, Sergio Vale, fez uma estimativa para o câmbio de equilíbrio. O
modelo leva em conta a diferença entre juros internos e externos, a distância
entre os preços de itens não comercializáveis (como serviços) e
comercializáveis internacionalmente, os termos de troca (a relação entre preços
de exportação e de importação), uma medida da diferença de produtividade do
Brasil em relação à dos EUA e, por fim, a dívida bruta. Para Vale, o câmbio de equilíbrio
está cerca de 50 centavos abaixo do nível atual, ao redor de R$ 4,90, o que
implica uma taxa em torno de R$ 4,40. Para chegar a esse valor, porém, seria
necessário não haver ruído político e fiscal, afirma ele.
O Congresso pode endurecer alguns aspectos
do arcabouço, ao introduzir penalidades e gatilhos caso a meta para as contas
públicas seja descumprida. Ainda assim, a dependência de uma alta expressiva e
incerta de receitas, para financiar elevações de gastos acima da inflação, é
uma fraqueza do novo regime. Além disso, Lula está empenhado em tomar medidas
que acabam por aumentar a insegurança jurídica. Se não pressionam o câmbio no
curto prazo, são iniciativas que podem inibir o fluxo de recursos estrangeiros
ao longo dos anos. O presidente também critica com frequência o BC e o nível
dos juros, criando um ruído desnecessário. Por tudo isso, o potencial de
valorização do real é mais limitado do que o sugerido por fatores como as
contas externas, os termos de troca e a diferença entre os juros internacionais
e os domésticos.
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