domingo, 29 de outubro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Combater milícias exigirá mais que operações policiais

O Globo

É necessário seguir práticas de sucesso contra máfias do mundo todo: asfixia financeira e inteligência

A semana que passou expôs de modo cruel o poder das milícias no Rio de Janeiro. Depois da morte de um de seus líderes em confronto com a Polícia Civil, a reação semeou o caos: 35 ônibus, quatro caminhões, um trem e automóveis foram incendiados, espalhando tensão por sete bairros, ou mais de 1 milhão de habitantes. Uma série de reportagens publicada pelo GLOBO tem esmiuçado os tentáculos dessas organizações criminosas, salientando a urgência de uma estratégia consistente para desarticulá-las.

Criadas há quase 20 anos a partir de grupos de policiais organizados para combater o tráfico por conta própria, as milícias rapidamente se constituíram num poder paralelo que hoje controla vastas extensões do Rio. Ao todo, uma área de 284 quilômetros quadrados da Região Metropolitana, onde vive um terço dos 6,2 milhões de cariocas, está sob influência das milícias, de acordo com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Na estrutura, elas reproduzem organizações criminosas que aterrorizam cidades do mundo todo. Dominam territórios onde exploram todo tipo de serviço. Não apenas a venda ilegal de botijões de gás, sinais piratas de televisão, internet, transporte e construções irregulares. Como revelou a reportagem do GLOBO, há uma extensa rede de extorsão a pequenos comerciantes, achaque a construtoras ou empresas de varejo, negócios de fachada como postos de gasolina, imobiliárias, supermercados etc.

Ao melhor estilo das máfias, as milícias tiram proveito de atividades legais. “A movimentação financeira da milícia não se faz só da ilegalidade para a legalidade”, diz Daniel Hirata, do Geni da UFF. “Ela vem da legalidade para a ilegalidade também.” Estima-se que apenas a milícia que foi alvo da Polícia Civil na semana passada fature R$ 15 milhões por mês. O dinheiro é lavado de variadas formas, até criptomoedas. Desde 2020, autoridades pediram à Justiça o bloqueio de R$ 235 milhões em bens e valores atribuídos a milícias.

Negócios desse vulto são disputados à bala. A alta nos índices de violência do Rio de Janeiro neste ano é atribuída à guerra entre milícias pela disputa de três territórios da Região Metropolitana. Nas áreas conflagradas, os indicadores de homicídios são piores que em muitas capitais. Só essas três áreas têm impacto suficiente para deteriorar as taxas de violência de toda a Região Sudeste.

O combate às milícias precisa seguir as práticas bem-sucedidas adotadas contra máfias no mundo todo. O primeiro passo é a asfixia financeira. Embora o governo tenha exibido números vistosos de apreensões e fechamento de negócios das milícias, até há três anos o núcleo especializado em lavagem de dinheiro da polícia fluminense, fundamental para desbaratar organizações criminosas, não havia sequer se dedicado a elas.

O segundo passo é uma estratégia que anule a promiscuidade entre milicianos e certas corporações policiais, com foco em inteligência, não em operações a esmo. Para executá-la, é essencial o envolvimento do governo federal. Mas isso de nada adiantará se prevalecer a impunidade. Contra o miliciano suspeito de mais de 20 assassinatos morto na operação da semana passada, havia apenas dois mandados de prisão, só um por homicídio. Sem colaboração da Justiça, não há como desarticular as milícias.

Moderação será o desafio do novo presidente da Câmara dos EUA

O Globo

Integrante da ala mais radical dos republicanos, Mike Johnson enfrenta agenda fundamental para o mundo

Depois de três semanas de impasse e de três desistências, os republicanos conseguiram enfim eleger um novo presidente para a Câmara dos Estados Unidos. O escolhido foi o deputado Mike Johnson, representante de Louisiana, apoiador da conspiração para reverter o resultado das eleições presidenciais de 2020, opositor ferrenho do casamento gay e seguidor fiel do ex-presidente Donald Trump. Desconhecido da maioria dos americanos até esta semana, Johnson terá de moderar suas posições se quiser permanecer no cargo. Para os Estados Unidos e para o mundo, é fundamental que o Congresso americano seja minimamente funcional.

