segunda-feira, 15 de maio de 2023

Edu Lyra - Tecnologias sociais têm de amadurecer

O Globo

É saudável que passemos a encarar a inovação científica como se houvesse uma ‘curva de amadurecimento’

Tecnologias como o ChatGPT são diferentes de tudo o que conhecíamos até então. Tipicamente, um avanço tecnológico ocorria quando uma empresa ou um grupo de pesquisadores desenvolviam um produto ou serviço inovador. Ou ainda quando descobriam uma maneira mais inteligente de realizar uma velha tarefa.

A inovação estava, portanto, no ato de criar ou de aperfeiçoar uma tecnologia. Com o advento da Inteligência Artificial (IA) e das aplicações de machine learning, isso mudou.

O lançamento de uma ferramenta como o ChatGPT para o público geral é apenas uma etapa na sua curva de amadurecimento. Só conheceremos o pleno potencial dessa tecnologia com o passar do tempo, à medida que ela aprender interagindo com os seres humanos e encontrar maneiras ainda mais certeiras de responder às nossas demandas. Se você está impressionado(a) com o ChatGPT hoje, espere só ele atingir altitude de cruzeiro.

É saudável que passemos a encarar a inovação científica dessa maneira, como se houvesse uma “curva de amadurecimento” para cada nova tecnologia. Isso porque, na área social, é exatamente assim que os avanços ocorrem.

Quando a Gerando Falcões lançou o programa Favela 3D, recorremos aos parceiros da Accenture e montamos um planejamento estratégico para os dez anos seguintes. Nossa meta era levar o programa para mil favelas brasileiras dentro desse prazo. Mas como?

Concebemos quatro etapas: aperfeiçoamento, maturação, expansão e escala. Passamos os últimos anos dedicados à primeira etapa, com a criação e a implementação de projetos-pilotos. Coletamos dados sobre os territórios escolhidos, construímos políticas sociais de baixo para cima, firmamos acordos com a iniciativa privada e com o poder público, notadamente os governos de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Em junho, entregaremos uma Favela dos Sonhos em Ferraz de Vasconcelos (SP), completamente reurbanizada, plena de infraestrutura e serviços, com sua população dotada de renda e de oportunidades no mercado de trabalho. Dezembro será a vez da Favela Marte, em São José do Rio Preto (SP).

É impossível não sentir orgulho do trabalho feito até aqui, mas ainda é cedo para qualquer sentimento de “missão cumprida”. O programa entra agora na segunda etapa, quando acompanharemos o desenvolvimento desses territórios e azeitaremos nossas estratégias, com base em observações e na experiência acumulada. Só então saberemos com certeza que está pronto para ganhar escala e se espalhar pelo país.

Creio que o melhor do Favela 3D ainda se revelará. Na área social, não existe fast-food, sobretudo num país como o Brasil, com passado escravista, histórico de baixo investimento em políticas sociais e índices alarmantes de desigualdade. É preciso sempre buscar maneiras mais rápidas, eficientes e baratas de atingir um objetivo.

Daí o paralelo com as novas ferramentas de IA. Assim como o ChatGPT e similares, uma tecnologia social também precisa de tempo para amadurecer, a depender da quantidade e qualidade do input que lhe é oferecido.

Com a entrega das favelas Marte e Sonhos, o Favela 3D fez sua estreia oficial. Agora vem a parte mais difícil: garantir que aquelas comunidades caminharão e prosperarão de forma autônoma, sem a necessidade de novas ações emergenciais.

Só então o programa terá atingido seu maior objetivo: oferecer às pessoas não uma ajuda, mas um caminho de emancipação da pobreza extrema.

 

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