Combater milícias exigirá mais que operações policiais
O Globo
É necessário seguir práticas de sucesso
contra máfias do mundo todo: asfixia financeira e inteligência
A semana que passou expôs de modo cruel o
poder das milícias no Rio de Janeiro. Depois da morte de um de seus líderes em
confronto com a Polícia Civil, a reação semeou o caos: 35 ônibus, quatro
caminhões, um trem e automóveis foram incendiados, espalhando tensão por sete
bairros, ou mais de 1 milhão de habitantes. Uma série de reportagens publicada
pelo GLOBO tem esmiuçado os tentáculos dessas organizações criminosas,
salientando a urgência de uma estratégia consistente para desarticulá-las.
Criadas há quase 20 anos a partir de grupos de policiais organizados para combater o tráfico por conta própria, as milícias rapidamente se constituíram num poder paralelo que hoje controla vastas extensões do Rio. Ao todo, uma área de 284 quilômetros quadrados da Região Metropolitana, onde vive um terço dos 6,2 milhões de cariocas, está sob influência das milícias, de acordo com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Na estrutura, elas reproduzem organizações
criminosas que aterrorizam cidades do mundo todo. Dominam territórios onde
exploram todo tipo de serviço. Não apenas a venda ilegal de botijões de gás,
sinais piratas de televisão, internet, transporte e construções irregulares.
Como revelou a reportagem do GLOBO, há uma extensa rede de extorsão a pequenos
comerciantes, achaque a construtoras ou empresas de varejo, negócios de fachada
como postos de gasolina, imobiliárias, supermercados etc.
Ao melhor estilo das máfias, as milícias
tiram proveito de atividades legais. “A movimentação financeira da milícia não
se faz só da ilegalidade para a legalidade”, diz Daniel Hirata, do Geni da UFF.
“Ela vem da legalidade para a ilegalidade também.” Estima-se que apenas a
milícia que foi alvo da Polícia Civil na semana passada fature R$ 15 milhões
por mês. O dinheiro é lavado de variadas formas, até criptomoedas. Desde 2020,
autoridades pediram à Justiça o bloqueio de R$ 235 milhões em bens e valores
atribuídos a milícias.
Negócios desse vulto são disputados à bala. A
alta nos índices de violência do
Rio de Janeiro neste ano é atribuída à guerra entre milícias pela disputa de
três territórios da Região Metropolitana. Nas áreas conflagradas, os
indicadores de homicídios são piores que em muitas capitais. Só essas três
áreas têm impacto suficiente para deteriorar as taxas de violência de toda a
Região Sudeste.
O combate às milícias precisa seguir as
práticas bem-sucedidas adotadas contra máfias no mundo todo. O primeiro passo é
a asfixia financeira. Embora o governo tenha exibido números vistosos de
apreensões e fechamento de negócios das milícias, até há três anos o núcleo
especializado em lavagem de dinheiro da polícia fluminense, fundamental para
desbaratar organizações criminosas, não havia sequer se dedicado a elas.
O segundo passo é uma estratégia que anule a
promiscuidade entre milicianos e certas corporações policiais, com foco em
inteligência, não em operações a esmo. Para executá-la, é essencial o
envolvimento do governo federal. Mas isso de nada adiantará se prevalecer a
impunidade. Contra o miliciano suspeito de mais de 20 assassinatos morto na
operação da semana passada, havia apenas dois mandados de prisão, só um por
homicídio. Sem colaboração da Justiça, não há como desarticular as milícias.
Moderação será o desafio do novo presidente
da Câmara dos EUA
O Globo
Integrante da ala mais radical dos
republicanos, Mike Johnson enfrenta agenda fundamental para o mundo
Depois de três semanas de impasse e de três
desistências, os republicanos conseguiram enfim eleger um novo presidente para
a Câmara dos Estados
Unidos. O escolhido foi o deputado Mike Johnson, representante de
Louisiana, apoiador da conspiração para reverter o resultado das eleições
presidenciais de 2020, opositor ferrenho do casamento gay e seguidor fiel do
ex-presidente Donald Trump. Desconhecido da maioria dos americanos até esta
semana, Johnson terá de moderar suas posições se quiser permanecer no cargo.