Em sua primeira mensagem como presidente da Câmara, Johnson reconheceu que republicanos e democratas veem “as coisas de pontos de vista distintos”, mas assegurou que, juntos, chegariam a “consensos”. A primeira votação sob seu comando envolvia um óbvio consenso. Foi aprovada uma condenação ao grupo terrorista Hamas. Outros temas prometem ser mais controversos.

Assim como segmentos do seu partido, Johnson foi contra o aumento do auxílio à Ucrânia, embora tenha dado sinais de que poderá mudar de ideia. Descreveu como prioridade o pacote encaminhado pelo presidente Joe Biden solicitando US$ 61,4 bilhões para financiar a Ucrânia, US$ 14,3 bilhões para Israel, US$ 13,6 bilhões para lidar com a crise migratória nos Estados Unidos, US$ 9,1 bilhões em ajuda humanitária para a Faixa de Gaza e US$ 2 bilhões para países asiáticos investirem em defesa. A aprovação pela Câmara traria um bem-vindo sinal de moderação.

Tema mais espinhoso será o financiamento do Estado. No final de setembro, o Congresso aprovou uma medida emergencial, com validade de 45 dias, que permite ao governo contrair novos empréstimos para evitar a paralisação das atividades. Quando ela expirar em novembro, a questão cairá no colo de Johnson. A dívida pública americana está em 98% do PIB e poderá chegar a 118% em dez anos. Em vez de tentar chegar a um acordo sobre o nível de endividamento desejável e o que fazer para atingi-lo, os republicanos têm usado a ameaça de paralisar o governo para extrair concessões da Casa Branca.

Será um enorme problema para o mundo se o Congresso não conceder ao governo o direito de tomar mais dinheiro emprestado. Economicamente, cresceriam os temores sobre a estabilidade do Estado americano. Politicamente também não faria sentido, pois os republicanos provavelmente ficariam com a culpa.

O antecessor de Johnson, Kevin McCarthy, perdeu o cargo depois de negociar com os democratas a medida emergencial. Agora Johnson terá de mostrar uma enorme capacidade de negociação para conter a ala mais radical de seu partido, de que ele sempre fez parte. Do contrário, assim como aconteceu com McCarthy, seu tempo à frente da Câmara poderá ser curto.

Demora na PGR

Folha de S. Paulo

Regras de nomeação deveriam ser aprimoradas para defender interesse da sociedade

A arquitetura das democracias modernas ergue-se sobre a premissa de que indivíduos investidos de poder tenderão a abusar de suas prerrogativas caso não sejam desestimulados por freios e contrapesos institucionais. No Brasil, o procurador-geral da República detém peso importante nesse entrechoque.

Ele chefia no nível da União o órgão incumbido pela Constituição de 1988 da "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". Como se fosse pouco, o ocupante do cargo possui o monopólio das ações penais comuns contra o presidente da República.

Em contrapartida, cabe apenas ao chefe do governo nomear a pessoa que, se for endossada pela maioria dos senadores, exercerá a função de procurador-geral por dois anos, permitida a recondução.

Como há pouco tutano a rechear essa regra de nomeação, abrem-se brechas que o ocupante do Palácio do Planalto poderá explorar a favor de seu interesse egoísta de designar um procurador subserviente.

Enquanto governou o país, Jair Bolsonaro (PL) aproveitou-se do fato de a Carta não exigir nenhuma seleção prévia e conduziu Augusto Aras, que retribuiu com docilidade e brandura em meio a uma série de atos abusivos do Executivo.

A adoção de uma lista tríplice —expediente comum em escolhas de magistrados para tribunais superiores e previsto pela Constituição para a nomeação dos procuradores-gerais dos estados— tornaria mais equilibrado esse processo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo visto aprovou a iniciativa de seu antecessor e anunciou que desta vez dispensará a lista tríplice elaborada, mesmo sem valor vinculante, pelos procuradores federais. O petista aproveita-se, ademais, de outra brecha nas regras de nomeação para protelar, sabe-se lá até quando, a sua indicação.

A indefinição sobre a sucessão de Aras completou um mês e caminha para bater o recorde desde a redemocratização. Lula não parece satisfeito com o grau de independência dos nomes que encabeçam a corrida informal. A demora abriu um leilão propício para que bajuladores se apresentem.

A fixação de prazo legal para nomeações em cargos cruciais como procurador-geral da República e ministro do Supremo Tribunal Federal, outro caso de protelação de Lula, reduziria a margem para abuso.

Na ausência de manifestação tempestiva do presidente, a nomeação poderia passar a ser feita por outra autoridade ou Poder.

Ajustes como esses nas regras de nomeação iriam ao encontro do interesse da sociedade de que essas instituições exerçam o seu papel constitucional, o qual frequentemente colide com os desejos e as condutas dos governantes.

Hora e vez da caatinga

Folha de S. Paulo

Estudo prevê impacto grave da mudança climática sobre o semiárido brasileiro

O debate público sobre ambiente no Brasil sempre foi monopolizado pelo desmatamento na Amazônia. A custo entrou em pauta o cerrado, hoje o domínio mais ameaçado. Mas precisamos falar também da caatinga, muito pressionada.

No semiárido nordestino se encontra o único bioma exclusivamente brasileiro. O Nordeste abriga a segunda maior população do país, metade em condição de pobreza. Secas e ondas de calor podem lhe causar ainda muito sofrimento e baixa na qualidade de vida.

Não é apenas o El Niño deste ano que augura uma estiagem grave. A mudança climática no planeta vai além dessa perturbação nas águas do Pacífico e apanha um sertão nordestino vulnerável.

Estudos recentes cruzaram projeções sobre o aumento da aridez na região, em consequência do aquecimento global, com previsões sobre perda de fauna e flora sob aumento da temperatura e queda na precipitação. Concluíram que, em 2060, até 90% das espécies animais e vegetais poderão ter sucumbido.

Uma desertificação da região não será desastrosa só para pequenos mamíferos da caatinga, como prediz a pesquisa. A onipresença de caprinos dá boa ideia da importância para a segurança alimentar e a cultura dos sertanejos dessa criação que pasteja livre pelo bioma.

Um incremento na perda de cobertura vegetal, acompanhada da homogeneização (poucas espécies) prevista pelos especialistas, trará impacto difícil de avaliar. A ele se somaria um processo de desmatamento já em aceleração, realimentando o vetor de aridificação.

A banda oeste da caatinga, na zona de transição para o cerrado, tem sido um escoadouro da expansão do agronegócio na área conhecida como Matopiba. Sob sua influência, o desmate quase dobrou entre 2020 (683 km2) e 2021 (1.159 km2), segundo o projeto MapBiomas.

Secas mais fortes, frequentes e prolongadas viriam engrossar a migração regional para os já problemáticos grandes centros urbanos do Nordeste. Sem chuvas, milhões de cisternas ficarão vazias, e a transposição do São Francisco não dará conta de matar a sede da gente e do gado e ainda sustentar a irrigação.

Compete ao governo federal, em parceria com os estaduais, atuar em duas frentes para evitar o pior impacto: de um lado, conter a destruição da caatinga; de outro, implementar programas para adaptar população e infraestrutura à mudança climática já contratada.