Para os Estados Unidos e para o mundo, é fundamental que o Congresso americano
seja minimamente funcional.
Em sua primeira mensagem como presidente da
Câmara, Johnson reconheceu que republicanos e democratas veem “as coisas de
pontos de vista distintos”, mas assegurou que, juntos, chegariam a “consensos”.
A primeira votação sob seu comando envolvia um óbvio consenso. Foi aprovada uma
condenação ao grupo terrorista Hamas.
Outros temas prometem ser mais controversos.
Assim como segmentos do seu partido, Johnson
foi contra o aumento do auxílio à Ucrânia, embora
tenha dado sinais de que poderá mudar de ideia. Descreveu como prioridade o
pacote encaminhado pelo presidente Joe Biden solicitando US$ 61,4 bilhões para
financiar a Ucrânia, US$ 14,3 bilhões para Israel, US$ 13,6 bilhões para lidar
com a crise migratória nos Estados Unidos, US$ 9,1 bilhões em ajuda humanitária
para a Faixa de Gaza e
US$ 2 bilhões para países asiáticos investirem em defesa. A aprovação pela
Câmara traria um bem-vindo sinal de moderação.
Tema mais espinhoso será o financiamento do
Estado. No final de setembro, o Congresso aprovou uma medida emergencial, com
validade de 45 dias, que permite ao governo contrair novos empréstimos para
evitar a paralisação das atividades. Quando ela expirar em novembro, a questão
cairá no colo de Johnson. A dívida pública americana está em 98% do PIB e
poderá chegar a 118% em dez anos. Em vez de tentar chegar a um acordo sobre o
nível de endividamento desejável e o que fazer para atingi-lo, os republicanos têm
usado a ameaça de paralisar o governo para extrair concessões da Casa Branca.
Será um enorme problema para o mundo se o
Congresso não conceder ao governo o direito de tomar mais dinheiro emprestado.
Economicamente, cresceriam os temores sobre a estabilidade do Estado americano.
Politicamente também não faria sentido, pois os republicanos provavelmente
ficariam com a culpa.
O antecessor de Johnson, Kevin McCarthy,
perdeu o cargo depois de negociar com os democratas a medida emergencial. Agora
Johnson terá de mostrar uma enorme capacidade de negociação para conter a ala
mais radical de seu partido, de que ele sempre fez parte. Do contrário, assim
como aconteceu com McCarthy, seu tempo à frente da Câmara poderá ser curto.
Demora na PGR
Folha de S. Paulo
Regras de nomeação deveriam ser aprimoradas
para defender interesse da sociedade
A arquitetura das democracias modernas
ergue-se sobre a premissa de que indivíduos investidos de poder tenderão a
abusar de suas prerrogativas caso não sejam desestimulados por freios e
contrapesos institucionais. No Brasil, o procurador-geral da República detém
peso importante nesse entrechoque.
Ele chefia no nível da União o órgão
incumbido pela Constituição de 1988 da "defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".
Como se fosse pouco, o ocupante do
cargo possui o monopólio das ações penais comuns contra o presidente da
República.
Em contrapartida, cabe apenas ao chefe do
governo nomear a pessoa que, se for endossada pela maioria dos senadores,
exercerá a função de procurador-geral por dois anos, permitida a recondução.
Como há pouco tutano a rechear essa regra de
nomeação, abrem-se brechas que o ocupante do Palácio do Planalto poderá
explorar a favor de seu interesse egoísta de designar um procurador
subserviente.
Enquanto governou o país, Jair Bolsonaro (PL)
aproveitou-se do fato de a Carta não exigir nenhuma seleção prévia e conduziu
Augusto Aras, que retribuiu com docilidade e brandura em meio a uma série de
atos abusivos do Executivo.