O bom combate do jornalismo

O Estado de S. Paulo

A instantaneidade online exige redobrar o cuidado com as notícias. Quando elas podem ser armas de guerra, é preciso triplicá-lo, e quando podem ser armas de terroristas, quadruplicá-lo

No dia 17 passado, uma notícia atingiu a opinião pública global como uma bomba: “Ao menos 500 pessoas foram mortas por um bombardeio israelense em um hospital de Gaza, dizem os palestinos”. A atrocidade anunciada nesta manchete do New

York Times foi reportada por diversos veículos de imprensa – como Reuters, Associated Press e MSNBC – e correu o mundo como fogo em mato seco, deixando um rastro de ódio.

Massas enfurecidas tomaram as ruas de países islâmicos. Nas 24 horas subsequentes, diplomatas árabes mobilizaram protestos na ONU; manifestantes anti-Israel cercaram o Capitólio nos EUA; uma sinagoga na Alemanha foi atingida por coquetéis molotov; uma turba tentou invadir a embaixada de Israel na Jordânia. O impacto geopolítico foi devastador: o rei da Jordânia e o presidente da Autoridade Palestina cancelaram uma reunião com os presidentes do Egito e dos EUA e o Oriente Médio esteve a um passo de uma guerra regional mais ampla.

Mas imediatamente após as primeiras notícias, as autoridades israelenses as contestaram. Um grão de hesitação entrou nas redações. A BBC explicou que os israelenses “disseram que estão investigando, mas, na verdade, é difícil ver como não poderia ser, dado o tamanho da explosão, um ataque israelense, ou vários”. Questionamentos começaram a pipocar nas redes sociais. Em um par de horas, a manchete do New York

Times foi alterada duas vezes: primeiro, removendo a menção ao autor do “bombardeio”; depois, reduzindo-o a uma mais neutra “explosão”.

Hoje, ainda não há certeza sobre os fatos. Já antes da guerra, agências independentes não podiam operar livremente em Gaza como fazem em Israel e em outras democracias do mundo. O Hamas controla quem pode investigar e o que pode ser investigado. Mas as evidências apontam para um disparo malogrado de um foguete da Jihad Islâmica, outra organização terrorista de Gaza. Uma tragédia, ainda assim, mas, ao que tudo indica, não resultante da intenção de Israel de dizimar palestinos, e sim do descaso de terroristas com o povo que alegam defender e libertar.

No caso, a notícia foi reportada pelo “Ministério da Saúde de Gaza”, que todos deveriam saber que se trata de um dos pseudônimos do Hamas. Por óbvio, sua confiabilidade é tão grande quanto a do “Ministério da Verdade” do “Grande Irmão” de George Orwell. Mas, no afã das redações de reportar um furo espetacular – ou, plausivelmente, de alguns dos jornalistas de confirmar seu viés de Israel “opressor” – várias esqueceram essa obviedade.

Quando se lembraram ou foram lembradas, o estrago já estava feito. “Múltiplos estudos descobriram que a desinformação ainda pode influenciar nosso pensamento mesmo quando recebemos a correção e acreditamos ser verdadeira”, explicou o neurocientista Richard Sima no Washington Post, “um fenômeno conhecido como ‘efeito contínuo da influência’.” Tanto pior quando esse efeito tem origem não em algum blog obscuro, mas em mídias tradicionais.

Pesquisas indicam que há anos essas mídias vêm perdendo credibilidade – e reproduzir informações disparadas por terroristas só acelerou o processo –, mas a guerra ainda pode ser uma oportunidade de resgatá-la.

Em um mea culpa, o próprio editor do New York Times admitiu que o jornal “confiou demais em alegações do Hamas, e não esclareceu que elas não podiam ser imediatamente verificadas” e que “a reportagem deixou aos leitores uma impressão incorreta sobre o que era conhecido e o quão crível era o relato”.

As redes digitais estão infestadas de erros e mentiras, que, como se viu, podem ser disseminados até por grandes veículos, com consequências desastrosas. A instantaneidade da internet só amplifica o dever do jornalismo profissional de rever continuamente seus procedimentos para determinar “salvaguardas adicionais” à publicação de notícias de impacto, como disse o New

York Times. Ainda assim, é impossível eliminar o risco de erros. Reconhecêlos e corrigi-los o mais rápida e honestamente possível é o caminho mais seguro para resgatar a confiança do público. Em uma palavra, a credibilidade do jornalismo será tanto maior quanto maior for a sua humildade.