A adoção de uma lista tríplice —expediente
comum em escolhas de magistrados para tribunais superiores e previsto pela
Constituição para a nomeação dos procuradores-gerais dos estados— tornaria mais
equilibrado esse processo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo
visto aprovou a iniciativa de seu antecessor e anunciou que desta vez
dispensará a lista tríplice elaborada, mesmo sem valor vinculante, pelos
procuradores federais. O petista aproveita-se, ademais, de outra brecha nas
regras de nomeação para protelar, sabe-se lá até quando, a sua indicação.
A indefinição sobre a sucessão de Aras
completou um mês e caminha para
bater o recorde desde a redemocratização. Lula não parece satisfeito
com o grau de independência dos nomes que encabeçam a corrida informal. A
demora abriu um leilão propício para que bajuladores se apresentem.
A fixação de prazo legal para nomeações em
cargos cruciais como procurador-geral da República e ministro do Supremo
Tribunal Federal, outro caso de protelação de Lula, reduziria a margem para
abuso.
Na ausência de manifestação tempestiva do
presidente, a nomeação poderia passar a ser feita por outra autoridade ou
Poder.
Ajustes como esses nas regras de nomeação
iriam ao encontro do interesse da sociedade de que essas instituições exerçam o
seu papel constitucional, o qual frequentemente colide com os desejos e as
condutas dos governantes.
Hora e vez da caatinga
Folha de S. Paulo
Estudo prevê impacto grave da mudança
climática sobre o semiárido brasileiro
O debate público sobre ambiente no Brasil
sempre foi monopolizado pelo desmatamento na Amazônia. A custo
entrou em pauta o cerrado, hoje o domínio mais ameaçado. Mas
precisamos falar também da caatinga, muito pressionada.
No semiárido nordestino se encontra o único
bioma exclusivamente brasileiro. O Nordeste abriga a segunda maior população do
país, metade em condição de pobreza. Secas e ondas de calor podem lhe causar
ainda muito sofrimento e baixa na qualidade de vida.
Não é apenas o El Niño deste ano que augura
uma estiagem grave. A mudança climática no planeta vai além dessa perturbação
nas águas do Pacífico e apanha um sertão nordestino vulnerável.
Estudos recentes cruzaram projeções sobre o
aumento da aridez na região, em consequência do aquecimento global, com
previsões sobre perda de fauna e flora sob aumento da temperatura e queda na
precipitação. Concluíram que, em 2060, até
90% das espécies animais e vegetais poderão ter sucumbido.
Uma desertificação da região não será
desastrosa só para pequenos mamíferos da caatinga, como prediz a pesquisa. A
onipresença de caprinos dá boa ideia da importância para a segurança alimentar
e a cultura dos sertanejos dessa criação que pasteja livre pelo bioma.
Um incremento na perda de cobertura vegetal,
acompanhada da homogeneização (poucas espécies) prevista pelos especialistas,
trará impacto difícil de avaliar. A ele se somaria um processo de desmatamento
já em aceleração, realimentando o vetor de aridificação.
A banda oeste da caatinga, na zona de
transição para o cerrado, tem sido um escoadouro da expansão do agronegócio na
área conhecida como Matopiba. Sob sua influência, o desmate quase dobrou entre
2020 (683 km2) e 2021 (1.159 km2), segundo o projeto MapBiomas.
Secas mais fortes, frequentes e prolongadas
viriam engrossar a migração regional para os já problemáticos grandes centros
urbanos do Nordeste. Sem chuvas, milhões de cisternas ficarão vazias, e a
transposição do São Francisco não dará conta de matar a sede da gente e do gado
e ainda sustentar a irrigação.
Compete ao governo federal, em parceria com os estaduais, atuar em duas frentes para evitar o pior impacto: de um lado, conter a destruição da caatinga; de outro, implementar programas para adaptar população e infraestrutura à mudança climática já contratada.
O bom combate do jornalismo
O Estado de S. Paulo
A instantaneidade online exige redobrar o
cuidado com as notícias. Quando elas podem ser armas de guerra, é preciso
triplicá-lo, e quando podem ser armas de terroristas, quadruplicá-lo
No dia 17 passado, uma notícia atingiu a
opinião pública global como uma bomba: “Ao menos 500 pessoas foram mortas por
um bombardeio israelense em um hospital de Gaza, dizem os palestinos”. A
atrocidade anunciada nesta manchete do New
York Times foi reportada por diversos
veículos de imprensa – como Reuters, Associated Press e MSNBC – e correu o
mundo como fogo em mato seco, deixando um rastro de ódio.
Massas enfurecidas tomaram as ruas de países
islâmicos. Nas 24 horas subsequentes, diplomatas árabes mobilizaram protestos
na ONU; manifestantes anti-Israel cercaram o Capitólio nos EUA; uma sinagoga na
Alemanha foi atingida por coquetéis molotov; uma turba tentou invadir a
embaixada de Israel na Jordânia. O impacto geopolítico foi devastador: o rei da
Jordânia e o presidente da Autoridade Palestina cancelaram uma reunião com os
presidentes do Egito e dos EUA e o Oriente Médio esteve a um passo de uma guerra
regional mais ampla.
Mas imediatamente após as primeiras notícias,
as autoridades israelenses as contestaram. Um grão de hesitação entrou nas
redações. A BBC explicou que os israelenses “disseram que estão investigando,
mas, na verdade, é difícil ver como não poderia ser, dado o tamanho da
explosão, um ataque israelense, ou vários”. Questionamentos começaram a pipocar
nas redes sociais. Em um par de horas, a manchete do New York
Times foi alterada duas vezes: primeiro,
removendo a menção ao autor do “bombardeio”; depois, reduzindo-o a uma mais
neutra “explosão”.
Hoje, ainda não há certeza sobre os fatos. Já
antes da guerra, agências independentes não podiam operar livremente em Gaza
como fazem em Israel e em outras democracias do mundo. O Hamas controla quem
pode investigar e o que pode ser investigado. Mas as evidências apontam para um
disparo malogrado de um foguete da Jihad Islâmica, outra organização terrorista
de Gaza. Uma tragédia, ainda assim, mas, ao que tudo indica, não resultante da
intenção de Israel de dizimar palestinos, e sim do descaso de terroristas com o
povo que alegam defender e libertar.
No caso, a notícia foi reportada pelo
“Ministério da Saúde de Gaza”, que todos deveriam saber que se trata de um dos
pseudônimos do Hamas. Por óbvio, sua confiabilidade é tão grande quanto a do
“Ministério da Verdade” do “Grande Irmão” de George Orwell. Mas, no afã das
redações de reportar um furo espetacular – ou, plausivelmente, de alguns dos
jornalistas de confirmar seu viés de Israel “opressor” – várias esqueceram essa
obviedade.
Quando se lembraram ou foram lembradas, o
estrago já estava feito. “Múltiplos estudos descobriram que a desinformação
ainda pode influenciar nosso pensamento mesmo quando recebemos a correção e
acreditamos ser verdadeira”, explicou o neurocientista Richard Sima no
Washington Post, “um fenômeno conhecido como ‘efeito contínuo da influência’.”
Tanto pior quando esse efeito tem origem não em algum blog obscuro, mas em
mídias tradicionais.
Pesquisas indicam que há anos essas mídias
vêm perdendo credibilidade – e reproduzir informações disparadas por
terroristas só acelerou o processo –, mas a guerra ainda pode ser uma
oportunidade de resgatá-la.
Em um mea culpa, o próprio editor do New York Times admitiu que o jornal “confiou demais em alegações do Hamas, e não esclareceu que elas não podiam ser imediatamente verificadas” e que “a reportagem deixou aos leitores uma impressão incorreta sobre o que era conhecido e o quão crível era o relato”.
As redes digitais estão infestadas de erros e
mentiras, que, como se viu, podem ser disseminados até por grandes veículos,
com consequências desastrosas. A instantaneidade da internet só amplifica o
dever do jornalismo profissional de rever continuamente seus procedimentos para
determinar “salvaguardas adicionais” à publicação de notícias de impacto, como
disse o New
York Times. Ainda assim, é impossível
eliminar o risco de erros. Reconhecêlos e corrigi-los o mais rápida e
honestamente possível é o caminho mais seguro para resgatar a confiança do
público. Em uma palavra, a credibilidade do jornalismo será tanto maior quanto
maior for a sua humildade.