O Brasil tem de aprender a envelhecer

O Estado de S. Paulo

O sistema de saúde precisa se preparar melhor para diagnosticar e tratar os problemas associados à combinação inédita, mas incontornável, da baixa natalidade e alta longevidade

Como em países de todas as regiões do mundo (exceto, por ora, a África), a combinação da queda da natalidade e da alta da longevidade impõe ao Brasil um desafio inédito, mas inexorável e massivo. Como mostra a série de censos do IBGE, o crescimento populacional está se desacelerando e em meados do século a população começará a encolher, ao mesmo tempo que envelhece rapidamente.

Uma sociedade menor e mais velha impacta diferentemente cada pessoa e impõe desafios imensos e complexos a todas as dimensões da vida coletiva, da economia à política e à cultura. Como fomentar uma cultura comunitária que promova uma terceira idade digna, produtiva e criativa? Como combater estereótipos e a discriminação de pessoas em razão de sua idade (o “etarismo”)? Como adaptar as cidades (infraestrutura, moradia, lazer, transportes)? Como financiar essas adaptações e compensar as perdas na força de trabalho e capacidade de inovação? Em termos de políticas públicas, duas áreas são cruciais: previdência e saúde.

Em relação a esta última, especialistas ouvidos pelo Estado afirmam unanimemente que o Brasil não só não preparou seu sistema de saúde, como nem sequer está devidamente consciente do problema. Um levantamento do Centro Internacional da Longevidade, por exemplo, mostra que, dos 37 partidos brasileiros, só em dois ou três o tema do envelhecimento entra na pauta. Apenas 10% das escolas médicas têm uma disciplina de geriatria. O Brasil tem cerca de 2,6 mil geriatras, mas a Sociedade Brasileira de Geriatria estima que o déficit desses profissionais seja de 28 mil. Apesar disso, segundo o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, na última década a taxa de especialização em geriatria (0,7%) manteve-se estável e a estrutura hospitalar ficou defasada: na contramão da demanda, o número de leitos em instituições de longa permanência ou reabilitação caiu de 0,6 a cada mil idosos para 0,4.

Os especialistas apontam um verdadeiro ecossistema de desafios. Um deles é o aumento da prevalência de doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, e também osteoarticulares, que impactam a qualidade de vida e a funcionalidade dos idosos. Outro é o aumento de tumores, consequência do envelhecimento das células. O cenário epidemiológico do câncer exige equipar o sistema hospitalar para diagnosticar tumores mais precocemente e tratá-los com as melhores tecnologias. Similarmente, os sistemas de saúde e assistência social precisam se preparar para prevenir e tratar casos crescentes de demências e outros transtornos típicos de idosos.

Como adverte a Organização Mundial da Saúde, um sistema de cuidados de longo prazo deve ser centrado na pessoa, reconhecendo a heterogeneidade de experiências na terceira idade, e integrado, coordenando diferentes níveis de cuidado (atendimento hospitalar, reabilitação, cuidados paliativos e terminais) e complementando cuidados ambulatoriais com intervenções domiciliares.

Profissionais de saúde são tradicionalmente treinados para reagir a demandas de saúde prementes e pontuais, mas o envelhecimento populacional exige aprimorar conhecimentos e habilidades holísticas para lidar com problemas crônicos e multicomorbidades. Isso implica a formação de equipes multidisciplinares treinadas em comunicação e cooperação.

Além do sistema de saúde stricto sensu, políticas de prevenção envolvem a conscientização de adultos, incentivando-os a adotar hábitos mais saudáveis e exames preventivos, e é preciso engendrar políticas sociais para amparar as famílias no cuidado de seus idosos, especialmente as mulheres, que costumam ser sobrecarregadas.

Há ainda a questão de como financiar essas adaptações. Dado o crescente encolhimento da população jovem e o aumento da idosa, um caminho óbvio é a transferência gradativa de uma parcela dos recursos da educação para a saúde.

O envelhecimento populacional é uma realidade inexorável, mas o Brasil está atrasado. Os desafios na saúde e outras áreas exigem pesquisas e mobilizações multissetoriais continuadas para desenhar um novo “mapa da vida” e trilhá-lo com dignidade.

Para facilitar o trabalho do STF

O Estado de S. Paulo

Limitar a atuação de partidos nanicos no STF é medida saneadora, que protege o Legislativo e o Judiciário

O Estadão informa que está em estudo no Congresso a aprovação de uma medida para limitar a atuação de partidos pequenos no Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo é impedir que partidos nanicos, com poucos representantes no Legislativo, recorram ao STF para invalidar atos do Congresso. Trata-se de excelente iniciativa, apta a corrigir abuso cada vez mais frequente, que perverte o funcionamento do Estado Democrático de Direito: o recurso ao Judiciário como meio de reverter a derrota política.

Segundo o relator de um das propostas, deputado Alex Manente (Cidadania-SP), a ideia é limitar a apresentação de ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) e de ações diretas de descumprimento de preceito fundamental (Adpfs) aos partidos que superarem a cláusula de desempenho eleitoral. Se a regra for adotada, 16 legendas ficariam impedidas de propor essas ações no Supremo.

A medida restritiva é legítima. Ciente de que se trata de uma ação com alto impacto político – afinal, é um controle sobre a atuação do Congresso –, a Constituição limita quem pode propor as chamadas ações de controle concentrado de constitucionalidade. Entre os autorizados, estão o presidente da República, a Mesa do Senado e a da Câmara, o procurador-geral da República e “partido político com representação no Congresso Nacional”. Com isso, o legislador constituinte definiu que a existência de barreiras para a propositura dessas ações não é incompatível com a necessária proteção da Constituição.

A limitação de quem pode acionar nesses casos o STF é um meio de proteger o funcionamento do Estado Democrático de Direito. Ela representa um respeito ao âmbito do Legislativo, assim como evita que a Corte constitucional seja entulhada por ações de controle de constitucionalidade, revisando todos os atos do Congresso. Como é natural, toda decisão legislativa gera descontentamento em algumas pessoas e grupos. Sem uma barreira para a propositura dessas ações, quem não gostou da decisão sempre poderia buscar o Judiciário para reverter a derrota.

Aqui está o grande ponto. Os 35 anos da Constituição mostram, com abundância de exemplos, que a barreira originalmente prevista tem sido insuficiente para prover o objetivo pretendido. O STF tornou-se revisor de praticamente todos os atos do Congresso, sendo continuamente acionado por partidos nanicos, com baixíssima representação popular. Há legendas, como a Rede, cuja atuação mais destacada é no Judiciário, e não no Legislativo. Entre outros danos, isso agrava o problema da representatividade do regime democrático, ao impor à população políticas públicas ditadas por minorias, simplesmente em razão de sua habilidade em acionar a Justiça.

É muito oportuno, portanto, que o Congresso estude o tema, com medidas concretas para enfrentar um problema real, que distorce o funcionamento da política. Sem limitar ou interferir na independência do Judiciário, essa barreira aos partidos nanicos pode ajudar a recolocar o controle de constitucionalidade no devido prumo.