O Brasil tem de aprender a envelhecer
O Estado de S. Paulo
O sistema de saúde precisa se preparar melhor para diagnosticar e tratar os problemas associados à combinação inédita, mas incontornável, da baixa natalidade e alta longevidade
Como em países de todas as regiões do mundo
(exceto, por ora, a África), a combinação da queda da natalidade e da alta da
longevidade impõe ao Brasil um desafio inédito, mas inexorável e massivo. Como
mostra a série de censos do IBGE, o crescimento populacional está se
desacelerando e em meados do século a população começará a encolher, ao mesmo
tempo que envelhece rapidamente.
Uma sociedade menor e mais velha impacta
diferentemente cada pessoa e impõe desafios imensos e complexos a todas as
dimensões da vida coletiva, da economia à política e à cultura. Como fomentar
uma cultura comunitária que promova uma terceira idade digna, produtiva e
criativa? Como combater estereótipos e a discriminação de pessoas em razão de
sua idade (o “etarismo”)? Como adaptar as cidades (infraestrutura, moradia,
lazer, transportes)? Como financiar essas adaptações e compensar as perdas na
força de trabalho e capacidade de inovação? Em termos de políticas públicas,
duas áreas são cruciais: previdência e saúde.
Em relação a esta última, especialistas
ouvidos pelo Estado afirmam unanimemente que o Brasil não só não preparou seu
sistema de saúde, como nem sequer está devidamente consciente do problema. Um
levantamento do Centro Internacional da Longevidade, por exemplo, mostra que,
dos 37 partidos brasileiros, só em dois ou três o tema do envelhecimento entra
na pauta. Apenas 10% das escolas médicas têm uma disciplina de geriatria. O
Brasil tem cerca de 2,6 mil geriatras, mas a Sociedade Brasileira de Geriatria estima
que o déficit desses profissionais seja de 28 mil. Apesar disso, segundo o
Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, na última década a taxa de
especialização em geriatria (0,7%) manteve-se estável e a estrutura hospitalar
ficou defasada: na contramão da demanda, o número de leitos em instituições de
longa permanência ou reabilitação caiu de 0,6 a cada mil idosos para 0,4.
Os especialistas apontam um verdadeiro
ecossistema de desafios. Um deles é o aumento da prevalência de doenças
crônicas, como hipertensão e diabetes, e também osteoarticulares, que impactam
a qualidade de vida e a funcionalidade dos idosos. Outro é o aumento de
tumores, consequência do envelhecimento das células. O cenário epidemiológico
do câncer exige equipar o sistema hospitalar para diagnosticar tumores mais
precocemente e tratá-los com as melhores tecnologias. Similarmente, os sistemas
de saúde e assistência social precisam se preparar para prevenir e tratar casos
crescentes de demências e outros transtornos típicos de idosos.
Como adverte a Organização Mundial da Saúde,
um sistema de cuidados de longo prazo deve ser centrado na pessoa, reconhecendo
a heterogeneidade de experiências na terceira idade, e integrado, coordenando
diferentes níveis de cuidado (atendimento hospitalar, reabilitação, cuidados
paliativos e terminais) e complementando cuidados ambulatoriais com
intervenções domiciliares.
Profissionais de saúde são tradicionalmente
treinados para reagir a demandas de saúde prementes e pontuais, mas o
envelhecimento populacional exige aprimorar conhecimentos e habilidades
holísticas para lidar com problemas crônicos e multicomorbidades. Isso implica
a formação de equipes multidisciplinares treinadas em comunicação e cooperação.
Além do sistema de saúde stricto sensu,
políticas de prevenção envolvem a conscientização de adultos, incentivando-os a
adotar hábitos mais saudáveis e exames preventivos, e é preciso engendrar
políticas sociais para amparar as famílias no cuidado de seus idosos,
especialmente as mulheres, que costumam ser sobrecarregadas.
Há ainda a questão de como financiar essas
adaptações. Dado o crescente encolhimento da população jovem e o aumento da
idosa, um caminho óbvio é a transferência gradativa de uma parcela dos recursos
da educação para a saúde.
O envelhecimento populacional é uma realidade
inexorável, mas o Brasil está atrasado. Os desafios na saúde e outras áreas
exigem pesquisas e mobilizações multissetoriais continuadas para desenhar um
novo “mapa da vida” e trilhá-lo com dignidade.
Para facilitar o trabalho do STF
O Estado de S. Paulo
Limitar a atuação de partidos nanicos no STF
é medida saneadora, que protege o Legislativo e o Judiciário
O Estadão informa que está em estudo no
Congresso a aprovação de uma medida para limitar a atuação de partidos pequenos
no Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo é impedir que partidos nanicos,
com poucos representantes no Legislativo, recorram ao STF para invalidar atos
do Congresso. Trata-se de excelente iniciativa, apta a corrigir abuso cada vez
mais frequente, que perverte o funcionamento do Estado Democrático de Direito:
o recurso ao Judiciário como meio de reverter a derrota política.
Segundo o relator de um das propostas,
deputado Alex Manente (Cidadania-SP), a ideia é limitar a apresentação de ações
diretas de inconstitucionalidade (Adins) e de ações diretas de descumprimento
de preceito fundamental (Adpfs) aos partidos que superarem a cláusula de
desempenho eleitoral. Se a regra for adotada, 16 legendas ficariam impedidas de
propor essas ações no Supremo.
A medida restritiva é legítima. Ciente de que
se trata de uma ação com alto impacto político – afinal, é um controle sobre a
atuação do Congresso –, a Constituição limita quem pode propor as chamadas
ações de controle concentrado de constitucionalidade. Entre os autorizados,
estão o presidente da República, a Mesa do Senado e a da Câmara, o
procurador-geral da República e “partido político com representação no
Congresso Nacional”. Com isso, o legislador constituinte definiu que a
existência de barreiras para a propositura dessas ações não é incompatível com
a necessária proteção da Constituição.
A limitação de quem pode acionar nesses casos o STF é um meio de proteger o funcionamento do Estado Democrático de Direito. Ela representa um respeito ao âmbito do Legislativo, assim como evita que a Corte constitucional seja entulhada por ações de controle de constitucionalidade, revisando todos os atos do Congresso. Como é natural, toda decisão legislativa gera descontentamento em algumas pessoas e grupos. Sem uma barreira para a propositura dessas ações, quem não gostou da decisão sempre poderia buscar o Judiciário para reverter a derrota.
Aqui está o grande ponto. Os 35 anos da
Constituição mostram, com abundância de exemplos, que a barreira originalmente
prevista tem sido insuficiente para prover o objetivo pretendido. O STF
tornou-se revisor de praticamente todos os atos do Congresso, sendo
continuamente acionado por partidos nanicos, com baixíssima representação
popular. Há legendas, como a Rede, cuja atuação mais destacada é no Judiciário,
e não no Legislativo. Entre outros danos, isso agrava o problema da
representatividade do regime democrático, ao impor à população políticas
públicas ditadas por minorias, simplesmente em razão de sua habilidade em
acionar a Justiça.
É muito oportuno, portanto, que o Congresso estude o tema, com medidas concretas para enfrentar um problema real, que distorce o funcionamento da política. Sem limitar ou interferir na independência do Judiciário, essa barreira aos partidos nanicos pode ajudar a recolocar o controle de constitucionalidade no devido prumo.