Um Brasil melhor para os idosos

Correio Braziliense

O Censo 2022 aponta que o país está caminhando para um processo de superenvelhecimento, sem que questões básicas, como educação e saúde, tenham sido resolvidas

Ao divulgar o mais novo retrato da população, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deixou claro o tamanho do desafio que o Brasil tem pela frente para garantir o bem-estar social, ainda uma promessa muito longe de ser cumprida. O Censo 2022 aponta que o país está caminhando para um processo de superenvelhecimento, sem que questões básicas, como educação e saúde, tenham sido resolvidas. Não há hoje e nem se vê para o futuro projetos que garantam melhores condições de vida aos idosos. Muitos são vistos como peso para a sociedade, percepção que tenderá a permanecer caso o Estado não assuma o papel que lhe cabe e que está especificado na Constituição Federal.

Pelos cálculos do IBGE, os brasileiros com 65 anos ou mais já representam 10,9% da população, o maior índice desde 1872, quando foi feito o primeiro recenseamento no país. Em 2010, essa parcela era de 7,4%. Há, portanto, 22,1 milhões de pessoas nesse grupo etário, das quais 4,6 milhões com mais de 80 anos. Infelizmente, muitos desses cidadãos envelheceram como seus antepassados, ou seja, dependendo de familiares ou como arrimo dos lares. Essa realidade decorre da falta de uma educação adequada, que empurrou muita gente para a informalidade ou para atividades que pagam pouco. A sobrevivência, em maioria, é com um salário mínimo pago pela Previdência Social.

Os números do IBGE mostram, portanto, que envelhecer bem no Brasil ainda é um privilégio para poucos. Apenas uma minoria branca pode dizer que conseguiu superar as barreiras impostas pela estrutura social estabelecida. Uma mulher negra, no geral, vai cuidar, primeiro, dos irmãos, e, depois, dos filhos, sem grandes perspectivas de vida. Para mudar esse quadro e reduzir as desigualdades na velhice, o Estado terá de ampliar o acesso à saúde. Hoje, há um subfinanciamento no Sistema Único de Saúde (SUS) que inviabiliza uma velhice funcional, principalmente entre mulheres, que são maioria da população, negros e pobres. As políticas públicas devem garantir uma infância saudável, por meio de uma medicina preventiva, para gerir idosos menos dependentes. Sabe-se que, com o envelhecimento, haverá mais necessidade de geriatras, oncologistas, cardiologistas e neurologistas.

Também será preciso um amplo projeto de requalificação de pessoas de 60 a 79 anos, que, no geral, estão com boa saúde e devem continuar no mercado de trabalho. O Japão está nesse processo. É uma forma de combater o etarismo, o preconceito contra os trabalhadores mais velhos, e permitir que esses cidadãos mantenham o poder de compra e continuem contribuindo para a Previdência, que terá pela frente, mantido o atual cenário, cada vez menos financiadores, pois a população jovem vem encolhendo substancialmente. O Brasil, por decisões equivocadas, perdeu a oportunidade de usufruir do bônus demográfico, quando a maior parcela da população está em idade produtiva. Quer dizer: o país envelheceu antes de ficar rico.

Nesse ponto, vale frisar: a faixa etária entre 0 e 14 anos não chega a 20% da população, a menor parcela da história. A taxa de fecundidade das mulheres está entre 1,6 e 1,7 filho, nível insuficiente para repor a população. Na Europa, onde a política de bem-estar social ainda é uma realidade e a população idosa tem uma certa dignidade, o envelhecimento está provocando sérios problemas, com os governos sendo obrigados a cortar direitos, gerando protestos por todos os lados. No Brasil, muitos desses direitos sequer saíram do papel, o que ampliam as insatisfações da sociedade. Não pode o Estado acreditar que apenas a preferência para ser atendido em filas de bancos e aeroportos satisfaz os mais velhos.

Ainda há tempo de mudar a cruel realidade que atormenta os idosos brasileiros, inclusive lhes garantindo o direito ao lazer. Mas sem o engajamento de governos, empresas, universidades e de toda a sociedade, pouco se avançará. O país não pode permitir que o destino dos idosos seja a pobreza e a dependência de todos os tipos. Velhice também combina com produtividade, inovação, respeito, alegria de viver. Velhice é sabedoria, não doença.

 

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