Um Brasil melhor para os idosos
Correio Braziliense
O Censo 2022 aponta que o país está
caminhando para um processo de superenvelhecimento, sem que questões básicas,
como educação e saúde, tenham sido resolvidas
Ao divulgar o mais novo retrato da população,
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deixou claro o tamanho
do desafio que o Brasil tem pela frente para garantir o bem-estar social, ainda
uma promessa muito longe de ser cumprida. O Censo 2022 aponta que o país está
caminhando para um processo de superenvelhecimento, sem que questões básicas,
como educação e saúde, tenham sido resolvidas. Não há hoje e nem se vê para o
futuro projetos que garantam melhores condições de vida aos idosos. Muitos são
vistos como peso para a sociedade, percepção que tenderá a permanecer caso o
Estado não assuma o papel que lhe cabe e que está especificado na Constituição
Federal.
Pelos cálculos do IBGE, os brasileiros com 65
anos ou mais já representam 10,9% da população, o maior índice desde 1872,
quando foi feito o primeiro recenseamento no país. Em 2010, essa parcela era de
7,4%. Há, portanto, 22,1 milhões de pessoas nesse grupo etário, das quais 4,6
milhões com mais de 80 anos. Infelizmente, muitos desses cidadãos envelheceram
como seus antepassados, ou seja, dependendo de familiares ou como arrimo dos
lares. Essa realidade decorre da falta de uma educação adequada, que empurrou
muita gente para a informalidade ou para atividades que pagam pouco. A
sobrevivência, em maioria, é com um salário mínimo pago pela Previdência
Social.
Os números do IBGE mostram, portanto, que
envelhecer bem no Brasil ainda é um privilégio para poucos. Apenas uma minoria
branca pode dizer que conseguiu superar as barreiras impostas pela estrutura
social estabelecida. Uma mulher negra, no geral, vai cuidar, primeiro, dos
irmãos, e, depois, dos filhos, sem grandes perspectivas de vida. Para mudar
esse quadro e reduzir as desigualdades na velhice, o Estado terá de ampliar o
acesso à saúde. Hoje, há um subfinanciamento no Sistema Único de Saúde (SUS)
que inviabiliza uma velhice funcional, principalmente entre mulheres, que são
maioria da população, negros e pobres. As políticas públicas devem garantir uma
infância saudável, por meio de uma medicina preventiva, para gerir idosos menos
dependentes. Sabe-se que, com o envelhecimento, haverá mais necessidade de
geriatras, oncologistas, cardiologistas e neurologistas.
Também será preciso um amplo projeto de
requalificação de pessoas de 60 a 79 anos, que, no geral, estão com boa saúde e
devem continuar no mercado de trabalho. O Japão está nesse processo. É uma
forma de combater o etarismo, o preconceito contra os trabalhadores mais
velhos, e permitir que esses cidadãos mantenham o poder de compra e continuem
contribuindo para a Previdência, que terá pela frente, mantido o atual cenário,
cada vez menos financiadores, pois a população jovem vem encolhendo
substancialmente. O Brasil, por decisões equivocadas, perdeu a oportunidade de
usufruir do bônus demográfico, quando a maior parcela da população está em
idade produtiva. Quer dizer: o país envelheceu antes de ficar rico.
Nesse ponto, vale frisar: a faixa etária
entre 0 e 14 anos não chega a 20% da população, a menor parcela da história. A
taxa de fecundidade das mulheres está entre 1,6 e 1,7 filho, nível insuficiente
para repor a população. Na Europa, onde a política de bem-estar social ainda é
uma realidade e a população idosa tem uma certa dignidade, o envelhecimento
está provocando sérios problemas, com os governos sendo obrigados a cortar
direitos, gerando protestos por todos os lados. No Brasil, muitos desses direitos
sequer saíram do papel, o que ampliam as insatisfações da sociedade. Não pode o
Estado acreditar que apenas a preferência para ser atendido em filas de bancos
e aeroportos satisfaz os mais velhos.
Ainda há tempo de mudar a cruel realidade que atormenta os idosos brasileiros, inclusive lhes garantindo o direito ao lazer. Mas sem o engajamento de governos, empresas, universidades e de toda a sociedade, pouco se avançará. O país não pode permitir que o destino dos idosos seja a pobreza e a dependência de todos os tipos. Velhice também combina com produtividade, inovação, respeito, alegria de viver. Velhice é sabedoria, não doença.
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